Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 27
Da Taverna da Lua


Notas iniciais do capítulo

Trouxe hoje um capítulo com bastante ação e um pouco de fantasia. Normalmente o andamento do enredo não chega a focar de forma incisiva os elementos fantásticos, destacando mais as ações e sentimentos dos personagens. Daí eu fico imaginando se eu fosse leitora e pensasse "ah, ninguém me avisou que ia ter gente imortal e arma de fogo no meio de uma história de reis e princesas", então fiz uma modificação completa na sinopse da história, para dar pistas dos elementos fantasiosos e anacrônicos que aparecem na história. Assim, não corro o risco de alguém parar de ler porque a história não era bem o que ela esperava, porque não segue a cronologia e nem tem correspondência com o tempo e espaço do mundo real.
Boa leitura, espero que gostem!



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Wilhem correu para a janela quando Claire se afastou, deixando atrás de si o suave aroma do seu perfume. Não devia ter feito aquilo... não devia ter confessado o seu amor por ela. Acabara sendo impulsivo demais. Tinha medo de que jamais a visse novamente, e teria dado qualquer coisa para permanecer por mais tempo com ela em seus braços. Mas jamais poderia se despedir ou deixar transparecer o que faria em seguida.

Havia conversado com o informante de Claire, e havia julgado o garoto bastante confiável. No dia em que se haviam se encontrado, Wilhem levara consigo um pequeno saco de veludo com algumas moedas de ouro. Ofereceu-as a Vicente, e junto com elas, a mão de sua irmã, para que atraísse Hermes e Nigel para algum lugar próximo dali. Se Claire soubesse que ele havia negociado um casamento para ela com um criado do castelo, talvez não o perdoasse... mas ela poderia se desfazer do combinado depois, alegando que não sabia de nada. Tudo que Wilhem queria era a presença dos dois rapazes para que pudesse se vingar. Pouco lhe importava a garotinha de quem mal se lembrava o nome; Eleanor, Leonora, já não sabia mais. A menina magrinha que esmurrara o noivo no meio de um torneio de espadas, segundo seu próprio informante lhe narrara.

O plano era simples, e ele sabia que tinha tudo para dar errado. Enquanto Vicente mantinha Claire ocupada e afastada, Wilhem abordava Nigel e o Duque com a intenção de se entregar. E, antes de ser preso, atiraria nos dois. Tivera sorte de ter conseguido as melhores e armas com os corsários; se tivesse que recarregar a pistola a cada bala disparada, jamais conseguiria atingir seu objetivo. Era óbvio que, no final, seria preso e condenado, mas já estava condenado à morte, de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde. Já não lhe importava se sua execução fosse dali a dois meses, amanhã ou dali a duas horas; tudo que queria era a oportunidade de inocentar Claire e de se vingar daqueles dois.

Cada passo que dava em direção à taverna era, para Willem, um passo mais próximo da morte. Caminhou devagar, para dar a Vicente tempo de levar Claire para sua casa. E se ele a maltratar? Se abusar dela? Se não cuidar dela como prometeu? Quis desistir, tomar sua Claire dos braços do cavalariço e navegar com ela em um navio de corsários, fugindo do reino e da sua sentença de morte; quis deixar tudo para trás, quis viver, mas suas pernas se recusavam a parar e a voltar. Se voltasse, iria morrer de qualquer maneira. E se o final seria o mesmo, preferia enfrenta-lo a fugir dele como um covarde.

A bata de algodão cru chegava à altura de suas coxas, mas era difícil esconder o volume das armas em sua cintura. Mantinha uma mão cobrindo-as, para que os transeuntes não olhassem com curiosidade. Uma família de camponeses passou por ele, e duas meretrizes com o dobro de sua idade riram quando atravessaram a estrada. A cada pessoa que cruzava seu caminho, Wilhem pensava que seria descoberto. Uma grande bobagem. Quem imaginaria que ele tinha pistolas? A maioria das pessoas no reino nem mesmo sabia que existia algum tipo de arma que não fosse uma lâmina, porrete ou machado. Desconheciam totalmente a maior parte das coisas estranhas e perigosas que vinham do outro lado do mar.

Reuniu toda a coragem que já tivera em toda a sua curta vida quando avistou a Taverna da Lua. Seus passos se apressaram, mas suas mãos tremiam e suavam abundantemente. Não podia falhar. Por alguns segundos, parou à entrada do estabelecimento, respirando fundo. Um falcão o sobrevoou e, por um instante, pareceu até mesmo que a ave iria ataca-lo. Wilhem sentiu o coração acelerar.

Quando entrou no estabelecimento, sentiu-se como se fosse guiado por uma força maior que sua própria vontade. Sozinho, jamais teria guiado suas próprias pernas pelos espaços apertados entre as mesas. Todas elas estavam ocupadas, as mesas e as cadeiras, e havia gente no balcão, e na escada apertada que subia para as cozinhas. Wilhem estudou todos os rostos, até que a viu. E quase não a reconheceu, exceto pelos braços magros e o corpo reto em uma roupa de amazona. Mas não podia ver seus olhos claros com a iluminação fraca e tremeluzente das velas da taverna. E os longos cabelos estavam presos em uma trança ao redor da cabeça. Mas aquele rosto... sim, era ela. Teria gritado o seu nome, mas não se recordava exatamente. Eleanora... Leonor...

– Lionor... – ele murmurou. Lembrava-se do dia em que ela cantara no Água de Carpas. Ela se apresentara com aquele nome – Lionor Klein!

Só então o duque apareceu, deslizando repentina e teatralmente para o lado dela, como se houvesse aguardado, escondido na penumbra, para surpreender Wilhem. Era alto e forte, exatamente como Wilhem se lembrava, e trazia uma espada longa presa à cintura, mas o que eram músculos e lâminas contra balas?

– Duque de Curvavento! – gritou Wilhem.

Tentou ameaça-lo e insulta-lo mas, assim que tirou a arma da cintura e a apontou para Hermes, suas palavras foram engolidas pelos gritos desesperados dos homens e mulheres que se atropelavam por cima das mesas, derrubando cadeiras e garrafas de vinho enquanto fugiam do perigo iminente. Uma meretriz escorregou no vinho derramado e quase foi pisoteada, e os demais começaram a subir nas mesas para desviar delas. Os que estavam atrás do balcão foram os únicos que permaneceram na taverna, mas agacharam-se choramingando e implorando por suas vidas. Era como se a arma nas mãos de Wilhem fosse um gigante que espalhava algum tipo de lava, ou um dragão que cuspia fogo. Nenhum deles ao menos pensou que o garoto jamais poderia atirar em todos ao mesmo tempo.

– Leve o que quiser, garoto – o homem que servia os aperitivos parecia ser o dono do bar, e tremia agachado atrás do forno, sem se importar com o calor.

– Não sou um assaltante – a voz de Wilhem soava alta, mas quase desafinou quando ele tentou parecer firme – Tudo que eu quero é a vida dele.

Apontou para Hermes com o cano da arma. O Duque colocou-se lentamente à frente de Lionor para protegê-la, e ela era tão franzina que desapareceu da vista de Wilhem.

– Não se mexa – Wilhem deu alguns passos à frente, mas continuava mantendo certa distância do Duque. Percebeu a mão de Hermes na bainha da espada – Eu não tentaria nenhum truque se fosse você.

– Eu é que não tentaria nenhum truque se fosse você! – a voz de Nigel se sobrepôs à dele, vinda da entrada dos fundos da taverna.

Wilhem olhou na direção da voz e sentiu-se nauseado pelo nervosismo. Nigel entrava no bar puxando Claire pelos cabelos; a garota soluçava e tropeçava enquanto o rapaz a puxava consigo com estupidez. Ao lado dos dois, Vicente parecia extremamente constrangido. Sentindo as mãos ainda mais trêmulas, Wilhem apontou a arma para o cavalariço.

– Traidor! Desgraçado!

Viu o olhar desesperado de Claire, e o rosto corado pelo choro abundante, quando Nigel a puxou para si e encostou a lâmina de sua espada na garganta da garota.

– Tome cuidado, rapaz, Vincent é meu escudeiro agora. Se fizer qualquer mal a qualquer pessoa da minha equipe, vai ter um corpo de um familiar para enterrar como sempre desejou – Ninguém reparou que ele havia errado o nome do seu próprio escudeiro e, se alguém notou, não havia clima para correções – Jogue a arma no chão e eu deixarei a garota ir.

Era impossível manter os olhos em Nigel e Claire ao mesmo tempo em que vigiava Hermes e Lionor. Quando voltou-se para o duque, ele estava sozinho. Conjecturou onde estaria Lionor, e olhou ao redor com aflição. Lembrou-se dos seus anos de estudo quando, na biblioteca, encontrava uma barata ou uma aranha gigante no meio dos livros. Era sempre mais aterrorizador quando o inseto desaparecia, pois não poderia fugir dele se não soubesse de onde ele surgiria. Olhou assustado para a direita, e para a esquerda, e a garota não estava em lugar nenhum. Olhou até mesmo para o chão e para o teto, e praguejou. Maldito inseto.

– Coloque a arma no chão – Hermes repetiu as palavras de Nigel com muito mais calma – E Claire será libertada. Não faremos nenhum mal a ela.

– Desgraçados – ele choramingou. Seus planos estavam dando mais errado do que havia previsto. Claire lançou -lhe um olhar suplicante. Parecia implorar que ele fizesse o que Hermes e Nigel diziam. Estavam perdidos mesmo, ela diria, não há mais saída.

Sentindo o rosto queimar de raiva, dobrou os joelhos lentamente e descansou a arma no chão. Não tirava os olhos da lâmina no pescoço de Claire, temendo que Nigel fosse desleal ao que haviam combinado e a assassinasse assim que o visse desarmado. Mas quando Wilhem se afastou da arma que deixara no chão, desolado, sua irmã de criação foi libertada com um empurrão. Caiu de joelhos, aos soluços, e engatinhou entre as mesas até ele.

– Aí está sua Claire, meu caro amigo.

– E aqui – Lionor saiu rastejando por baixo de uma mesa, segurando um papel enrolado e pegando a arma do chão com a mão livre, se erguendo desajeitadamente – Esta é a sua sentença de morte.

– Sentença? – repetiu Wilhem, incrédulo - Disse que nos libertaria se eu jogasse a arma no chão.

O segredo do jogo é o blefe. Como poderia ter esquecido?

– Dissemos que libertaríamos a garota – lembrou Hermes, se aproximando do garoto com três ou quatro passos longos por cima de cadeiras caídas e um barril de vinho aos pedaços. Segurou-lhe o pulso com firmeza – Não prometemos deixa-lo ir. E não pense em tentar fugir. Somos quatro aqui dentro, e mais dois arqueiros lá fora, um em cada porta da Taverna.

Lionor desenrolou o papel que trazia em uma das mãos, segurando a arma desajeitadamente com a outra.

– Wilhem Surrfolk - ela leu - Condenado à execução por decapitação em praça pública, pelos seguintes crimes: porte de arma de fogo, proibida em nosso território; por tentar assassinar o Condestável Nigel Klein, e ordenar a execução de seis membros da Guarda pelo Corsário Baltazar Soeiro, também assassinado no confronto, e ter resistido à prisão e fugido da mesma, na Fortaleza do Água de Carpas. Esqueci algum crime?

Wilhem enfiou a mão livre por baixo da camisa.

– Esqueceu sim. Acrescente no final “e pelo assassinato do Duque de Curvavento”.

Puxou das calças uma segunda arma, e a apontou para Hermes. Dessa vez não haveria conversa, tampouco ameaças. Disparou uma vez, duas, três vezes; mas a arma era muito mais lenta do que ele previra. Embora pudesse continuar atirando sem recarregar, sabia que não teria tempo de disparar um quarto tiro antes que Lionor usasse a outra arma contra ele. Assim que sentiu a mão do duque afrouxar-se ao redor do seu pulso, Wilhem puxou Claire pelo braço e correu até a porta da frente da taverna.

– O arqueiro! – Claire gritou e apontou mas, antes que terminasse a palavra, e antes que o arqueiro largasse a flecha que apontara para os dois irmãos, Wilhem disparou dois tiros desajeitadamente, e um deles derrubou o rapaz de cima do cavalo no qual estava montado.

Os curiosos corriam ao vê-los passar, e alguns até gritavam ao ver a arma. Wilhem não se importou; sabia que ninguém os pararia. Havia estado tão conformado em se entregar e morrer que estava surpreso por se ver lutando pela sobrevivência. Claire mudara completamente seus planos; jamais a deixaria morrer ou sofrer com ele. Era por ela, somente por ela que continuava vivo.


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Notas finais do capítulo

Como não tenho exatamente o costume de escrever cenas cheias de ação, correria, lutas e sangue, gostaria de saber o que acharam, e no que posso melhorar. Um dos motivos de postar esta história é justamente ajudar no processo de revisão. As coisas nunca são do jeito que a gente espera quando a gente relê uma história; sempre tenho uma percepção diferente do que escrevi. E a minha principal dúvida era justamente em relação ao anacronismo da história, que me deixava sempre encucada. Quero dizer, não que eu tenha lido muitas histórias nesse site, mas acabei não me deparando com nenhuma que misturasse elementos de épocas diferentes, e não sei que tipo de recepção esse tema tem junto ao público.
Bom, vou deixar de conversa mole e revisar mais um capítulo! Espero que continuem acompanhando, porque ainda tem muita coisa para acontecer nessa história!
Ah, e não se acanhem em apontar os erros, porque apesar de ter revisado umas duas vezes, acabei mudando algumas frases na última revisão, então sempre pode acabar passando um errinho de concordância, uma vírgula fora do lugar ou uma palavra repetida. Até o próximo capítulo!



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