Selfless and Brave. escrita por comfortablynumb


Capítulo 20
The River




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In the latest midnight hour

When the world has gone to sleep

You gotta get up

When doubts begin to rise

And the world is at your feet

You gotta get up

Reach, it's not as bad as it seems

I cleanse in the river for somebody else

For anyone but myself

– Acordem, iniciandos! - Kira desperta os demais. Pulo da cama e meu corpo se cansa.

Desde a noite passada, a qual enfrentara os medos de Clary, a classificação final me perturba. A iniciação parece ter evoluído de maneira efêmera, e consequentemente, sinto-me incompleto e inapto a lutar como um bom guerreiro audaz.

Entretanto, tento evitar pensamentos pessimistas e desligar-me de tantas preocupações. "Adapte-se", disse Amah. Empecilhos sempre surgirão, e estando na Audácia tenho certa convicção de que conseguirei driblá-los.

– Hoje é o dia de visitas, portanto, agora, seus parentes da facção antiga estão aqui para visitá-los ou jugá-los por terem escolhido a facção dos imprudentes. De qualquer jeito, se quiserem vê-los, direcionem-se ao Fosso.

Decido voltar à cama antes mesmo de Kira terminar seu discurso. Estou ciente de que não haverá ninguém, já que meu pai não é altruísta a ponto de visitar-me. Ainda que estivesse aqui, adquiri repugnância a sua imagem e seria um prazer não encontrá-lo. Cubro minha cabeça com o travesseiro a fim de abafar o som, mas meus pensamentos são interrompidos quando sinto alguém me chamar.

– Quatro? - Maddie diz, o semblante apreensivo.

– Olá, Maddie. O que houve?

– Hoje é o dia de visita e estou muito nervosa.

– Por quê? - indago.

Repentinamente, um flashback invade minha mente. Lembro-me de Joseph confortando Julia durante o salto do trem ao Edifício e o corpo da garota caindo na escuridão. Recordo-me de Maddie aos prantos e só então entendo o motivo.

– Julia.

– Maddie, serei sincero: hoje é um dos dias mais desconfortáveis para mim. Sabes que ninguém virá me visitar, e deslocar-me até o Fosso só me deixará ainda mais desconfortável. Mas eu sou um homem de palavra e disse que lhe ajudaria com isso.

– Não será necessário, Quatro. Eu consigo dar a notícia.

– Não. Eu lhe prometi.

Ela sorri e continuamos em silêncio por alguns segundos. Seu olhar se torna vago e decido não perturbá-la, deixando o silêncio ecoar nossas mentes.

– Obrigada.

Anuo com a cabeça e levanto-me da cama, indo em direção ao Fosso ao lado de Pharrel e Maddie. Tento planejar um discurso eufêmico para os pais de Julia, mas nada parece surtir efeito. Eruditos são inteligentes e conseguem decifrar qualquer figura de linguagem de maneira fugaz, portanto, ser direto poderia ser a melhor maneira de informá-los o falecimento da garota.

– É tão estranho. - Pharrel diz.

– O quê? - questiono.

– Éramos todos eruditos imprudentes indo em direção a uma facção tão imprudente quanto. Mas... estávamos todos vivos. Joseph, Julia, Maddie e eu. Alimentamos um sentimento de autossuficiência e de coragem, presumindo que conseguiríamos sobreviver, mas tudo parece muito errado. Julia está morta e não há nada que possamos fazer. Em adição, sinto que tudo parece tão distante de nós; a Erudição, a iniciação, nossos antigos colegas. Estamos mais próximos do que considerávamos nosso futuro, e confesso que temo a rapidez de como as coisas estão fluindo.

– Estamos crescendo e adquirindo poder de escolha, de vida. Grandes poderes requerem grandes responsabilidades. - respondo.

– Ok, de onde você tirou isso? De algum filme sobre super-heróis?

– Talvez. - sorrio e finalizo a conversa, visto que alcançamos o Fosso.

O dia está chuvoso e as paredes do local, feitas de pedra, estão mais úmidas que o habitual. Vejo um aglomerado de pessoas com diversas vestimentas, e diferentemente de outras ocasiões não há separação entre os integrantes de cada facção. Todos estão numa mixórdia, onde é possível ver um abnegado ao lado de um erudito ou um franco próximo a um integrante da Amizade. As luzes parecem vacilar, mas não se importam, pois estão mais focados em seus filhos ou parentes que se transferiram.

Olho de relance todos os iniciandos transferidos e a reação de suas famílias ao vê-los. Há uma diversidade de atitudes: há pais emocionados, enquanto há outros que emitem descontentamento. Consigo localizar Joseph no meio da multidão abraçando uma mulher de aparência mais velha e cabelos loiros, possivelmente sua vó.

– Bom, minha mãe está ali. - Pharrel apontou. - Vejo vocês mais tarde.

Maddie e eu, então, tentamos localizar os pais de Julia. Estavam ao lado de Pharrel e o semblante deles parecia cansado. Senti uma pontada de tristeza e Maddie abruptamente parara.

– Eu não consigo fazer isso.

– Estou aqui para lhe ajudar. Sei que é difícil, mas não há como fugir.

Ela assente e caminhamos juntos até o casal de eruditos. Quando me aproximo deles, consigo ver as semelhanças entre eles e Julia: apesar de a mãe da garota ser branca, seus traços do rosto são muito parecidos, e a cor fora herdada de seu pai. Olho de relance nos olhos de seu pai, que parece confuso ao não conseguir encontrar sua filha.

– Maddie! - a mãe de Julia vai de encontro à garota, dando um forte abraço nela. - Onde está Julia? Sei que ela nunca foi a mais pontual do grupo, mas acho que desta vez ela está absurdamente atrasada. Ah, provavelmente a Audácia não ressalta a importância da pontualidade... - ela é interrompida por Maddie.

– Na verdade, eles deixam a pontualidade como nossa responsabilidade. Exceto no primeiro dia, que um dos iniciandos dormiu demais e acabou sendo acordado com água fria.

– Onde está nossa filha? - o pai indaga. Observo seu semblante e vejo sua mandíbula contraída. Suas mãos estão cerradas e sua respiração é ofegante.

Repentinamente, o silêncio toma conta da esfera onde estamos inseridos. Maddie desvia o olhar para o chão e os pais adquirem uma expressão preocupada. Limpo a garganta e solto um longo suspiro, tentando abstrair o nervosismo e absorver uma coragem em fusão ao eufemismo.

Sempre mantive as minhas relações interpessoais muito diretas, embora tivesse poucas. Logo, minhas conversas são concisas. Contudo, talvez esta minha virtude seja perigosa quando minhas palavras informam algo que tamanha gravidade.

– Bom... Vocês sabem como é a iniciação da Audácia?

– Sim. Quero dizer, apenas a primeira parte. Os iniciandos sobem nos trilhos enquanto o trem está em movimento. Por quê?

– Bom, vocês estão certos. Fazemos isso e logo depois temos que pular do trem a um edifício abandonado. - continuo.

– Ok, mas qual é o ponto onde você quer chegar com isso, Tobias Eaton? - o pai dela questiona.

– Meu nome é Quatro a partir de agora, por favor. - corrijo-o, mantendo minha rigidez.

Maddie limpa suas lágrimas do rosto e decide encarar o casal.

– Estamos dando toda essa volta para dizer que Julia morreu! - ela exclama, mostrando seu desespero. Suas lágrimas não cessam, embora ela tente contê-las incansavelmente. - Morta! Ela caiu da merda de um precipício e não sobreviveu!

Conforto-a com um abraço e observo o semblante dos pais da ex-iniciando.

– Maddie, nós não estamos brincando. Só queremos saber onde está Julia. - diz a mãe dela.

A garota se solta de mim e parte para cima da mulher. Consigo controlá-la, antes mesmo de ela alcançar a sra. Jones.

– Você acha que eu estou de brincadeira? Por que diabos eu estaria brincando com algo tão sério como a morte da minha melhor amiga? Vocês são estupidamente egoístas ao acharem que eu realmente me preocuparia em elaborar toda uma piada. Estou orgulhosa de sair dessa merda toda. Estou orgulhosa! - ela berra os dois últimos períodos.

Decido afastar-me dos pais junto a Maddie. Arrasto-a em meus braços e decidimos voltar ao quarto. A garota soluça e apoia todo o seu corpo em mim.

– Eu estou tão vulnerável. - ela profere com dificuldade. - Eu pensei que estaria forte ao passar pelo fim da iniciação, mas eu sou só um estúpido desperdício. Minha vida após o fim de toda essa merda de teste será deplorável. Estarei protegendo a cerca, tendo uma vida monótona, enquanto o resto estará aqui, fazendo sabe-se lá o que, mas melhor que eu.

– Não seja tão dramática, querida. - disse Clary, atrás de nós. Por fim, desaceleramos o passo, deixando Maddie ao lado da outra garota. Clary entrelaçou o braço da ex-erudita no seu e estávamos com um emaranhado.

– Sabe do que você precisa? - a nascida na Audácia continuou. - Sorvete, chocolate e lenços de papel.

– Não. A vida não se resume a caprichos. Estou machucada com todos os acontecimentos e isso não vai me curar.

– Maddie, eu compreendo o que você está passando. - ela faz uma pausa, como se estivesse analisando a situação, mas logo depois dá de ombros e prossegue. - Desde quando eu era uma pequena criança, sofri com a pressão de meus pais sobre o que eu iria me tornar quando fizesse 16 anos. Sempre fui ensinada que a Audácia deveria ser a única facção a qual eu pertenceria, e embora meus queridos pais nunca tivessem dito, caso eu mudasse de facção, eu nunca mais os veria. Eles praticamente outorgaram a minha escolha. Durante o meu percurso, fui treinada arduamente até, de fato, tornar-me o que realmente sou. Perdi vários amigos durante a minha estadia e tive que suportar a dor. Sendo assim, consigo entender o quanto dói você sentir-se insuficiente, incapaz de seguir em frente. Mas se eu consegui, por que você não? Você é corajosa e mostrou isso durante as lutas, mas principalmente quando derramou o seu sangue no recipiente de fogo. Continue lutando. Continue sendo corajosa.

+++

– Presumo que todos saibam o porquê de estarem aqui. - Amah diz. - Sem mais delongas, quero parabenizá-los por terem sobrevivido ao final estágio e espero que tenham conseguido uma boa posição, caso tenham se esforçado. Em relação aos cargos que ocuparão segundo o ranking, iremos tratar sobre tais assuntos num período de uma semana. Boa sorte, pirralhos.

Somos surpreendidos com uma grande lousa advinda do teto que é sustentada por duas cordas de náilon. Ela desce lentamente, e quando não há ninguém abaixo dela, ela se solta, quase caindo no chão. Por fim, vê-se a classificação de todos os iniciandos.

1. Quatro

2. Clary

3. Zeke

4. Joseph

5. Eric

6. Pharrel

7. Maddie

8. Lauren

9. Nora

10. Jonathan

11. Zöe

12. Mia

(...)

Dou de ombros aos outros nomes. Uma mistura de alívio, entusiasmo e nervosismo invade a minha mente. Estou paralisado e não sei como agir perante a esta situação.

– Parabéns, Quatro! - Clary me abraça e eu retribuo. - Embora eu preferisse estar em primeiro, tudo bem, posso conviver com a minha derrota.

– Por que comigo você não é assim? - resmunga Joseph.

– Ah, cale a boca. E parabéns, quarto lugar.

Ele revira os olhos.

– Ah, que se dane. Esse ranking nem é tão importante assim. Na verdade, ele só desestimula quem tentou e não conseguiu uma boa posição.

– Poxa, que pena. - ela retribui sarcasticamente.

– Deveríamos comemorar. Nós, Maddie, Pharrel e Zeke. - diz Joseph.

– Claro. Mas antes, gostaria de fazer algo. - digo, e corro em direção ao estúdio de tatuagem.

Ao chegar no local, sou surpreendido com Tori já na entrada. Ela me abraça rapidamente e me parabeniza.

– Como sabe que fiquei em primeiro lugar?

– Bom, eu tenho os meus contatos. E boas notícias: segundo os eruditos, sua simulação fora bem convincente. A dos outros dois também.

Suspiro, aliviado.

– Pensei que seria um homem morto devido à minha colocação. - sorri, dando de ombros.

– Mas o que faz aqui?

– Bom, o que qualquer pessoa faria quando tem a pretensão de fazer uma tatuagem. Ir a um estúdio. - digo e ela franze a testa, surpresa. Por fim, dá um breve sorriso e me direciona à sua cabine.

Diferentemente da última vez que estive neste local quando fora obrigado a fazer uma tatuagem das chamas da Audácia, sinto-me forte. Sinto-me audacioso e satisfeito por perceber que não há lugar algum a qual eu me encaixe sequer esse.

– Qual é a tatuagem que você gostaria de ter?

– Gostaria de várias tatuagens localizadas abaixo das chamas da Audácia. O símbolo da Abnegação. O símbolo da Franqueza. O símbolo da Amizade. O símbolo da Erudição.

Ela permanece em silêncio, embora esteja sorrindo. Deito-me na maca, enquanto ela conecta os eletrodos que farão as tatuagens.

Fecho os meus olhos e permaneço inerte em meus pensamentos, que desta vez, são nítidos e organizados. Neste momento, consigo ver o Quatro sem as vestimentas da Abnegação e da Audácia. Vejo-me com vestimentas que não caracterizam nenhuma facção. Logo, uma questão invade os meus sentidos: seria possível vivermos numa sociedade a qual as pessoas não são divididas de acordo com suas virtudes? Seria possível vivermos em paz, onde cada um respeitasse as diversas características dos indivíduos, sem rotularmos pessoas por suas roupas ou suas maneiras de agirem? Seria possível sermos corajosos, altruístas, verdadeiros, amigos e inteligentes concomitantemente? Todos esses pensamentos parecem utópicos, mas eu não me importo. Quero ser audacioso, abnegado, franco, amigável e erudito. Posso ser.

Após estes pensamentos esvaírem minha mente, uma única imagem permanece fixa: a Cerimônia de Escolha e os vasos preenchidos com os elementos que caracterizavam cada facção. Cada gota de sangue derramada em cada recipiente constitui apenas uma parcela do que realmente somos; sou mais que aquilo.

Sou divergente.

+++

Caminhando pelas ruas de Chicago, localizo Joseph, Clary, Zeke, Pharrel e Maddie em conjunto. Corro em sua direção e sinto a leve brisa contra o meu rosto, proporcionando uma sensação de conforto.

– E aí, número um! - cumprimenta Zeke, me dando um tapinha nas costas.

– Número Quatro. - corrijo-o, sorrindo. - Mas até que posso aguentar ser chamado de número um, é revitalizante.

– Fico mais aliviado que você tenha conseguido ficar em primeiro lugar no ranking da Audácia. Porque no da Erudição, sempre era Maddie. - Pharrel revira os olhos.

– Querido, o que eu posso fazer se eu sou mais inteligente que todos?

Ele ignora o comentário e continuamos seguindo em frente. Tenho a leve impressão de que estamos andando sem rumo, até quebrar o silêncio, perguntando onde estamos indo.

– A minha primeira ideia foi de irmos à tirolesa, mas segundo Clary, existe um maricas entre nós que tem medo de altura. - Zeke diz. Lanço à garota um olhar de repreensão, e ela arqueia as sobrancelhas.

– A culpa não é minha! Fiz isso pelo seu bem.

– Na verdade, ela não tinha revelado quem era o maricas, mas agora tudo parece mais claro. - Zeke diz com desdém e continua. - Então, tenho uma ideia melhor: vocês conhecem o ferro-velho daqui?

– Não. - todos respondem, quase uníssono.

– Bom, há um ferro-velho atrás do Edifício Hancock e é para lá que nós vamos.

– Nossa, que comemoração interessante. Estaremos indo a um lugar cheio de porcarias usadas. O que vai rolar lá? Uma rave ou algo assim? - Clary indaga, bufando.

– Calma, gatinha. Estaremos indo para lá porque há carros em perfeitas condições, que simplesmente foram abandonados sabe se lá o porquê. Usaremos um daqueles para realizarmos a segunda etapa da nossa comemoração.

– Como assim?

– Saberão quando chegarem lá. Vão para lá ou vão ficar parados?

Nos entreolhamos, e numa fração de segundos, todos estão correndo.

Entre risadas e respirações ofegantes, sinto-me esdruxulamente bem. O cansaço que acompanhava-me no início das corridas rotineiras da facção agora já não faz parte de mim. Sinto-me cada vez mais disposto, e a sensação de correr me faz sentir liberto.

Após alguns minutos correndo, chegamos ao nosso destino. O ferro-velho se localizava atrás do Hancock e ao lado de uma espécie de ponte, que conecta o complexo da Audácia ao da Franqueza. O local era bem iluminado, embora abandonado, o que ofuscava a luz das estrelas e da lua minguante que se anunciava.

– Sigam-me. - disse Zeke. Obedecemo-no, e seguimos em direção ao final do local, onde havia uma picape vermelha relativamente grande e a pintura desgastada.

– Nós vamos dirigir isso? - Pharrel pergunta.

– Eu vou dirigir isso. - ele responde. Alguém pode ir na frente comigo, enquanto o resto se acomoda lá atrás.

– Eu posso ir. - sugere Maddie. - Mas, por que diabos estaremos dirigindo uma picape?

– Ok. Puxei vocês até aqui porque queria que me ajudassem com o meu plano contra a Erudição. Como vocês sabem, eles mataram uma amiga nossa, e como eu só sou um estúpido adolescente que acabara de passar na iniciação, não posso derrubar o sistema sozinho e nem com vocês. Mas não quero deixar a morte dela para trás, como se nada tivesse acontecido. Vamos nos vingar... com spray aerossol, armas que deixam pessoas inconscientes por alguns minutos e... mensagens.

– Como é que é? De onde você tirou essa ideia? - Maddie pergunta, perplexa.

– É algo arquitetado por mim há alguns dias. Tanto que fiz a mochila de cada um de vocês. Na verdade, há uma extra, caso mais alguém quisesse aparecer.

– Isso é completamente... genial! Eu estou dentro, é claro.

– Ok, mas e em relação às câmeras? Seríamos pegos. -indaga Pharrel.

– Meu aprendiz, Uriah, está cuidando disso. Quando houver um blackout em Chicago, já sabem que é a hora de agir. - ele sorri.

Após alguns segundos de silêncio, todos assentem e se alojam em seus respectivos lugares. Clary, Joseph, Pharrel e eu nos acomodamos na traseira da picape, enquanto Maddie e Zeke entram no assento de carona e motorista, respectivamente. O motor faz um barulho peculiar, mas por fim, o carro se movimenta, e saímos daquele emaranhado de lixo.

Encosto-me na parte de trás do carro e olho para o céu. Contemplo por alguns segundos a constelação e a lua. Ainda com os olhos centrados naquela vista, digo:

– Eu nunca pensei que estaria aqui, numa picape, indo em direção à Erudição para conseguir realizar minha sonhada vingança.

– Bom, muito menos eu. Era a minha casa e agora... eu vou pichá-la. Sinto-me um pouco patético por isso, mas, quer saber? Foda-se.

Carpe diem. – diz Joseph.

– Carpe noctem. – retruca Clary.

– Ambos estão corretos. - digo.

– Ah, abstraia. Sempre estão discutindo sobre algo, mas agora estão mais suportáveis. Teve sorte de não ter aguentado o drama adolescente antes de realmente ter rolado o primeiro beijo.

Todos nós rimos, de fato abstraindo. Decidimos permanecer em silêncio, enquanto contemplávamos as luzes da cidade, a luz das estrelas e a lua, que refletia sua luz no centro da traseira da picape. Paz seria a melhor palavra que descreveria o que sentia.

– Chegamos, muchachos! - Zeke exclamou, embora todos soubessem que estávamos no complexo da Erudição.

Saímos do carro e recompusemo-nos, agora equipados com nossas mochilas. Após alguns minutos esperando o apagão da cidade, ouve-se um estrondo. De repente, a escuridão é a única coisa que preenche o local. Ligamos nossas lanternas e, por fim, nos separamos em grupos de três. Eu, Pharrel e Maddie invadiremos a parte de trás do complexo da Erudição.

– Ei, estão com as armas na mão? - indaga Maddie.

– Sim. - Pharrel e eu respondemos.

– Eu vou na frente, enquanto você, Quatro, fica no meio, ok?

– Tudo bem.

Em passos quase silenciosos, adentramos às adjacências do complexo. De longe, conseguíamos ver alguns soldados guiados pela lanterna dando de ombros, como se nada tivesse acontecido.

– Babacas. - Maddie diz e empunha sua arma. - No três, começamos a atirar. Um... Dois... Três!

Começamos a disparar em direção aos soldados que protegiam o complexo da Erudição de maneira quase implacável. Como fora um movimento onde o adversário não estava preparado, a vitória era iminente. Ouço mais disparos, mas percebo que estão longes demais para serem nossos: Clary, Joseph e Zeke fizeram o mesmo.

– Peguem o spray e que os jogos comecem! - Pharrel sussurra.

Em alguns segundos, estávamos pichando o complexo da Erudição. Ouve-se um murmúrio do subterrâneo, onde supostamente estariam os iniciandos, o que faz com que nos apressemos ainda mais.

Uso o spray aerossol e faço o símbolo da Erudição com os olhos estrábicos e escrevo "Game over, Jeanine". Quando estou prestes a continuar minha arte abstrata, somos surpreendidos por mais soldados. A luz volta, e sem hesitar, corremos na direção oposta.

Eles disparam contra nós, e consigo enxergar uma bala ao meu lado. Desvio-me e continuo a correr. Maddie e Pharrel fazem o mesmo.

Após contornarmos várias ruas, encontramo-nos com os três outros iniciandos correndo em direção ao rio. Fazemos o mesmo, embora eles sejam surpreendidos por vários soldados à sua frente. Corremos até alcançarmo-nos.

Os soldados não percebem que estão cercados, portanto, continuo com a minha respiração regular e entreolho Maddie e Pharrel. Sinalizo com a mão a hora de disparar, e assim fazemos. Os quatro soldados caem no chão, inconscientes.

– That's all, folks. - diz Pharrel, sorrindo.

Todos nós jogamos nossas mochilas no rio.

– O que vocês escreveram no complexo da Erudição? - pergunto, curioso.

– Fiz um desenho simplificado de um soldado matando a Jeanine. - diz Joseph.

– Eu escrevi um palavrão. Típico. - Clary responde.

– Escrevi "Jeanine é divergente" na extremidade superior do complexo. - Zeke retrucou.

– Eu e Pharrel escrevemos barbaridades com a assinatura de Eric. - Maddie gargalha.

Por fim, voltamos à picape lado a lado e continuamos a vaguear Chicago. Haveria um longo percurso a se caminhar para chegarmos até o último local a ser explorado, mas isso não importava. Agora, não somos apenas adolescentes imprudentes em busca do que somos de verdade. Temos um nome. Temos uma marca.

Somos mais que audaciosos. Somos divergentes.


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