O Cara das Rosas escrita por Vaalas


Capítulo 1
Capítulo Único ― A Fera das Rosas.


Notas iniciais do capítulo

- Os sobrenomes dos personagens foram selecionados por mim.
— O ambiente do conto é na França, mas aqui é em Londres. Nenhum motivo além da vontade.
— O nome da Fera é Adam no conto original também (descobri isso quando pesquisava e fiquei meio 'o', apesar de não curtir muito o nome)
— "Belle" é o nome estrangeiro da personagem (achei mais legal do que Bela, principalmente por causa da Belle de OUAT)
— Cada palavra aqui me pertence, até os textos em itálico, então, por favor, não venha com o "ponha os créditos nos trechos! Nhenhe"
E acho que é só. Boa leitura.



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Podes ser a beleza pura que se desmancha aos braços do tempo, apenas não esqueça-te de ser também a consciência que prevalecerá pela eternidade.

Belle levantou a ponta da cortina mais uma vez naquela tarde, enterrou os olhos castanhos no vão da janela e fez o possível para conseguir visualizar o carro musgo que dobrava a esquina e seguia pela rua do pequeno vilarejo londrino.

Era um dia frio de maio e os pneus derrapavam no asfalto congelado por finas camadas de gelo, o sol não se fazia presente há quase duas semanas e a garota de cabelos castanhos chocolate ainda assim espremia-se na ponta da janela de vidro para observar o sujeito cotidiano. Com uma xícara de café fervente em mãos, congelou o olhar no carro envelhecido que diminuía a velocidade e finalmente estacionava na calçada da casa em frente a sua.

Forçou a visão para enxergar melhor a figura, que abriu a porta dura e se pôs para fora em um passo. Trajava um grosso casaco escuro cuja gola subia na nuca, uma calça jeans desbotada e um par de luvas negras que foram arrancadas dos dedos à medida que se aproximava da porta da casa em passos apressados.

Tão rápido quanto surgiu, entrou e fechou a porta, sumindo dentro da residência como se nunca houvesse aparecido.

Belle suspirou. Naquela tarde o tempo foi bem mais curto que o habitual, pois normalmente, quando não fazia tanto frio, o vizinho andava pelo quintal um pouco, checando a roseira vermelha e cheia de brotos, se certificando que as flores rubras ainda estavam do mesmo modo que ele havia deixado. Durante o inverno, porém, era de certo que as rosas não estariam no melhor estado, embora ela houvesse assistido enquanto ele cobria as raízes com terriço, preparando-se para geada.

Jogou-se na cama de casal com os braços abertos, desapontada e angustiada por não ter assistido o programa habitual de espionar o vizinho cuidando de suas flores. Belle preferia assumir o sujeito como alguém que ela desconhecia, embora soubesse que a figura na verdade era, além de seu vizinho, um estudante da mesma escola. No entanto, enquanto permaneciam juntos em tempo de aula o vizinho perdia todo encanto adquirido quando zelava pela saúde de suas roseiras vermelhas como sangue, e passava a ser só um estudante qualquer, da escola qualquer em que ela cotidianamente era obrigada a ir todos os dias.

Ela sempre se esquecia do fato de que seu vizinho, o garoto das rosas, em hipótese alguma era um estudante qualquer.

Afinal, ele era A Fera.

[...]

O amanhecer do dia seguinte surgiu como outro qualquer, dividido entre o ruído do despertador, o banho quente, o casaco marrom amassado, um café puro e sem açúcar junto a uma torrada quase queimada e um livro de folhas amareladas que saiu com ela pela porta da frente. Acordara mais tarde que o habitual, pois enrolara na cama minutos depois do alerta do despertador, acabando por adormecer novamente. Por sorte o ônibus ainda não havia passado, dando-lhe tempo de devorar a torrada que trouxera na boca, enquanto os dedos corriam pelas folhas da história e os passos aceleravam-se até a ponta da calçada.

As letras corriam pela sua mente de forma liberada, fluíam como água corrente e eram assimiladas com uma facilidade digna de admiração. Belle não sabia desde quando, mas parecia que sempre amara livros como alguém ama sua alma gêmea. Aquela era a característica sua mais relevável, que, ela assumia, ser uma das poucas.

Quando deu por si, a torrada já havia sido devorada, o ônibus já havia parado a sua frente e as portas automáticas estavam escancaradas apenas no aguarde do novo tripulante do móvel amarelo. Pôs-se a entrar na mesma hora, quase tropeçando no último degrau, ainda com o livro em mãos e a bolsa de tecido marrom degastado pendendo no ombro esquerdo.

Sentou-se em um dos primeiros bancos. Vazio. O que não era algo habitual quando sua casa era uma das últimas do caminho e o ônibus encontrava-se lotado. Não esperou o automóvel dar partida, logo, já tinha a cara enfiada em meio a mais páginas velhas e com cheiro de mofo.

O barulho das portas rangendo para se fecharem foi interrompido ― embora o barulho fosse sutil o suficiente para não atrair sua atenção focada na história ― e passos pesados traçaram trilha pelo chão metálico.

― O que pensa que está fazendo, Owen? ― Ouviu a voz do motorista indagar e só levantou o olhar ao ouvir o sobrenome dito.

― O que eu pareço estar fazendo, Smith? ― A voz rouca rebateu feroz. Houve o som agudo de botas sobre o chão de metal ― Acho que estou subindo no ônibus escolar, não concorda?

Todos os murmúrios antes presentes cessaram-se em um piscar de olhos, o ônibus parecia mudo, ou talvez ela estivesse surda. Claro que não era de se esperar outra reação dos demais alunos, afinal, parado ali, em pé defronte ao motorista, estava A Fera, a pessoa mais respeitada, porém odiada, que todos conheciam.

Belle sabia que o rapaz se chamava Adam, assim como sabia que ele era o cara das rosas belas. Era um tanto irônico o rapaz intocável, indestrutível e explosivo ter amor pelas belas plantas carmesim. Talvez ela fosse a única a ter visto ele e seu carinho aparente pela roseira.

Ainda mergulhado em silêncio, ninguém parecia disposto a falar nada ― Belle, momentos mais tarde, passou a indagar-se se haviam até mesmo parado de respirar ― sendo que o único som escutado era o barulho do motor zunindo, arrancando em seguida pela avenida.

O espanto de todos os presentes não era absurdo, a própria Belle se perguntava o que aquele cara fazia no ônibus escolar, já que todos os dias, sem exceção, o rapaz estava montado em seu velho carro cor de musgo, tragando um toco de cigarro e ouvindo música em um volume mais elevado que o normal. E, para aumentar seu desentendimento e surpresa, A Fera sentou-se no banco ao seu lado ― embora o termo “jogou-se” caberia com mais fidelidade ao ato ―, os dedos dançando sobre a tela touchscreen de seu celular e a expressão indiferente ao espanto de todos.

Adam Owen era o nome de cartório da Fera, um rapaz de ombros largos, pele mais pálida que o normal, olhos escuros e cabelos dourados como ouro. Não era muito alto, nem muito baixo, não era muito musculoso, nem muito magricela, era simplesmente normal― tanto que quem o desconhecia, não sentia-se tão ameaçado.

Em grande parte do tempo ―, ou seja: sempre ―, Adam era visto com um habitual semblante fechado, olhos inexpressivos e língua afiada. Qualquer um que ousasse falar com ele, ou era respondido com crueldade e palavras afiadas, ou simplesmente ignorado. Seu rosto, algo vindo do próprio DNA, trazia em si um espirito tão maligno a ponto de fazer qualquer um sentir um frio romper a espinha.

Não que fosse feio ou com deformidades, pois ele não era. Owen não era belíssimo, porém não alcançava o nível titulado como feiura. Era simplesmente normal, com uma atitude de fazer qualquer cara barra pesada manchar as calças. Aterrorizante, medonho: boas palavras para defini-lo.

E só para constar: nem tente imaginar uma briga envolvendo Owen, pois, no geral, seu nome “A Fera” veio de brinde com o espancamento de James Walder, que resultou na sua primeira passagem pela polícia da pequena cidade ― uma semana após estabelecer moradia.

Sem esconder fatos, Belle estremeceu ao se dar conta que ele estava mesmo sentado ao seu lado, embora não parecesse notar a presença de cabelos castanhos que lhe encarava atônita.

― O que houve com seu carro?

E pronto, a vontade que teve foi de jogar-se pela janela do móvel em movimento. Seu fim bruto provavelmente seria menos doloroso do que uma morte pelas mãos do loiro. Por que em nome de tudo que é sagrado ela não conseguiu ficar calada?

― Amanheceu com o pneu furado. ― Disse sem estar ligado realmente, notando só então que a garota havia falado com ele. Virou o olhar de petróleo na direção dela, seu rosto se fechando em zango. ― Por quê? Algum problema com isso?

Belle achou que as chances de ser atacada seriam menores se respondesse.

― O quê? Não, não! É só estranho você estar vindo de ônibus, porque... Digo... Eu... ― Sentiu a garganta seca de repente, principalmente ao ver os olhos negros se cerrarem mais enquanto lhe encaravam amargos. ― Você nunca vem de ônibus!

― Você anda me espionando?

Sentiu vontade de dizer que sim, afinal, não era uma mentira, Belle realmente espiava pela janela ― às 06h50min e às 20h30min ― o loiro regando e cuidando das rosas com devoção. Claro que não poderia dizer isso a ele, provavelmente viria a ser um assunto sigiloso e sua imagem manchar-se-ia se todos soubessem que o indiferente Adam Owen era uma fraude e que na verdade possuía uma paixão escondida por rosas.

― Todo mundo sabe que você não vem de ônibus. ― Murmurou em sua defesa.

A Fera bufou, jogando o celular na mochila e voltando a dirigir o olhar inexpressivo em sua direção.

― O que acha de voltar a ler seu livro e eu fingir que nunca dirigi uma palavra sequer a você?

Hesitante, Belle permitiu-se sorrir.

― Acho uma ideia brilhante.

[...]

Desde o episódio no ônibus, a morena não tinha dirigido nenhum olhar sequer a Fera durante duas semanas, nunca havia o encontrado em nenhum corredor e tampouco visto-o entrar pela porta do ônibus novamente. Todo dia o vigiava enquanto zelava pela saúde de suas flores ― embora suas preferidas fossem as rosas, seu canteiro possuía outras diversidades ―, mas apenas isso e assim esperava que continuasse.

O cara das rosas era diferente de Adam Owen.

O bater do sinal pareceu despertar a multidão quase em coma da sala de aula. Belle levantou-se, jogou os livros sem jeito na bolsa e avançou porta afora junto a todos os outros.

― Oh, minha linda Belle, sua beleza aumenta mais a cada dia!

A morena passou direto sem sequer dirigir-lhe o olhar. Gaston tinha o péssimo costume de cortejá-la sempre que a via, o que além de embaraçoso e incômodo, era desastroso, pois não só havia deixado claro que não possuía interesse algum no rapaz ― de cabelos negros ondulados, pele bronzeada e olhos azuis como o mar do Caribe ―, como também o achava egocêntrico, arrogante e primitivo ao ponto de ser compulsivo. Distância era tudo o que poderia desejar de um alguém tão convencido quanto era Gaston Miller.

― Belle Morland, o que devo fazer para roubar seu coração?

― Usar uma faca, talvez. ― Retrucou, apressando os passos para virar mais uma esquina de corredores, tentando falhamente escapar dos cortejos indesejáveis.

Quando viu que Miller continuaria a segui-la e fazer insinuações amorosas em sua direção, os pés de Belle, muito antes dela pensar, já estavam avançando em disparada para fora do prédio escolar, batendo pesadamente contra o chão e balançando a bolsa em seu ombro com o atrito do ar.

Chegou ao gramado arfando, os ouvidos captando os “Belle!” distantes que aos poucos se aproximavam mais. “Droga, ele não desiste” Concluiu tristemente, costurando a passos ágeis todos os grupos pequenos de conversa que se acumulavam em rodinhas pela grama fria pela neve fina, pulou alguns projéteis humanos e simplesmente tentou passar invisível pelos olhos castanhos de Gaston ― a quem ela, infelizmente, viu gritando seu nome alguns metros de distância.

Saltou em direção a um banco bem no meio dali, de concreto, bruto e aparentemente desconfortável, detalhes que não eram de grande importância já que tudo o que ela queria era se esconder ali atrás e afundar na invisibilidade. E foi exatamente isso o que fez, percebendo que a única pessoa sentada era um rapaz de casaco cinza com capuz sobre a cabeça, ouvindo a uma música qualquer e fumando um cigarro barato. Estranhamente, não havia ninguém próximo àquele banco, o que era incomum, já que as pessoas estavam amontoadas em todos os lugares, mas procuravam manter distância de pelo menos 10 metros dali.

Encolheu-se, esperando um sinal qualquer de que Miller já houvesse passado.

― Está se escondendo de quem, garota do ônibus? ― Perguntou com voz rouca e fraca, a fumaça saindo de sua boca a cada palavra.

Ora, quem diria que o sujeito de capuz no banco seria a Fera. De repente, o fato das pessoas manterem 10 metros de distância passou a ter sentido, dez metros é uma distância consideravelmente segura.

Belle não tinha ideia de como ele ainda lembrava-se dela, e estava com adrenalina no auge, ao ponto de não conseguir temer aquela figura tão aterrorizante.

― Gaston Miller. ― Sussurrou em retorno, virando o rosto para cima, encarando-o. ― Por favor, não diga que estou aqui.

Adam puxou o capuz para baixo, revelando seus cabelos loiros despenteados e o toco de cigarro que pendia nos lábios.

― O que você fez para ele? ― indagou monotonamente, a língua parecia arrastar-se para conseguir formular sílabas. ― Valeu a pena?

― O quê? Do que está falando? Não fiz nada, ele que é um tanto psicótico.

O loiro curvou o canto dos lábios de maneira quase imperceptível ― ela notou, porém preferiu fingir que não ―, virando o rosto para a paisagem em seguida. O céu estava cinza naquela hora e era provável que o horário já houvesse ultrapassado o meio-dia.

― Lá vem ele ― Seu semblante sempre maldoso continuou ali firme, enquanto olhava para algum ponto mais adiante ― Será que revelo sua localização?

Belle odiava pessoas que se faziam de idiotas, o ato sempre ressaltava a chantagem implícita.

― O que você quer? ― foi direto ao ponto.

― Quanto está disposta a pagar?

A irritação tingiu seu rosto já corado de vermelho. Olhou por baixo do assento do banco, procurando identificar os sapatos de Gaston em meio a tantos outros pés. Qual era mesmo o sapato do moreno? Botas? All star? Tênis?

― Não tenho dinheiro, Owen.

Ele suspirou, inclinando a cabeça para trás e fechando os olhos.

― É notável pelo estado da sua bolsa. Qualquer garota normal com condições já teria queimado esse trapo velho. ― Grosso como sempre, tragou mais profundamente a fumaça ― Durante aquela manhã que sentei ao seu lado no ônibus senti cheiro de café de segunda mão, puro, o que indica que você não tem dinheiro para comprar leite (ninguém em sã consciência toma café puro quando se tem leite) e os farelos de torrada na manga do seu casaco eram mais escuros do que deveriam ser, indicando que sua torradeira é velha o suficiente para não fazer uma torrada decente. ― Voltou a encará-la, esperando um olhar espantado da garota, mas apenas enxergou um sorriso ― Que cara lesada, por que não está com raiva?

Belle puxou os joelhos para cima e os abraçou com frio, nem mesmo o casaco ou o sorriso que lhe estampava a cara poderiam enfrentar a ventania fria que vinha do Sul.

― Porque isso foi surpreendentemente... ― Buscou uma palavra bonita no fundo da sua consciência, conhecia tantas, porém elas pareciam ter desaparecido em um abismo mental profundo demais ― Isso foi surpreendentemente errado.

A fumaça saiu da garganta de Adam em uma tosse desesperada e engasgada, como se ele estivesse morrendo em meio aos sonoros barulhos roucos e graves. Belle nunca havia visto alguém se engasgar com fumaça ― já havia lido, nunca visto ― e fez nota mental de mais um male da nicotina.

― Como? ― pensou não ter entendido, então perguntou só para ter certeza.

― Ora, você errou feiamente. Não esperava mesmo estar certo, esperava? ― Ela lhe sorriu, apoiando o queixo no braço sobre o joelho, ainda fitando o rosto confuso em uma mistura de dúvida e incredulidade. ― Eu não sou pobre a esse ponto, Adam. Não sou rica, mas não sou pobre, compreende? Uso essa bolsa velha e degastada porque a acho boa e espaçosa, então não vejo necessidade em ter outra se esta ainda é usável. Você me fez rir mentalmente com sua teoria do leite ― Riu ― Veja bem, eu simplesmente amo café puro, o que é uma falta de informação sua já que muita gente gosta também. E ah, a torradeira realmente anda com alguns desajustes, mas não é por problemas financeiros, ela torra demais porque quem criou-a foi meu pai (ele adora criar coisas mesmo estas já existindo). Então, em apenas um resumo: você conseguiu de um modo inacreditável errar tudo a meu respeito. Apenas lhe dou os créditos por ter notado tantos detalhes. Anda me espionando, Owen?

Ele sorriu fraco com a sua própria pergunta de semanas atrás saindo da boca dela. De fato errou tudo, e reconheceu logo que essas hipóteses jamais passariam pela sua cabeça já que o perfil traçado mentalmente de Belle Morland era de uma garota desleixada e bela o suficiente para pisar em cima de tudo e todos.

― Não sei se você notou, mas em meio a tudo isso o seu psicopata sumiu. ― Tratou de dizer logo ― Está livre, não tendo que me pagar nada.

Belle sorriu novamente ― algo que ela nunca pensou que conseguiria fazer na frente de Adam Owen. Assim como ela não sabia que a Fera era capaz de sorrir, ato que ele havia feito duas vezes durante a conversa ― levantando-se do chão e ajeitando a bolsa no ombro. O loiro fez o mesmo, jogando o cigarro e pisando em cima quando levantava.

― Bem, eu não tenho que te pagar nada... Mas eu posso te pagar um café com leite. Se você quiser, claro.

E para o espanto de muitos, A Fera aceitou o convite. Saindo do campus ao lado da adorável Belle, deixou alguns olhares aturdidos para trás, junto a murmurinhos que se espalhariam pela escola toda em questão de minutos.

Estaria Adam, a Fera, o Monstro, aceitando a proximidade de Morland?

[...]

Caminhavam lado a lado de volta para casa ― afinal, serem vizinhos tinha lá suas vantagens ―, cada um portando um copo branco e médio de líquido quente. Belle perguntou-se onde estaria o carro dele, que sempre encontrava-se na mesma vaga de estacionamento ― já que ninguém ousava tomá-la dele. ― onde o loiro sempre o apanhava e dirigia de volta para casa.

Foram andando até a cafeteria, fizeram seus pedidos que a morena insistiu em pagar, e ele, lógico, não recusou. Já haviam andando alguns quarteirões, envoltos em uma conversa tão descontraída que logo pareciam mais íntimos do que realmente eram.

― Fique a quatro passos de distancia de mim, Belle ― Adam pediu grosseiro ― Só o cheiro desse maldito café sem leite me dá náuseas.

― Quem diria que o ponto fraco da Fera seria o café puro. ― Sorriu, aproximando-se mais e ficando ao lado dele apenas para atiçá-lo.

O semblante dele nublou-se com uma rapidez admirável. Há pouco tempo Belle tinha certeza de estar vendo o cara das rosas, pois a conversa entre os dois era tão facilmente levada afrente, que ela esquecera-se que se encontrava dialogando com o grande terror da escola.

― Não me chame de Fera, ok? ― Com o maxilar rígido, ele pediu. Controlando sua raiva ao máximo.

Belle olhou para os pés.

― Sim, sim, desculpe-me. ― Pediu baixinho ― É só que... Você sempre é tão bruto e grosso com os outros que não achei que ligasse para isso, achei até que gostasse. Um homem ser chamado de Fera não dá a sensação de superioridade?

― Superioridade em quê, medo? ― Ele perguntou, virando o rosto para encará-la. De repente, aqueles olhos petróleo deixaram de ser descontraídos, pareciam mais frios e distantes que minutos antes.

― Não sei, Adam, a mente masculina é muito complexa.

E a conversa morreu ali.

Como uma rosa não cuidada, o broto de intimidade entre os dois murchou muito antes de se abrir.

[...]

Logo, mais três semanas passaram-se, semana de provas, de pôr no papel tudo o que se forçara a aprender durante o bimestre, estava na hora de mostrar que todos os livros ― tão amados ― não foram gasto de tempo. E em curtos dias, recebia na sua mesa um belo A+ e um piscar de olho do professor ― o resultado nas outras provas não fora muito diferente, somente em física e álgebra tirou um terrível B–, mas como nunca fora boa com números não se martirizou muito.

Três semanas é um tempo longo, porém passou despercebido já que seu tempo era divido em estudos, livros de romance e seus turnos de espionagem no vizinho e suas flores.

E não, ela não se cansava disso, achava que nunca cansaria, pois assim, de longe, Adam parecia tão tremendamente belo, com seus cabelos de ouro no sol fraquíssimo.

Como já foi dito antes, A Fera nunca fora o cara belíssimo, mas ali, manuseando a terra para zelar por suas flores, Owen ficava extremamente atraente para Belle, que nunca havia ousado pensar desta forma a respeito dele.

E com o breve choque da realidade, ocorreu-lhe um pensamento inusitado: estaria ela admirando secretamente Adam Owen?

[...]

As semanas pareciam correr desesperadamente de suas mãos. O tempo era tão pouco maleável, que logo, a temporada fria sumiu do ambiente. A neve se dispersara, a grama voltara a tonalidade verde vibrante, o sol produzia mais calor ― embora não o suficiente, mas já era um grande passo ― e Belle era perturbada por um instinto maluco de seguir Owen com os olhos sempre que este passava perto. Mesmo ele nunca lhe dirigindo o olhar, a morena simplesmente não conseguia deixar de analisá-lo ao longe.

Sentia-se louca e a constatação disso deixou claro que não estava, mas se aquilo não era loucura, o que diabos a fazia perder a sanidade?

O frio na espinha que sentia ao ver a Fera agora era um frio no estômago. Adam Owen já não era a Fera, Adam Owen era o cara das rosas vermelhas saudáveis, ou pelo menos era só isso que ela conseguia enxergar.

― Belle! ― Gaston gritou, correndo ao seu encontro. Passaram-se quase dois meses desde o dia em que saiu correndo dele e parecia que não havia sido o suficiente para deixar a mostra que o queira longe. O moreno tirou a mão das costas, estendendo em sua direção uma flor branca. ― Apenas uma comparação entre sua beleza magnífica e pura e uma flor bela e madura.

Pegou-a pelo caule fino e amassado. A flor branca sem dúvidas fora bela um dia, no entanto agora suas bordas estavam amareladas ― tinha certeza que o primitivo Gaston a havia guardado de um jeito qualquer na mochila― e uma das pétalas quase caía por terra. Ainda assim a flor mantinha uma beleza e isso era o que bastava. Estava morrendo, mas era o que bastava. Afinal, toda a beleza é mortal.

― Obrigada, Gaston. ― Agradeceu com um sorriso ― Ela é mesmo muito bela.

[...]

E talvez pudesse permanecer assim.

Pois beleza é mortal.

É jovem.

Mas quem disse que se perde tão facilmente?

[...]

Seus passos eram tímidos na calçada, hesitantes e temerosos ao ponto de travarem na tentativa de avançar mais adiante. Seu rosto estava corado e suas mãos jaziam leves e as mais delicadas possíveis em volta da flor molenga. Respirou fundo, resolvendo, enfim, cruzar o gramado, avançando pela trilha curta de pedras e subindo três degraus para a varanda.

Encarou a campainha, a campainha lhe encarou de volta. Respirou fundo mais uma vez e levou o dedo até o botão, pressionou, esperou, fechou os olhos. Foram longos 8 segundos torturantes para a porta finalmente se abrir e o cheiro de tabaco logo dominar seu olfato.

Ali, parado a sua frente pela primeira vez em semanas, Adam lhe encarava surpreso, com uma mistura de sensações nos olhos ébano que ela não soube interpretar.

― Ahn... Oi. ― Ele disse, jogando seu cigarro fora de imediato, como se não quisesse que ela o visse com ele.

― Oi.

― Oi.

Silêncio perturbador.

Belle não sabia ao certo se deveria falar algo. A última conversa de ambos finalizou-se em longos minutos vazios e o início daquela nova tentativa de conversa havia tomado o mesmo rumo. Pigarreou, desviando o olhar do dele, abrindo as mãos e tentando deixar à mostra a flor, agora meio amarelada pelo suor excessivo de suas mãos.

― Você pode me ajudar? ― perguntou envergonhada.

A Fera olhou para a flor quase murcha, depois olhou para a morena, olhou novamente para a flor e mais uma vez para ela.

― Está brincando com a minha cara, não é? ― Riu forçado. Ela soube que era falso porque já tinha visto seu sorriso de verdade e embora aquele parecesse muito verídico, ela podia detectar a falsidade em dois tempos.

― Pareço estar?

― Como posso te ajudar com essa flor quase morta? ― Ele analisou-a de perto. ― Ela quase não tem raiz!

― Ah, então você entende do assunto!

Por mais estúpido que possa parecer ― e Belle conseguia ser bem estúpida quando tratava-se de Adam ―, a garota havia se esquecido por completo que o loiro não tinha ideia de que ela sabia do seu carinho com as flores. Agora ali estava ela, pedindo ajuda a um cara com papel de “eu não sei de nada” que não sabia que ela sabia que o “eu não sei de nada” era só um papel.

― Qualquer criança do primário sabe que a planta precisa de raiz para viver! Pensei que fosse mais esperta, Morland. ― Ele sorriu nervoso. ― Por que está tão vermelha?

Suspirou, derrotada. Provavelmente ele a odiaria por isso, mas era simples assim, havia cansado de brincar de espiã.

― Eu sei do seu amor especial pelas flores! ― Soltou, respirando fundo antes de continuar. ― Sei que você não quer que ninguém saiba dessa sua recaída, sei que você às 06h50min sai de casa quando não tem ninguém na rua e zela pela saúde de todas as cores do seu canteiro, o mesmo vale às 20h30min, quando todos estão jantando você chega de sei lá onde e verifica se tudo está no lugar onde você deixou. Sei que você nutre um carinho mais que especial pela roseira e sei que você adora vê-las vivendo graças a você! ― Tudo saiu tão rápido que ela não sabia se ele havia entendido, mas pela cara de mosca morta que ele lhe lançava, incrédulo, ela tinha certeza de que ele havia captado tudo. ― Eu sei disso porque espiono você todos esses horários e simplesmente piro quando você passa direto e não vai checar o que costuma verificar e... Droga, você está me deixando louca, Owen! ― Suspirou. ― Não pode simplesmente pegar essa maldita flor e dar seu jeito para que ela viva?

[...]

― Ela vai sobreviver, Doutor?

― Juro em nome de Deus que se você não calar a boca agora eu vou enchê-la de terra!

Belle estava sentada em um banquinho próximo ao canteiro onde o loiro mexia constantemente com as mãos e com os materiais de jardinagem que trouxera de casa. Não parecia estar raivoso com ela ― apenas grosso, nada mais que o habitual ― e Belle suspirou em alívio por isso.

Em pouco tempo, a flor murcha mantinha-se em pé graças ao apoio de alguns gravetos, pois estava mole demais e tombando para frente, a terra adubada abaixo dela estava úmida de modo ideal e tudo parecia estar em ordem.

― Ela vai ficar bem?

― Só o tempo dirá. ― Ele anunciou, tirando as luvas das mãos e jogando-as em um canto atrás de uma pedra. ― Agora, eu tenho medo da resposta, mas perguntarei mesmo assim: ― Aproximou-se dela em passos longos, que agora estava de pé na parede lateral da casa. Belle foi recuando a aproximação, repetindo os passos dele na direção contrária, batendo de costas na parede. Um passo de cada vez, até encurralar-se, os dois braços másculos ao lado de sua cabeça para garantir que não escaparia ― Por que você ficava me observando?

Engoliu em seco. Por que a Fera estúpida tinha de estar tão próxima? Pior, por que no momento ela estava cara a cara com o cara das rosas e não com A Fera?

Pois Owen era igual às rosas: afiado e cheio de espinhos para os indelicados, porém doce e suave para os que se aventuravam a vê-lo melhor.

― Ahn... Hum... Sei lá, achava interessante o modo como você cuidava delas.

― Do que você gostava?

― Eu sei lá, simplesmente curtia, era um passatempo, depois um vício e agora me sinto uma psicopata. ― Remexeu-se desconfortável entre os braços do loiro. ― Quer dizer... Achava legal ver você de um jeito diferente do que estava acostumada. Na escola você era A Fera, imbatível, indestrutível, mas no jardim você era o cara das rosas, parecia simpático, sabe? ― Tentou explicar ― Bem, só parecia mesmo, você é arrogante dos dois jeitos.

― E mesmo assim você veio até o cara arrogante, não veio?― sorriu de canto, mostrando a beleza que ela apreciava nele.

Podia jurar que sua própria saliva a matava silenciosamente naquele instante, travando em sua garganta e criando uma parede anti-respiração.

― Foi uma necessidade.

Como se o cara das rosas quisesse atiçá-la ou quem sabe explodir uma panela de pressão no seu estômago, aproximou o rosto para mais perto do dela, respirando em seu rosto um aroma de cigarro com leves tons de menta. Seus narizes praticamente de tocavam e o frio na barriga ― que antes era um frio medonho na espinha ― se fez presente.

― Foi mesmo, é? ― Indagou como se duvidasse. ― Uma necessidade.

Ah, que se dane tudo. Se a bomba tinha que explodir, que explodisse rápido!

― Sim, sim. Isso também é uma necessidade, então não me encha!

Antes de suas palavras serem processadas com mais racionalidade, Belle puxou o colarinho da camisa azul marinho do loiro, fechando o resto do espaço ainda aberto pelos rostos. Seus lábios colidiram com os dele com força, e ela quase parou para pedir desculpas, mas mudou de ideia quando a mão dele foi até sua nuca e segurou-a. Era agradável, as línguas brincavam umas com as outras e ora ou outra eles sorriam no meio do beijo.

A Fera havia virado o seu cara das rosas bem ali como mágica.

E o gosto do beijo um do outro era bom, pois misturavam-se em harmonia. Separadamente, porém, ambos sabiam que odiariam. Os lábios dela tinham gosto de café puro ― ele odiava ―, os dele de tabaco ― ela odiava.

O quão estranho era a mistura graciosa e bela dos dois?

Não precisava ser imortal, precisa durar a sua finidade necessária.


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Notas finais do capítulo

FIM!
Sim, sim, final péssimo para uma história tão longamente desgastante. Prevejo várias pessoas com o pensamento: "Não acredito que li quase 6.000 palavras de uma história para ganhar um final desses, pera, vou ali me matar", embora duvide mesmo que alguém tenha lido sequer um parágrafo.
Se fosse eu quem estivesse lendo, visse quase 6.000 palavras em um capítulo de uma história desconhecida, eu clicaria naquele xiszinho, então não posso julgar ninguém ;D
E é isso, alguém quer me dar reviews? Melhor, alguém chegou vivo? Se sim, clique na caixinha ali embaixo e escreva um "ESTOU VIVO!"
...Ou não, né? Não posso obrigar ninguém :D
Até!