Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 36
Do que somos depois de ser o que nos tornamos


Notas iniciais do capítulo

Finalmente tomei vergonha na cara e revisei a história até o fim! Sei que todo esse texto ainda precisa de uma segunda (talvez terceira) revisão cuidadosa, e que muita coisa podia ser melhorada, mas acredito ter feito o possível para apresentar uma história suficientemente boa para os leitores. De qualquer forma, fiquem à vontade para me ajudar a melhorar.
Bem, embora esteja terminando de postar a história toda hoje, os capítulos estão agendados para dias diferentes, então não devo fazer as despedidas e considerações finais neste capítulo. Deixo vocês com a leitura da continuação da aventura de Nigel, Lionor e Vicente, e espero que apreciem e que continuem acompanhando. Ah, e peço desculpas antecipadamente por ter colocado como título do capítulo um título de outra história minha... gosto de fazer homenagens e conexões, mas não fui muito bem sucedida porque a história com esse título nunca foi postada... talvez eu mude quando encontrar um título inédito.
Boa leitura!



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Os três cavalgavam em silêncio. Nigel ia à frente, tendo o escudeiro ao seu lado, mas Lionor estava a metros de distância, sua montaria arrastando-se- lentamente atrás dos dois rapazes. Tinha o rosto tão mal-humorado que parecia estar se dirigindo a um castigo ou à forca, e não à casa da irmã. Queixara-se da dor no abdômen, queixara-se da comida e do sol e, quando Nigel lhe dissera que as regras a deixavam aborrecida, ela quase o esbofeteou. Depois que o casal estava separados por alguns metros de distância, Nigel se sentiu à vontade para voltar a puxar conversa com a garota, pois ele não lhe fizera nada para que ficassem sem se falar. Não tinha culpa por Hermes tê-la dispensado da missão apenas por ser mulher. Era com ele que devia reclamar da injustiça, não ao resto do mundo.

— Onde está aquele seu penteado? — e fez o gesto circular ao redor da cabeça, para mencionar a trança.

Mais cedo, Lionor havia tentado trançar os cabelos e enrolá-los em volta da cabeça, como o rei fizera com ela certa vez, mas o penteado havia ficado estranhamente torto quando ela tentara. Desfazia a trança e resmungava qualquer coisa sobre sentir falta das criadas quando Hermes se aproximou, silencioso como sempre. A garota o viu pelo espelho.

— Tenho mesmo que ir? — ela choramingou, como se aquilo fosse fazê-lo mudar de ideia.

— Receio que sim, Lionor — o duque puxou uma cadeira e se sentou ao lado dela — É feita de um material frágil e, embora Nigel tenha tentado te transformar em uma guerreira, ainda é emocionalmente instável e não tem experiência para enfrentar oponentes armados em um confronto real. Talvez possa treinar e concorrer em justas, ou voltar a cuidar de vilarejos, mas chega de perseguir malfeitores.

As palavras duras a fizeram baixar a cabeça, com ar triste.

— Queria que se tivesse se orgulhado de mim.

— Eu também queria, Lionor — ele encostou o queixo no espaldar da cadeira — Mas é apenas uma garotinha. E este mundo não é cenário para uma garotinha lutar.

Era uma mulher casada, uma senhora, mas ainda era para ele apenas uma garotinha. A despedida foi fria, pois ela se sentia ferida com as palavras do duque. Ainda pensava nisso na estrada, e mal ouviu Nigel perguntar-lhe sobre o cabelo.

— Desmanchei o penteado. — ela respondeu — Sua Majestade disse para manter os cabelos presos durante a luta para que ninguém os puxe. Mas como não lutarei nem hoje, nem amanhã, nem depois, isso não importa mais...

A estrada para o sul se tornava mais larga, com um barranco de um dos lados do acostamento. Havia muito mato e árvores dos dois lados, e os dois rapazes esperaram Lionor para que a garota ficasse entre eles, a fim de que não estivesse exposta a uma possível emboscada.

— Sei me cuidar — ela retrucou, mostrando a espada — Não sou uma donzela indefesa. Além disso, coloquei a cota de malha por baixo do vestido.

— Mas lhe falta isto — Nigel levantou a camisa e mostrou a arma presa à cintura.

— Pensei que Hermes houvesse proibido — observou Vicente, confuso.

— E proibiu, mas acabou me dando a arma para levar ao castelo. Miguel quer guarda-la na sala das armas, como se fosse peça de um museu — percebeu que o garoto estranhara a menção do rei pelo prenome, em vez dos títulos Sua Graça ou Sua Majestade, e acrescentou — Posso interceder a seu favor ao rei. Vai deixar de ser cavalariço e ser o que quiser. Eu, particularmente, gostaria que continuasse sendo meu escudeiro.

Lionor deixou escapar um riso de deboche.

— Ser o que quiser? Não existe isso de ser o que quiser. Na maioria das vezes, somos o que nascemos para ser e, quando tentamos nos tornar outra coisa, a vida nos joga na cara que nunca seremos.

E eu serei sempre uma dama delicada e afetada, enquanto este garoto selará os cavalos dos nobres, seus olhos pareciam dizer. Nigel discordava; ele nada mais era que um garoto estrangeiro que competia em torneios, quando a família real veio assistir algumas lutas e o então príncipe regente o levara para o castelo. Alonzo havia sido um filho ilegítimo do falecido conde, e se tornara seu herdeiro. Nina, a irmã de Lionor, era somente uma dama bem nascida e se tornara Condessa, membro consorte da família real. Caridad era apenas uma criada, e se tornara amante do Conde. Lionor poderia sim se tornar uma destemida guerreira, mas era um absurdo que tenha pensado que conseguiria em apenas um ano de treino.

— Não precisa resmungar, Lionor — Nigel fez com que o seu cavalo se colocasse ao lado do dela — Não é a vida que nos joga as coisas na cara, são as pessoas. Pode jogar de volta se quiser, ou aceitar e ir embora de cabeça baixa.

— Pois eu não aceito, e ainda assim estou indo embora de cabeça baixa. O que tem a me dizer sobre isso?

Não diria nada, pois no instante em que Nigel retrucaria, Vicente chamou a atenção do restante do grupo para um garoto magro, com uma cabeça desproporcionalmente grande e vestindo uma roupa engordurada. O escudeiro quase o atropelava, não fosse o próprio cavalo a desviar por vontade própria. Instintivamente, ergueu o escudo à frente do rosto, até reconhecer o garoto à sua frente.

— É o rapaz do Finda. Pensei que era um assaltante. — Vicente baixou o escudo, envergonhado por ter parecido amedrontado.

— Findanoite? — Nigel fez uma careta — Comi uma carne horrível em Findanoite. Torrada demais, quase queimada. O que quer de nós?

— Estão procurando por vocês — o garoto estava ofegante, parecendo ter vindo correndo da estalagem até a estrada — Aqueles que procuram.

A frase soou tão confusa e entrecortada que Lionor precisou repeti-la para que pudesse compreender.

— Wilhem e Claire?

— Não sei seus nomes. Um garoto ruivo, da minha altura, e uma garota um pouco gordinha, também ruiva. Disseram que iriam para o norte. Passaram a noite em frente ao Finda, e deixaram a hospedaria, poucos instantes atrás. Ontem de noite disseram que procuravam pelos enviados do rei.

O cavalo de Nigel deu meia volta, levantando com as patas a poeira da estrada.

— Não estão nos procurando, estão fugindo de volta para Curvavento — ele falou, a ansiedade o fazendo inclinar o corpo para a frente — Mostre-me o caminho por onde seguiram.

— Que? — a voz de Lionor saiu estridente, com a indignação e a incredulidade — Hermes disse para irmos para a Casa do Lago!

— Não posso deixa-lo fugir — ele retrucou. Devia ter dito deixa-los, mas a frase saíra daquela forma, e não se achava obrigado a corrigir.

Lionor colocou-se em seu caminho, o cavalo branco marchando devagar sem sair do lugar, bloqueando a estrada ao posicionar-se na diagonal. Tinha um ar altivo e estava decidida a não deixar que Nigel passasse por ela em direção ao norte.

— Esta empreitada já não é mais da nossa alçada. Peça a Vicente para avisar o Duque, e que ele tome as providências necessárias. Seria muito estúpido da minha parte ser retirada da missão e continuar insistindo nela.

— Duas coisas, senhora Klein. A primeira... Vincent é meu escudeiro e também meu protegido. Não posso deixar que ele cavalgue sozinho na mesma direção dos malfeitores que ele traiu, a não ser que o queira morto antes que chegue a encontrar Hermes. A segunda coisa é... você não vai comigo, vai esperar aqui com o garoto.

Mas ela não se moveu, e o rapaz não teve outra escolha senão fazer com que sua montaria saísse calmamente da estrada, passasse por cima da grama esturricada e dos pedregulhos do acostamento, e a ultrapassasse. Lionor podia ter tentado ser esperta e autoritária, mas Nigel jamais admitiria aquela pirraça como forma de fazê-lo mudar de ideia.

– Esperem por um instante, falarei com Hermes e retornarei em breve. Vincent, fique de olho nela.

Disparou pela estrada de terra seca, galopando na direção do norte, sentindo-se dividido entre a perspectiva de relatar a Hermes a dica que escutara e a tentação de ir procurar pessoalmente os dois inimigos. Havia percorrido poucos metros quando percebeu o som de cavalos galopando atrás de sua própria montaria, mas só virou a cabeça para olhá-los quando Vicente se desculpou.

— Eu tentei ficar de olho nela, mas a senhora Lionor não me deu ouvidos!

Com ar resoluto, Lionor galopava com tanta velocidade que conseguiu alcançar Nigel bem depressa. Os cabelos soltos pendiam ao vento, leves e despenteados.

— Sei que não vai avisar Hermes. Vai tentar captura-los sozinho.

— E se o fizer? Eu tenho a arma de Wilhem, e eles não devem ter nada.

Tentou deixar a jovem esposa para trás. Seu cavalo sempre fora o mais veloz entre todas as montarias da corte — e era o mais valioso, se excetuasse os da família real. Sentiu a poeira lhe ferir os olhos, enquanto instigava a montaria a galopar mais depressa, mas de alguma forma Lionor sempre o alcançava.

— Nigel, você não vai fazer isso. Não vou permitir que o faça.

A insolência do comentário o ofendeu. Teria parado bruscamente, mas era o que ela desejava, e isso ele não faria. Pareceu-lhe até que a velocidade estava maior. Teve que gritar para que Lionor o escutasse.

— Como assim não vai permitir? — tentou parecer calmo, mas a fúria transparecia em seu olhar — Quem pensa que é para me dar ordens? Já recebo ordens suficientes do rei e de Hermes, não preciso das suas. Está se esquecendo de que não é o meu superior, e sim minha esposa. Tem o direito de me aconselhar, mas jamais, jamais ouse tentar me proibir do que quer que seja. Você é que deve me obedecer, mas nunca o faz! Sempre que eu digo “fique onde está”, você vem correndo atrás de mim querendo bancar a heroína! Você não é a fantástica Lionor, a Imatável, ou Imorrível, como dizem nas aldeias, quando pensam que foi você e não Hermes quem levou os tiros e sobreviveu. É uma menininha que precisa de muito, muito treino antes de ter seu nome conhecido na corte e nos quatro cantos do reino. Eu sou Condestável, e sou invicto nos torneios e justas, jamais estarei subordinado a uma menin...

Não conseguiu terminar o furioso e inflamado desabafo. Não percebeu como tudo acontecera; um relincho de agonia, uma parada brusca, e sentiu-se lançado para fora do cavalo, numa queda desajeitada na dura e pedregosa terra. Abriu os olhos devagar, após rolar por alguns metros, sentindo uma intensa dor na perna e um ardor no braço, onde a pele fora esfolada em uma pedra; foi quando viu, ao mesmo tempo, o cavalo caído com uma flecha no pescoço, Lionor parando com ar desesperado e correndo para ajuda-lo, e uma outra flecha atingindo a garota no estômago, se chocando contra a cota de malha e caindo no chão sem feri-la, sob o olhar incrédulo dela.

Tentou se virar para ver de onde vinha a flecha, mas tudo que viu foi seu escudeiro, ainda montado, apontar para o acostamento e fugir, apavorado. O promovi, dei-lhe presentes e promessas, e é desta forma que o desgraçado me paga: com a fuga. Tentou se erguer, mas o corpo estava completamente dolorido.

— Nigel — Lionor correu ao seu encontro, e tudo que conseguiu dizer, enquanto apontava para mesma direção que Vicente o fizera, foi — É uma armadilha.


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Notas finais do capítulo

Bem, não preciso mais dizer de quem será o próximo capítulo. Amanhã mesmo estará sendo postado! Não perca.



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