1001 Contos de Hetalia escrita por kaori-senpai


Capítulo 1
Não sem meu filho


Notas iniciais do capítulo

Esta one-shot foi feita para o 2º evento de desafios para o blog desafiosparaficsdehetalia.tumblr.com com o tema: futuro não-apocalíptico. Também foi um presente para a organizadora do evento, Mayumi Sato, que pediu aos participantes que colocassem Mpreg ~

Boa leitura o/



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Sinopse: Roderich é um jovem humano que foi escolhido para ser a “Eva” da nova raça do sistema solar. Sabendo muito pouco sobre a pesquisa – e sobre os Incras – ele é facilmente manipulado durante todo o processo até que descobre absurdos e atrocidades por trás do discurso dos cientistas. Agora o austríaco terá que lutar para retornar a Terra com seu filho e escapar de uma raça superdesenvolvida e vingativa.

Eram os últimos dias de elépago, a odiosa estação do ano mais marcante em Marte. Roderich já estava farto da incessante chuva de raios que já durava três meses e o impedia de ter uma boa noite de sono. Por sorte seu filho não nasceria em uma época tão sombria quanto aquela e estando no planeta vermelho se tratava de um quase milagre o garoto nascer em uma época livre de desastres naturais. A lucidade é o único momento do ano em que os animais peçonhentos se escondem em suas tocas, dando espaço para as flores e os mamíferos terem um pouco de liberdade naquele inferno.

Roderich estava às vésperas do nascimento do seu primeiro filho e não via a hora de voltar para sua querida Terra depois daqueles longos meses fora. Claro que ele tinha ciência do tempo que passaria longe de casa e dos riscos que corria ao viajar para aquele lugar, mas não era qualquer um que podia negar um pedido dos incras. Foi uma surpresa quando soube que ele era o único em três planetas que tinha o material genético perfeito para hospedar o suprassumo da “raça mais poderosa que o universo já conheceu”.

Logo nos primeiros dias o terráqueo enfrentou uma bateria de exames para saber se estava tudo na mais perfeita ordem e o implante de um útero artificial. Após passar por tudo isso, acreditava que receberia um óvulo fertilizado, daria luz a uma criança e poderia voltar para casa. Só que estava terrivelmente enganado. Pelo que lhe foi explicado, ainda não era possível colocar óvulos fertilizados por um canal que não fosse a vagina, logo todo o processo para gerar o bebê teria que ser feito naturalmente. Dessa forma, nosso pobre humano foi obrigado a conhecer Gilbert, o espécime perfeito dos incras. Até o dia em que se encontraram, Roderich só sabia que o reprodutor tinha sido gerado no laboratório e passado sua vida toda ali, além, é claro, de possuir o mais puro DNA Incra. No entanto, a pessoa que conheceu não condizia com o que todos diziam. Egocêntrico, orgulhoso e infantil. Isso dizia muito sobre a personalidade do extraterrestre.

Não que Roderich tivesse muitas opções, mas passou os primeiros dois meses evitando que o momento tão esperado acontecesse e ninguém que ousasse reclamar, afinal estavam falando de uma coisa íntima! Não que ele esperasse passar a vida inteira brincando de casinha com aquele louco, só não queria fazer “aquilo” sem ter intimidade para tal. Mas depois de uma longa conversa com o diretor do laboratório isso foi resolvido antes que as luas mudassem de lado. Dessa forma, o austríaco finalmente achou que se veria livre da cobrança e da irritante insistência de Gilbert, que se tornava cada vez mais inconveniente, mas novamente estava errado. O incra ia toda semana vê-lo para conversarem – mesmo que o moreno não tivesse o mínimo gosto pelos encontros. A única coisa que realmente lhe fez feliz foi o dia em que entrou em seu dormitório e viu um belo piano ocupando um bom espaço do recinto.

- Gilbert?! Mas como…?!

- Não fique surpreso, Rod! O incrível eu conseguiu trazer seu instrumento primitivo para esse quarto! Não foi legal da minha parte?

- Não o chame de primitivo, seu ignorante! Mas por que fez isso?

- Bom, é uma ótima pergunta, já que você nunca reclama do tédio e da saudade que sente do seu precioso violão.

- É “piano”! Eles não possuem semelhanças! Como consegue confundi-los?!

- Bah, esquece! Vamos, quero ver como se toca essa coisa estranha.

Mesmo estando de mau-humor, Roderich não podia ignorar o fato de estar há quase seis meses longe de seu instrumento favorito, então, o tocou, mas não pelo pedido do marciano bem longe disso. Apenas o fez pela sua vontade. Após essa data, o humano não pôde mais reclamar de tédio e passou a ver o incra com outros olhos, ainda não gostava dele, mas suportava sua presença. E foi suportando que as visitas semanais ficaram cada vez mais longas e – na medida do possível – prazerosas.

Gilbert era alguém com muitos defeitos em sua personalidade, no entanto, conseguia ser perfeito em todo o resto. Seu QI era altíssimo e aprendia as músicas mais difíceis que Roderich conhecia apenas vendo-o tocar uma única vez. Sua força era incomparável mesmo com os da sua raça assim como sua velocidade. Além disso, seus olhos – ponto tão valorizado na raça – eram como dois belos rubis que mesmo no mais completo escuro se faziam visíveis. Era uma visão que misturava o belo com o profano, mas que fascinava o austríaco. Cabelos brancos e olhos vermelhos, assim como o primeiro incra que se tem notícia. Uma raridade sem tamanho. No fundo, Roderich estava ansioso para ver se seu filho nasceria com aquelas características que julgava serem tão singulares e perfeitas.

Como em todas as outras vezes, Roderich simplesmente tocava para Gilbert quase adormecido na cama, a diferença era que sua barriga estava bem maior do que a primeira vez que aquela cena aconteceu. Quando terminou a música, sentiu um forte chute do seu pequeno monstro o fazendo cair para frente sobre o piano e produzir um barulho que fez o de cabelos brancos acordar.

- Rod?! O que aconteceu? Está doendo? – Disse dando um pulo para ajudar o mais novo a se reerguer.

- Foi só um chute. Acho que ele não gosta quando paro de tocar.

- Kesesese! Você deu um belo chute de direita, moleque! Quase fez a mamãe desmaiar, só tome cuidado da próxima!

-Não me trate como “mamãe”! Eu sou tão homem quanto você!

- Não se estressa, Rod. Foi só uma brincadeira.

- Você sabe que não me agrada essas suas brincadeiras! Guarde-as para si!

Gilbert fez bico e se calou. Roderich já era naturalmente irritado e não poderia continuar a vê-lo se piorasse sua condição, mesmo que adorasse implicar com aquele humano. O motivo para aquelas visitas acontecerem não era claro nem mesmo para o de olhos vermelhos. Dizia para si e para todos que perguntavam que queria que seu filho soubesse o que é ter uma família, já que ele mesmo não teve essa chance, mas no fundo sabia que não era só aquilo que lhe levava até aquele quarto toda semana. Era raro o incra se apegar a alguém como estava se apegando a Roderich e a criança que estava por vir, mas Gilbert estava adorando aquela sensação.

- Rod, próxima semana você faz oito meses, né?

- Precisamente. Fico feliz que se lembre dessas coisas.

- É claro que me lembro! O incrível eu jamais se esquece de datas importantes!

- Fico grato pela consideração.

- E ai? Já pensou em um nome para ele?

Os olhos violetas do humano adquiriram um toque de surpresa e fitaram o de cabelos brancos com um misto de curiosidade e confusão. Se não estava enganado, em nenhum momento sequer lhe foi indagado se desejava a gravidez imagine só, então, o nome que queria dar a um bebê de laboratório!

- Eu não sabia que eu escolheria o nome dele...

- Bom… Tecnicamente você realmente não tem esse direito, mas ninguém vai reclamar se chamá-lo de alguma coisa, né?

-Talvez esteja certo… - Roderich alisava sua barriga e seu pensamento voou para longe dali por alguns instantes. Só voltou com o movimento que seu bebê fazia ao acomodar-se em seu ventre. – Ainda não pensei em um nome para ele…

- Eu já pensei! Vai ser Balder! – Gritou Gilbert levantando ao fazê-lo, por certo esperando o reconhecimento por uma sugestão tão boa. O que obviamente não aconteceu. – É um nome incrível, não acha?

- Que tipo de nome é esse? Marciano?

- Não seja ignorante, Rod! Eu fui pesquisar nomes da Terra e esse foi o melhor.

- Eu não o conheço e não gostei. O meu filho não terá esse nome.

- Mas Rod! – A sua menção de discordar foi interrompida quando o mais novo levantou a mão.

- Sem “mas”, Gilbert. Se eu for escolher algum nome, será algo muito mais refinado.

O de olhos vermelhos fechou a cara de novo e ficou vendo o austríaco se preparar para o banho. Não pensou muito quando – sem mais nem menos – abraçou o moreno por trás e tocou na sua gigante barriga de quase oito meses. Essa aproximação assustou o humano que tentou se afastar, mas Gilbert lhe segurava delicadamente forte. A única coisa que ainda conseguiu fazer foi pôr sua mão por cima das dele. Gilbert alisava a barriga do humano gentilmente e lhe enviava olhares carinhosos, podia-se ver o quanto queria conhecer o pequeno.

- O Balder está calmo. Deve estar gostando do carinho. – Sussurrou Gilbert no ouvido de Roderich que ficou completamente vermelho. – Que carinha sexy, mamãe…

- G-Gilbert! Não devemos…

- “Não devemos”? Então você quer, Rod? – O incra começou a levantar a blusa do mais novo e beijar o alvo pescoço que este possuía. – Qual o problema? Já fizemos isso antes.

- Foi diferente… Aquilo foi para a experiência! – Disse Roderich que ainda fingia estar tentando fugir das caricias.

- O Balder estava com três meses. O incrível eu está com saudade de você… Vamos fazer de novo?

Antes que o austríaco pudesse pensar ou agir a porta se abriu revelando um guarda nada feliz. O casal automaticamente se distanciou e esperou para ouvir o que o intruso tinha a dizer.

- Senhor Gilbert, terá que se retirar. Siga-me, por favor.

- Por quê?!

- Sua presença ameaça a segurança do projeto, por favor, siga-me.

- Como é?! Eu estou fazendo o que?! Cala a boca e saia daqui, o incrível eu não vai mais te ouvir!

- São as ordens do diretor do hospital.

Ao ouvir aquela frase, Gilbert perdeu sua pose e finalmente saiu com o guarda, não sem antes olhar para Roderich como se pedisse desculpas. Era incompreensível o que o diretor causava em Gilbert, mesmo que ele fosse severo e de poucas palavras, não fazia mal a ninguém, mas ainda assim era o único que botava medo no albino. Roderich sentou na cama para se recuperar do choque inicial e pensar sobre o ocorrido. Certo, eles já tinham feito aquilo casualmente fora dos objetivos da experiência, mas não era para se tornar um hábito, aliás, após o ocorrido eles sequer falaram no assunto. Roderich não queria gostar de estar ali preso como um rato de laboratório, não queria se apegar muito a criança que tinha no ventre, mas, principalmente, não queria se apaixonar por Gilbert. Essa última era uma lei absoluta para o austríaco, mas a insistência do incra fazia-o duvidar de suas certezas.

Nesse momento, uma chuva de raios começou fazendo as luzes vacilarem e acordando o moreno para suas responsabilidades. Tinha que tomar banho, fazer o pré-natal, tomar o lanche da tarde e ingerir uma quantidade absurda de suplementos. Sim, pois um bebê incra exige muito de sua mãe e como humano, Roderich não dava conta de suprir os nutrientes que seu filho precisava. Ao sair do quarto, o austríaco se deparou com Antonio – cientista e melhor amigo de Gilbert – lhe esperando ao lado da porta. Antonio era incra, mas obviamente o DNA perfeito da raça já tinha se diluído, então ao contrário do amigo que possuía cabelos e pele alva, possuía ambos num tom escuro, apenas os olhos eram os mesmos. O vermelho rubi tão característico deles.

- Roderich, precisamos conversar… - Disse em um tom de lamentação enquanto acompanhava o humano em suas obrigações. – A partir de hoje te levarão para outra área do laboratório e Gilbert não poderá mais lhe ver. – Ao ver a revolta estampada no rosto do mais novo tratou logo de se adiantar: - Veja bem, Roderich, você sabe que o momento do bebê nascer está chegando e ninguém sabe o que pode acontecer, então precisamos te monitorar mais de perto. Crianças híbridas são muito estáveis, entende?

- Ora, se é tão difícil um humano gerar um incra, por que vocês me escolheram?! E qual o problema de Gilbert me visitar?! Eu não tenho distração nenhuma nesse lugar!

- Calma, por favor… Olha, já tentamos com os da nossa raça, mas não deu certo, o DNA deles se misturava muito com o do Gil e as crianças nasciam com defeitos. Então, como evoluímos dos humanos, pensamos que não teria tanto problema e o DNA incra seria o dominante. E… - Antonio fez uma pausa para pensar em uma resposta convincente para a segunda pergunta, mesmo que isso fosse quase impossível. – Roderich, se o Gil se afeiçoar muito a você e o bebê, ele vai atrapalhar quando a hora chegar. Não vai te deixar ir embora, vai sofrer se a criança vier com deformações… Acredite, estamos tentando proteger vocês.

Era um bom argumento e após ouvir a explicação, Roderich não teve muito que contestar para finalmente obedecer ao pedido de Antonio. A área nova em que se alojou era muito menos aconchegante do que a primeira e uma das coisas que incomodou o humano foi a ausência do berço e do piano. Mas Antonio conseguiu novamente convencê-lo das boas intenções do laboratório. A partir desse dia o tempo que passava fazendo exames e se preparando para o parto aumentou consideravelmente e as poucas vezes que estava livre disso, ia conversar ou com Antonio ou com Ludwig, o irmão de Gilbert – também feito no laboratório, mas com alguns defeitos. Foi com este último que soube de muitos dos antigos projetos feitos pelo laboratório.

Ludwig foi um erro que deu muito certo e vivia completamente isolado do mundo em uma bolha. Apesar de sua condição incomum, era um jovem amigável, apesar de ser bastante sério e autoritário. Ele nutria muito carinho pelo seu irmão, na mesma proporção que tinha raiva de toda aquela pesquisa. Seu código genético era praticamente idêntico ao do seu irmão, no entanto, possuía uma deficiência no sistema imunológico que fazia qualquer contato com o exterior se tornar nocivo.

Assim, o tempo foi passando e a estação de elépago finalmente deu espaço a lucidade, trazendo um pouco de esperança para Roderich. Sem perceber, tinha começado a chamar o bebê de Balder e esse nome nem lhe soava mais tão estranho. Ao completar oito meses e meio, o peso de sua barriga o impedia de andar, mas Antonio – sempre gentil – o levava todos os dias na cadeira de rodas para ver as famosas flores de Marte, as quais eram conhecidas pela sua beleza peculiar. Antonio era um moreno muito simpático que possuía sempre um sorriso sincero no rosto, essa característica lembrava muito Gilbert, talvez por isso o humano se sentisse tão a vontade ao seu lado. Foi assim, despretensiosamente, que outro incra conseguiu conquistar a amizade de Roderich.

Ao perguntar sobre a vida e o trabalho de Antonio, descobriu que ele era fascinado pela Terra e tudo que lá existia, principalmente os humanos. Tinha até morado um tempo por lá e estava naquela pesquisa por conta dos seus conhecimentos sobre os humanos – graças a ele Roderich era tratado com respeito, pois a maioria dos incras não considera a raça humana civilizada. Ele tinha um filho que morava na Terra e a criança tinha dois anos terráqueos. Roderich viu uma foto, era um menino loiro de olhos incrivelmente vermelhos, apesar da criança não olhar para a câmera. O austríaco ficou cismado com a falta de semelhança que o menino tinha com Antonio, mas bem, certamente deveria ter puxado a mãe.

- Ei, Roderich, amanhã é o grande dia! – Disse Antonio em um dos passeios matinais pelo campo ao lado do hospital. – Está nervoso?

- Na verdade não. Vai ser cesariana, certo?

- Uhum.

Eles continuaram a andar em silêncio até chegarem a sombra de uma grande flor, onde puderam apreciar a paisagem. Roderich estava tentando tomar coragem para tocar em um assunto havia muito tempo e em poucas horas perderia o sentido. Tinha que ser ali.

- Eu queria falar com Gilbert antes da hora. – Encarou o chão na esperança de sua coloração vermelha passar despercebida.

- Você sabe que não será possível. O diretor disse que não deveriam voltar a se ver, achei que você tinha entendido…

- Eu entendi! Mas não acho justo excluí-lo dessa forma! Afinal, ele é ou não pai da criança?!

- Sim, mas… Não era pra vocês serem uma família. Roderich, olhe para mim. – Antonio se pôs de frente a cadeira segurando o rosto do humano. – Amanhã, você dará a luz a um lindo menininho, irá se recuperar da cirurgia e vai voltar para sua casa. Seu filho será glorificado por Marte inteira e você e Gilbert serão eternizados nos livros. Uma família feliz vivendo junta não entra nessa história.

Roderich continuava olhando para os olhos vermelhos e afastou Antonio quando lhe veio um leve desejo de chorar. Por certo era a gravidez que lhe deixava mais sensível. Antonio estava apenas falando a verdade, mas não iria aceitar tão fácil. Queria falar com Gilbert e isso não significava que iriam criar Balder juntos, apenas queria uma despedida já que provavelmente seria a última vez que se veriam.

- Por favor, Antonio. Sei que não estou pedindo algo impossível. Só queria vê-lo antes de amanhã… Analise as circunstâncias.

O incra estava sem saída. Não queria ver Roderich triste, mas não desejava contrariar o diretor. No entanto o humano estava fazendo uma cara de choro e sabe-se lá deus o quanto Antonio odiava ver humanos chorando.

- Certo, certo! Mas ninguém pode saber disso! Nem o Ludwig!

- Fico extremamente grato.

Antonio deixou Roderich na sombra da flor e foi chamar Gilbert ciente de que se fosse descoberto correria sérios riscos de perder o emprego. Mas Gilbert era seu melhor amigo e o extraterrestre sabia que ele também estava sofrendo com a distância. Mesmo que nenhum percebesse, ambos já estavam perdidamente apaixonados um pelo outro e isso fazia um encontro se tornar ainda mais perigoso. Quanto mais Antonio pensava naquilo, mais cenas da última vez voltavam e lhe traziam um mau presságio. Quando avisou a Gilbert ele foi o mais rápido que pôde sem levantar suspeitas ao local indicado, tinha muitas saudades de Roderich, mas não era só pela saudade que precisava vê-lo.

Quando o viu de longe, sentado naquela cadeira de rodas e com um terno sorriso nos lábios, sentiu um peso enorme sair de seus ombros e foi correndo em direção ao humano. Ao abraçá-lo, teve que se conter ao máximo para não quebrar todos os frágeis ossos do moreno e bater na barriga, mas também não economizou na duração do abraço.

- Gilbert, solte-me agora! Como poderemos conversar, seu tolo?

- Rod, o incrível eu estava preocupado! Ninguém dizia nada sobre você! Não é nem um pouco incrível fazer isso comigo, sabia?

- Está dizendo que é minha culpa? Pois os da sua laia não me deixavam sozinho um só momento e mesmo que o fizessem, mal posso andar com isso dentro de mim!

- Kesesese! O Balder cresceu mesmo! Está enorme! – Gilbert ficou ajoelhado em frente a cadeira alisando a imensa barriga de Roderich. – Ainda chuta?

- Não, acho que ele não tem mais espaço para se mexer… Sorte que amanhã ele não passará mais por isso. – Gilbert enviou um olhar triste para o moreno que entendeu a mensagem. – O que foi?

- Rod… E se o Balder não for perfeito, o que você vai fazer? – Essa questão causou um pequeno estranhamento em Roderich. Ele sequer tinha pensado no que faria caso isso ocorresse, mas essa não era a pergunta que deveria ser feita.

- O que eles vão fazer?

- Eu… Não sei. Eles podem matá-lo, dissecá-lo, colocá-lo num museu ou… - Gilbert respirou fundo e prosseguiu – Rod, eu não quero isso pro nosso filho.

- Eu… eu… Também não. Mas… Como pode dizer uma coisa dessas? Eles são realmente capazes de fazer isso?

O incra levantou e começou a andar em círculos pensando como poderia explicar de forma menos trágica como se isso fosse possível. Parou de costas para o humano para não ver qual seria sua reação e começou a falar.

- Eu fui o único experimento que deu certo e não estou falando que o único erro foi o Lud, fizeram isso várias vezes e todas deram errado. Ou os bebês nasciam deformados ou nasciam mortos. Para abafar o caso, eles matavam a mãe e diziam que ela não teve forças para gerar o incra perfeito, acho que o Lud só escapou porque ele é perfeito por fora e quando descobriram a doença, eu já estava muito apegado a ele. – Gilbert fez uma longa pausa nessa altura da explicação. Não era fácil contar aqui, lembrar-se de tudo que passou e para piorar estava contando para Roderich! – Quando eles aceitaram que não tinha mais jeito de conseguir outro igual a mim eu já tinha quinze anos e já estava de saco cheio de experimentos fracassados. Então pensaram em reprodução tradicional e trouxeram várias garotas incras e nenhuma deu certo. Foi ai que trouxeram o Antonio, pirralho metido a cientista e que sabia absolutamente tudo sobre humanos. Ai foram mais anos de pesquisa e mais testes dando errado. Você é o segundo humano que eles pegaram e…

- O que houve com o primeiro?!

- Eu não sei. Depois do parto não vi nenhum dos dois.

- Como não sabe?! Gilbert, o que estão fazendo é crime! Não sei se vocês incras garantem direitos básicos para os seus, mas na Terra nós temos os direitos humanos que…

- Não estamos na Terra. – Gilbert virou para ver o estado do moreno e não poderia estar pior. Seu mundo tinha caído com a realidade. O rosto do de olhos vermelhos estava sério como nunca, mas na verdade estava se segurando para não se desesperar tanto quanto o austríaco. – Não podem interferir aqui.

- M-mas… O que eu vou fazer agora?

- Se tudo der certo, você vai voltar para casa depois da recuperação e o Balder fica.

Roderich só conseguia fitar sua barriga – a qual tinha o tamanho de uma melancia superdesenvolvida – e pensar em um garotinho crescendo sem ter uma demonstração de carinho, apenas ouvindo o quanto era perfeito sem jamais ter alguém para lhe amparar, sozinho naquele laboratório e preso como um rato. De forma alguma. Não deixaria seu filho crescer naquele lugar horrível.

- Eu… Não vou deixá-lo aqui. – Disse baixinho como se falasse com a criança.

- Rod?

- Eu não vou deixar o meu filho neste lugar terrível! Gilbert, eu te conheço e sei que você é a pessoa mais egocêntrica e irritante do universo, mas não ouse aceitar que seu filho seja igual a você! Não posso deixar isso acontecer! O Balder vai voltar comigo!

- Isso é impossível, Rod! Se pudesse, o incrível eu jura que faria isso, mas… O Balder tem que ficar em Marte.

- Não vai ficar em Marte! Eu não permitirei isso! Chame o Antonio! Suma da minha frente, seu imprestável!

O de olhos vermelhos ainda pensou em revidar, mas ao ver a cara fechada do mais novo desistiu de argumentar e apenas foi chamar Antonio como lhe tinha sido solicitado. Não sabia se aquela seria a última vez que veria o humano, mas certamente não queria que a conversa tomasse aquele rumo. A passos lentos encontrou o amigo e o mandou buscar Roderich, afinal, de nada adiantaria explicar alguma coisa e se alguém tinha que falar aquilo, era o próprio Roderich. O pobre Antonio ficou completamente desorientado quando chegou perto do humano e ouviu uma série de gritos sem sentido. Depois de gritar o mais alto que conseguiu, Roderich se permitiu chorar na frente do amigo e este – ainda sem entender o ocorrido – se viu na obrigação de consolá-lo. Mais raro que adquirir a simpatia do moreno, somente vê-lo derramar lágrimas, logo, Antonio estava batendo todos os recordes em conseguir tudo isso em menos de um mês.

- Roderich, o que houve? Fala de novo porque eu não entendi nada. – Disse o incra colocando a mão no ombro do mais novo. – Foi alguma coisa da conversa com o Gil?

- Antonio! Por favor, me diga que fará de tudo para esse bebê viver!

- C-como assim? Do que está falando?

- De todas as pessoas que vocês mataram por causa dessa pesquisa sem sentido! Jure que não vai deixar nada de mal acontecer a ele!

- Eu… Eu… - Antonio tremeu ao lembrar-se da última vez que um humano tinha lhe pedido uma coisa daquela. Não tinha como negar aquele pedido. – Eu juro.

As lágrimas não paravam de descer e ali mesmo eles selaram o acordo. Antonio não concordou em levar o garoto para Terra caso ele fosse perfeito, mas estava disposto a poupar a vida do pequeno se ele tivesse alguma deficiência. As regras eram duras, mas Roderich aceitou se martirizando por desejar tanto que sua criança nascesse incapacitada. A genuinidade do plano estava em sua simplicidade, mas qualquer erro poderia causar a morte dos envolvidos. Roderich deveria pegar seu bebê na décima quinta noite e seguir sem ninguém os ver até o jardim e só parar quando chegar até o muro onde Antonio estaria lhe esperando. Depois disso eles entrariam no carro do incra e o mesmo deixaria Roderich e Balder já no primeiro ônibus de volta para Terra. Arriscado, simples e prático.

O humano não quis admitir nem para si mesmo, porém a pior parte foi se dar conta que não poderia contar a Gilbert e muito menos vê-lo de novo. Mas não havia outra forma daquilo dar certo. Voltando para o laboratório, o terráqueo foi fazer o último ultrassom antes do grande momento e aparentemente o feto era saudável, além de ter cabelos grisalhos nascendo em sua cabecinha. Todos vibraram ao ouvir as palavras da médica, exceto Roderich, que sentiu um calafrio percorrer todo seu corpo e uma leve vontade de chorar, mas soube segurá-la.

No dia seguinte, o austríaco acordou as oito horas e foi em jejum para a mesa de cirurgia onde podia ver centenas de pessoas pelas janelas, todas loucas para ver o nascimento do ser perfeito. Roderich fechou os olhos para não ver todos aqueles estudantes, cientistas e curiosos que esfregavam a cara contra o vidro para vê-lo chegando de cadeira de rodas. Todos prenderam a respiração ao verem o humano deitado na mesa de cirurgia e consequentemente a protuberante barriga a qual o frágil corpo não conseguia mais sustentar. A última coisa que o moreno lembrava foi a enfermeira lhe dizendo com um terno sorriso:

- Quando acordar, já será “mamãe”.

Então caiu em um sono profundo por conta da anestesia. Da cirurgia em si apenas três partes sem sentido se fixaram em sua mente. Na primeira o médico estava colocando uma lanterna na frente dos seus olhos. Na segunda ouviu um choro fraco misturado entre muitos gritos. Na terceira a enfermeira disse que o paciente estava acordando. Em todas essas passou provavelmente menos de alguns segundos com certa consciência até cair no sono novamente.

O humano só acordou definitivamente quando já estava em seu quarto com a incrível diferença de um berço ao lado de sua cama. Porém, ele estava vazio. Um certo desespero tomou conta do austríaco e ainda fraco e zonzo, levantou-se para procurar seu bebê. Felizmente a enfermeira de gentis olhos vermelhos abriu a porta com um bebê enorme enrolado em lençóis brancos.

- Senhor Roderich, sente-se para ver seu filho. – Obedeceu a mulher e esta colocou o embrulho que tinha em mãos no colo do humano. – É um garoto aparentemente forte e saudável meus parabéns.

O humano olhava para a carinha vermelha de Balder e os fios brancos que nasciam no topo de sua cabeça. Ele era lindo e mesmo sabendo que o pequeno ainda não conseguia ver nada, Roderich acreditava estar em uma troca de olhares.

- O nome dele é Adolf.

O terráqueo olhou com repulsa para a mulher e pôs o bebê no berço por não aguentar seu peso.

- Obrigado por trazê-lo, agora já pode sair.

- Na verdade, ele não ficará aqui…

- Vai sim. Fique tranquila, coma um pouco e peça algo para mim também. Eu sei que foram horas longas para todos nós.

- Na verdade… eu não pos-

- Não se preocupe, eu assumirei a responsabilidade. – Disse Antonio que se encontrava na porta com um terno sorriso destinado a Balder. – Tenho certeza que vai ser melhor para o bebê ficar perto de sua “mãe”.

Com algum alivio, a enfermeira deixou a criança no quarto e Antonio se aproximou do terráqueo com um misto de animação e desgosto. Poucas pessoas saberiam dizer como a sensação de fazer a coisa certa poderia ser dolorosa quando sua vida estava em jogo. O medo de perder tudo e a felicidade de estar ajudando alguém tão querido e inocente quanto Roderich. E apesar da dualidade de seus sentimentos, ele estava ali, pronto para consolar o amigo, dar instruções de como cuidar do bebê e até reexplicar o plano de fuga pela enésima vez. Tudo isso sem perder o bom humor e o carisma que poucos incras possuíam.

Gilbert foi extremamente proibido de ver tanto o filho quanto Roderich por pelo menos um mês e infelizmente ele mal sabia que seria praticamente impossível ter algum contato com essas pessoas de novo. Roderich, agora muito ocupado cuidando integralmente da criança, analisava cuidadosamente cada gesto do pequeno Balder que pudesse configurar uma deficiência. Mas não ouve nenhuma evidência nos primeiros dez dias. Como a enfermeira disse: era uma criança forte e saudável. No entanto, o primeiro sinal de alguma coisa errada, somente uma mãe poderia ter percebido.

- Rod, é difícil saber se o bebê é mesmo cego com doze dias! Muitos bebês humanos demoram certa de um mês para ver mais do que borrões! – Dizia Antonio em um passeio matutino pelos jardins do laboratório para Balder respirar ar puro.

- Mas eu estou certo que ele não consegue ver nada! Ele não reage com nenhum estimulo visual!

- Não podemos levar o menino embora por causa de uma intuição! Olhe, eu vou te levar pra Terra de todo jeito, então não vamos abusar da sorte que temos! É difícil um humano ter a confiança do diretor como você tem!

- Eu não me importo! Recuso-me a deixar este lugar sem meu filho! Não permitirei tal absurdo!

Sem conseguir argumentar contra os gritos que ficavam cada vez mais indiscretos, Antonio fingiu concordar com a decisão do de olhos violeta, mas disse a si mesmo que não acabaria com todo o projeto por causa dos caprichos de uma mãe de primeira viagem. O incra, particularmente, não via nada de errado no bebê. E em todos os anos daquela pesquisa nunca tinha visto todos tão animados e eufóricos com a chegada do pequeno, era indiscutível que o clima entre aquelas paredes havia melhorado.

Exatos quinze dias depois do nascimento da criança, Gilbert teve permissão para se iniciar o primeiro contato. “Adolf” precisava sentir os hormônios que um macho alfa exalava e reconhecer o albino como seu pai. Foram três horas em que praticamente voaram na percepção do mais velho e os que observavam não souberam dizer quem estava se divertindo mais. Foi a mais bela tarde que o incra teve em vários meses e o melhor de tudo era que ele sabia que Roderich estava fora daquela sala vendo a cena.

No entanto, ao contrário do que o extraterrestre imaginava, o jovem humano não estava sorrindo ou ficando irritado com seus comentários, ele assistiu as três horas de brincadeiras completamente apático e somente levantou a voz para pedir o seu filho. Na verdade, inicialmente era para Gilbert passar apenas uma hora com a criança, mas o austríaco prolongou esse tempo ao máximo por saber que seria a última vez que pai e filho se veriam. Isso podia até soar cruel, mas não havia alternativa. Como todos diziam, eles nunca seriam uma família. Roderich apenas queria que as memórias do caloroso dia de lucidade ficassem bem guardadas na lembrança das duas pessoas que mais queria bem no mundo. Mas o tempo não espera por ninguém e a hora combinada já se aproximava.

Tudo estava muito calmo quando Roderich se levantou as catorze horas da noite e pegou o pequeno Balder no colo. O austríaco saiu apenas com a roupa do corpo e enrolou Balder com dois lençóis, deixando todas as outras coisas para trás. Saindo de seu quarto – no local mais isolado do laboratório – lembrou-se de Antonio lhe proibindo de levar a criança, mas era óbvio que ele não mandaria devolvê-lo caso chegasse com o menino nos braços. O humano andou o mais rápido que podia sem fazer barulho ou acordar Balder e soltou um leve suspiro ao ver a tão desejada recompensa pelo seu silêncio: a porta dos fundos. E passando por ela, viu pela última vez a noite em Marte e o magnífico arco-íris noturno que só existia naquele planeta. Uma perfeição da natureza bela e solitária que aparecia em raras noites da lucidade.

Com as últimas forças que guardava, correu o mais rápido que conseguia acordando seu bebê o qual chorou tão alto que acabou por denunciar a fuga tão cuidadosa do austríaco. Em questão de segundos, guardas corriam na direção do humano e sua cria e logicamente Roderich não podia vencer os incra no físico, mas ele já estava perto o suficiente para fugir. Talvez se soltasse Balder sua velocidade aumentasse… Mas esse pensamento não durou nem um mísero instante na mente do terráqueo. E quando menos esperava, já estava em frente ao local indicado por Antonio. Podia até ouvir o motor do carro ligado do outro lado do muro e sem pensar duas vezes, começou a escalar o a construção de pedras escarlates que lhe prendeu durante tantos meses.

Os gritos dos guardas eram cada vez mais altos e o choro do pequeno não cessava. Roderich sentiu os dedos de um dos incras encostarem em seu pé quando ele finalmente subiu no muro, mas antes que estes pudessem lhe alcançar o austríaco viu um desconhecido o chamando para seus braços. Em outra circunstância teria negado tal absurdo, porém não houve nenhuma reclamação de sua parte quando se atirou nos braços do homem. Quando seus pés encontraram o chão, entrou imediatamente no carro e viu todo seu pesadelo se distanciar a medida que o homem acelerava.

- Vocês escaparam por pouco, não? – Os olhos de Roderich brilharam ao ouvir aquele sotaque francês e quando virou o rosto para agradecer seu salvador viu os olhos azuis.

- Humano?

- Oui, mon ami. E o Tonio me pediu para ajudá-los. E então? Como me saí?

- O senhor foi muito útil. Tenho uma dívida contigo.

- “Senhor”, não, meu caro. Francis, o prazer é todo meu. Agora pegue esse planpasse e decore todas as informações.

O moreno ficou aliviado em ver um igual naquele planeta tão hostil e conseguiu relaxar o suficiente para pôr Balder para dormir novamente. Eles sabiam que naquele momento todos estariam procurando pela “Eva” e o bebê e justamente por isso a viagem não poderia ser adiada nem por um único segundo, pois mais alguns instantes e até mesmo as bases clandestinas estariam revistando seus passageiros. Roderich entrou em uma nave com outras vinte pessoas, cinco a mais do que o limite permitido para uma aeronave de porte pequeno, mas ele pouco se importou com riscos e números. Se aquela era a única forma de escapar de tudo, iria aguentar, com toda certeza.

A nave partiu. Voou para bem longe do ex planeta vermelho, no entanto o perigo ainda existia, porque todos ali podiam lhe achar suspeito e voltaria na primeira viagem para o laboratório. Foram dois dias torturantes que custaram muito a acabar. Tanto pela fome quanto pela falta de higiene. A única comida que trouxera usava para alimentar Balder cuja fome era insaciável. E assim, o egocêntrico e aristocrático Roderich estava aprendendo a colocar o bem-estar de alguém acima do próprio, o que por muito tempo ele achou que não fosse capaz.

Ao pousar na Terra e se misturar com centenas de passageiros clandestinos Roderich sentiu-se um pouco mais seguro, porém estava perdido no que se referia ao que deveria fazer. Antonio não disse em momento algum como deveria agir uma vez em casa e obviamente não poderia mais voltar com sua vida normal agora que todos estariam lhe caçando. Ao se perguntar o que deveria fazer, viu um garotinho loiro muito familiar correndo pela estação como se procurasse alguém. Logo depois se lembrou de onde o conhecia. Era a criança que Antonio tinha lhe mostrado em foto e por algum instinto de sobrevivência o seguiu e o menino – sem perceber – levou o desconhecido para sua mãe.

E para a surpresa de Roderich, a mãe não era loira nem branca, pelo contrário. Tinha cabelos castanhos e uma pele escurecida pelo sol, mas ainda assim era mais escura que a criança. Porém, a única coisa que realmente importou para o austríaco foi ver olhos verde-mar naquela desconhecida. Com toda certeza era humana e apenas isso já o deixava aliviado. Ao se aproximar, a garota soltou um suspiro e começou uma conversa aparentemente irritada.

- Você é o moleque do Antonio?

- Creio que sim. Ele me recomendou a senhorita?

- “Senhorita”? Fale direito, seu estranho! Olha, não quero ficar conversando muito, então vamos para o carro que eu te explico lá. Vem, Enzo.

A jovem não estava nem um pouco preocupada em ser gentil, nem sequer se importou em saber se Roderich falava italiano antes de começar com as perguntas. Os quatro foram para o carro e o austríaco ficou surpreso ao ver a configuração no banco de trás para duas crianças. Pelo jeito, ela estava esperando por Balder

- O idiota falou que você vinha sozinho, mas ele não sabe de nada, então mandei instalar essa configuração no carro. – Roderich olhava para o assento e para a italiana sem entender muita coisa, mas no fundo estava realmente agradecido. – Vai logo, imbecil! Quer ficar aqui o dia todo?!

Eles entraram no carro e no caminho, sem muita cerimônia a jovem – que se apresentou como Lovina – explicou tudo ao rapaz isolando o som do banco da frente para as crianças não ouvirem.

- O bastardo deve ter falado do primeiro experimento com humanos, bom, se não, o Enzo ta ali para você entender. Aqueles diabos devem ter falado a mesma merda para você pensar que eles sabiam o que estavam fazendo. Pois é, eles usaram a gente de cobaia mesmo e estão pouco se lixando para isso.

Lovina explicou como foi a gestação de Enzo e como Antonio a ajudou quando ela disse que queria fugir com a criança. Roderich escutou atentamente aquelas palavras, porém não conseguia tirar da cabeça que o filho de Lovina era também de Gilbert. Pelas palavras da jovem, Gilbert se mostrava carinhoso apenas com ela, nunca com o bebê, ao contrário do seu amigo. Antonio sempre tratou ambos com a mesma dedicação, cuidava do menino como se fosse seu e Lovina preferia assim.

Naquele dia, Roderich fez sua primeira refeição na Terra já em seu novo lar. Eles iriam dividir a casa com a italiana e o pequeno Enzo e tiveram que permanecer escondidos no porão durante seis meses até que fosse seguro andar pela casa livremente, depois de um ano saíram para o jardim e aos poucos Roderich foi juntando coragem para se aventurar pela cidade.

Balder era uma criança adorável. Passava o dia brincando com Enzo e mostrava todas as qualidades que os cientistas esperavam dele. Com um único porém. Balder era cego. Seus olhos vermelhos não viam nada além do preto, mas isso nunca foi um problema para o garoto. Enzo tinha um problema hormonal irreversível mesmo com a melhor tecnologia, então nunca passaria de um metro e meio, já Balder estava passando essa faixa aos onze anos de idade. Um era os olhos, o outro o tamanho. Eles sabiam que eram irmãos, mesmo ninguém dizendo isso.

A vida, apesar de monótona, era boa. O medo de serem descobertos sumia a cada dia e eles se tornaram uma bela família, além disso, sempre existiam as visitas de Antonio, que deixavam tudo mais animado.

Depois de sete anos, só existia uma vaga lembrança daqueles dias em Marte. Mas um dia a lembrança tomou forma e foi em direção do pequeno chalé no campo.

O portão não estava fechado naquele dia e os garotos estavam brincando de alguma coisa com relação a robôs gigantes. O estranho não se intimidou em entrar e foi encarado pelas crianças que pararam a brincadeira imediatamente, ou melhor, Enzo o fitava admirado, já Balder sentia o cheiro de outra pessoa no jardim. Quem seria aquele homem de cabelos brancos e olhos vermelhos iguais aos dele?

O estranho olhou para os meninos, mas teria tempo para falar com eles mais tarde. O mais importante estava lhe esperando dentro de casa. E ao se aproximar da pequena construção, Gilbert começou a ouvir as músicas que costumavam embalar seu sono. E a cada passo a melodia ficava mais nítida em suas lembranças.

Mal percebeu quando Lovina cruzou seu caminho, seus olhos agora estavam fixos no centro da sala, onde um homem de uma elegante postura tocava divinamente um dos instrumentos mais antigos de que se tinha noticia. E sorrateiramente foi chegando perto o suficiente para sussurrar em seu ouvido.

- Estava com saudades, jovem mestre?

O austríaco pulou da cadeira para ver se não era um sonho e de fato, Gilbert estava naquela sala. Seus olhos violeta se encheram de alegria, mas se conteve antes de pular em cima de albino.

- O-o que está fazendo aqui?

- Kesesese! Eu vim visitar minha família!

- Não! Com você aqui eles vão nos achar! Você tem que ir embora! Vão levar Balder!

- Hey! Fica calmo ai, Rod! – Gilbert fez o humano sentar para poder explicar toda a situação. – Eu estou livre. Eles desistiram da pesquisa há três anos.

- Então onde você estava?! Por que não veio antes, seu tolo?!

- Precaução! Imagine se fosse um blefe!

- Eu… Eu…

- Vamos lá, Rod. Também sentiu saudades?

Roderich nada disse apenas deixou-se cair pelo peito de Gilbert como se estivesse com uma leve tontura. Claro, ele nunca diria aquelas palavras mesmo que fosse a mais pura verdade. Afinal, ainda era ele, Roderich que estava ali naquele casebre. Ele era orgulhoso mesmo que isso machucasse. Porém, ninguém precisava ouvi-lo dizer as três palavras para saber que era verdadeiro seu amor por Gilbert, nem este último fazia questão de ouvi-las.

E nenhum outro lugar do sistema solar parecia tão aconchegante quanto o abraço do albino. Naquela noite, pela primeira vez em anos, eles já não se sentiram sozinhos.


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