Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 29
De boatos


Notas iniciais do capítulo

Sei que eu estou devendo algumas cenas quentes, mas confesso que pulei essa parte. Costumo focar mais nas consequências que nos atos em si. Não vou prolongar as notas porque este é um capítulo com bastante conversa, e não vou conversar ainda mais. Boa leitura!



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Era impossível saber quantas horas faltavam para o amanhecer. A casa estava quase completamente escura, exceto por uma vela que ainda ardia na cozinha. Nigel desceu as escadas de madeira bem devagar, com medo de que os degraus rangessem e acordassem o resto da casa. Ao chegar à cozinha, mergulhou a caneca de ferro no barril d’água e bebeu o líquido com avidez, como se padecesse de sede há anos.

— Você geme mais que a garota. Confesso que fiquei na dúvida sobre quem estava deflorando quem.

O rapaz cuspiu, com o susto, e a água derramou-se em seu peito e sobre o assoalho. Quando Hermes iria parar com aquela mania de surgir repentinamente?

— Diabos! Hermes, quase me matou — ele sussurrou.

O conde estava sentado em uma cadeira de madeira, com uma faixa de tecido enrolada na cabeça e outra no peito. Tinha o ar cansado.

— O que faz fora da cama? Não conseguiu dormir?

— Com esse barulho? — ele fez um som que poderia ter sido uma risada de incredulidade — Devia saber que as paredes desta casa são muito mais finas que as do palácio.

Apontou uma cadeira vazia à sua frente, com ar convidativo. Nigel aproximou-se com cautela. Não queria conversar; havia descido unicamente para tomar um pouco de água. Sentou-se na ponta da cadeira, com ar de que estava com pressa.

— Nigel — começou o duque — Sabe que gosto de Lionor como uma filha...

O rapaz fez uma careta, parecendo temer uma bronca. As palavras que jorraram de sua boca foram como uma justificativa.

— Não vou dizer que estou arrependido, mas... fiz uma promessa e a quebrei. Saiba que tive a intenção de ser desrespeitoso com Lionor. Mas garanto-lhe que fui bastante cuidadoso.

— Alonzo também dizia que era cuidadoso e aquela Caridad engravidou dele duas vezes em um ano! — o comentário teve um forte tom de crítica — Estou muito decepcionado com vocês dois. Pensei que eram responsáveis. Mais cedo, disse-lhes para ficarem na Taverna e me desobedeceram! Eu tenho o dobro da idade de Lionor, já lutei em batalhas de verdade e vi toda a minha família morrer na peste, e vocês se acham espertos o suficiente para passar por cima das minhas ordens e fazerem o que bem entendem, incluindo perseguirem um casal de condenados armados. O que vocês têm na cabeça? Por que acham que o rei me daria a incumbência de lidera-los se vocês pudessem tomar suas decisões sozinhos?

Nigel ergueu as sobrancelhas. Hermes quase nunca falava tanto e, se fizera um discurso tão longo, estava realmente bravo. Tentou parecer firme, ao responder.

— Hermes, eu faço parte da guarda. Sou Condestável, não um menino qualquer.

— Age como um menino qualquer. Diga-me, por que faz parte da guarda? Como chegou onde chegou? Quais foram os seus feitos?

O rapaz não respondeu, mas Hermes insistiu meia dúzia de vezes e ele foi obrigado a falar, a contragosto.

— Eu estava participando de um torneio, quando me viu. E me chamou para a guarda.

— Onde está a glória e a experiência? — provocou o duque.

Pareceu a Nigel que Hermes queria humilha-lo, e entristeceu-se com a constatação. Não desejava mais prolongar o assunto, pois o duque parecia estar fazendo aquilo por estar aborrecido com o que o rapaz fizera a Lionor. Se a via como uma filha, devia ter sido horrível passar a madrugada escutando gemidos oriundos do quarto dela.

— Peço perdão, Hermes, por ter sido desobediente. Escutarei seus conselhos e acatarei suas ordens da próxima vez. Vou me retirar voluntariamente da missão e voltarei para o castelo assim que você melhorar dos ferimentos.

— Perdão — Hermes balançou a cabeça — O que eu quero é que você cresça, garoto. E que seja responsável. Não quero que me peça perdão. De nada me serve.

Nigel assentiu com um movimento de cabeça. Em outra ocasião, teria discutido, devolvido ao duque aquela enxurrada de grosserias, mas sentia-se tão culpado por ter arriscado a sua vida e a de Lionor que sentia-se capaz de pedir perdão novamente, apenas para que Hermes recusasse outra vez. Levantou-se devagar e, antes de voltar ao quarto, perguntou.

— Hermes... gosta de mim como um filho também?

— Está muito grande pra ser meu filho — Hermes não o encarou — Sabe que eu o considero um grande amigo.

O rapaz sorriu, aliviado, antes de correr para as escadas.

Quando acordou, a manhã já estava no fim, e o anfitrião já se preparava para a segunda refeição do dia. Quando desceu as escadas, sonolento, Nigel percebeu que todos haviam parado de falar para voltar a atenção para ele. O rapaz não se importou; sabia que nenhum deles teria coragem de falar-lhe sobre o que haviam escutado, como Hermes fizera. Aproximou-se da mesa e estendeu a mão para pegar uma ameixa fresca.

— O que foi? Podem falar — desafiou-os — Já estou acostumado com a chacota. Quando passo pela corte ao lado do rei, as pessoas esperam sua Majestade sair para me dizer toda sorte de piadas baixas e constrangedoras. Também dizem que eu apanho de mulher. Não me importo nem com suas palavras nem com seus olhares.

— Bom dia para você também — Hermes puxou para si uma tigela de ensopado de coelho — Sente-se e coma. Seu escudeiro é um excelente cozinheiro. Onde está Lionor?

— Não quis descer — Nigel puxou uma cadeira para si — Levarei algo para que ela coma.

O duque inclinou-se em sua direção e sussurrou em um tom quase inaudível.

— Por quanto tempo ela ficará lá encima sem coragem de nos encarar?

Nigel sacudiu os ombros, sem saber o que responder. Quando o rapaz contara a ela sobre a conversa com Hermes, Lionor sentiu que não conseguiria encará-lo, e pensava em adiar o momento pelo máximo de tempo que pudesse, mesmo sabendo que não poderia passar o resto da missão trancada no quarto.

— Quando saí para buscar os coelhos na feira, eu ouvi as pessoas a chamando de bruxa — contou Vicente, com o costumeiro ar tímido quase desaparecendo com a emoção de contar uma novidade — Chamavam-no de A que levantou dos mortos.

— De quem estão falando? — Nigel mergulhou um pedaço de pão no ensopado.

— De Lionor — explicou Hermes — Pensam por aí que os tiros que foram ouvidos na taverna da Lua a atingiram, e que ela se levantou ferida para ir atrás do atirador. Falam ainda que quando o garoto atirou, foi a própria Lionor que fez a arma falhar, com algum tipo de feitiçaria maligna.

Era inacreditável. Por um momento, Nigel pensou que estivessem apenas brincando. No entanto, um dos arqueiros, o que não havia sido baleado, confirmou a história.

— Dizem que somos um bando de feiticeiros envolvidos com magia negra e que nenhum de nós pode ser morto.

— Que patético — Nigel balançou a cabeça, incrédulo — Somos os imorríveis, os imatáveis.

Ninguém perdeu tempo em avisar-lhe que aquelas palavras não existiam. Aquilo era o menos importante. Um Coração, assim como os vilarejos vizinhos Dois Corações e Três Corações, era lugar de gente simples e crédula, e facilmente impressionável. Era difícil imaginar como eles, que jamais haviam visto armas de fogo na vida, compreendiam o que acontecera naquela noite. Tampouco já haviam visto uma garota com as vestes ensanguentadas, segurando uma espada em cada mão, cavalgar de encontro a um inimigo que portava um arma mais poderosa que a dela, tendo a referida arma falhado no exato momento que a atingiria. Não era difícil confundi-la com uma heroína, embora não passasse de uma menina boba e irresponsável. Entre a vergonha e a glória, basta um mal entendido, pensava Nigel, desanimado. Tudo que Lionor fazia parecia exaltá-la, e tudo que ele fazia parecia envergonha-lo.

— Agora que os perdemos — lembrou o arqueiro ferido - e o informante já não pode mais falar com eles, como os encontraremos novamente?

— Ofereceremos recompensa pela captura — decidiu Hermes — Não acho que irão muito longe, pois não têm cavalo. Como não estou em condições de me locomover, ficarei aqui com Vicente, enquanto Nigel e Lionor passam pelos vilarejos mais próximos oferecendo a recompensa pela captura. Deixemos que alguns desesperados por dinheiro façam o trabalho por nós, dessa vez. Quando todo o reino estiver à procura dos dois, será impossível para eles se esconderem.

Apontou para os arqueiros.

— Cádiz levará o companheiro baleado para que as irmãs do Consolo cuidem de seu ferimento, hoje mesmo. Ou, se preferirem, podemos esperar mais um dia, para que não percam a festa de casamento que teremos hoje à noite.

— Casamento? — Nigel franziu as sobrancelhas — Quem irá se casar?

— Você — haviam um distante brilho de divertimento no olhar do duque ao ver a surpresa estampada no rosto do rapaz — Você e Lionor.


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Notas finais do capítulo

Bem, tivemos a bronca de Hermes, preocupações, fofocas e uma promessa de casamento, então ninguém poderá dizer que não aconteceu nada no capítulo apenas porque não houve sangue derramado. Espero que tenham gostado. No próximo capítulo, voltaremos a Claire e WIlhem. Não foi dessa vez que shippamos o cínico Vicente com a nossa rechonchudinha ruiva...



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