Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 24
Do reencontro


Notas iniciais do capítulo

Lionor está de volta, e eu também. Quase não tenho o que dizer nas notas de hoje, mas certamente não é porque o capítulo não tenha nada para ser comentado, e sim porque estou assistindo um filminho enquanto posto.
É um capitulo de conversa, mas é uma conversa importante, apesar de não parecer a princípio. E veremos mais um dos talentos do rei Miguel. Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/473021/chapter/24

A mesa de madeira havia sido colocada no jardim, em frente às roseiras, e o vento derrubava as migalhas das torradas e bolos bem no colo de Nina, que ficava de pé e sacudia as saias. Lionor amava as tardes tomando chá na Casa do Lago, mas havia momentos em que o vento erguia a toalha da mesa, derrubando até mesmo as jarras de metal com leite fresco. As criadas corriam para que as irmãs não se molhassem.

– Quer dizer que bateu nele na frente de uma arquibancada lotada? – Nina se divertiu com a ideia.

Lionor concordou, acenando com a cabeça. Já havia contado aquela história mais de uma vez, o que era um deleite para a irmã.

– E agora?

– Agora o que? Quer dizer... se ainda somos noivos? – a garota se sentiu confusa – Bem, eu voltei para casa dizendo que ia terminar o noivado, e a nossa compreensiva mãe me disse para voltar ao castelo e pedir perdão a Nigel, pois eu jamais iria conseguir um pretendente bem nascido, rico e fiel porque não sou nobre e sou magra que nem um palito, e que eu deveria me contentar com um rico e infiel, porque morar no castelo com um marido bonito de baixo nascimento era melhor que ficar solteira morando na casa dela.

A criada encheu as xícaras com um aromático chá morno. Lionor levou a bebida aos lábios, soprando levemente antes de beber.

– Bem, Lionor... não vou mentir... sempre pensei como a mamãe. – confessou Nina – Mas não sou a pessoa mais adequada para te aconselhar sobre este assunto. Sabe que eu tenho uma certa antipatia por Nigel. Ele demonstrou ser agressivo e mentiroso no passado. Espero que ele seja bom, gentil e sincero para você. Mas você não disse se voltou e pediu perdão por tê-lo esmurrado.

– Não o vejo desde então. Saí da casa da mamãe e vim direto para cá. Hermes me disse que não se pede perdão pelo que aconteceu na arena, pois quem luta aprende a não levar para o lado pessoal. Ele é que me deve perdão pelas suas mentiras.

Os dias na Casa do Lago eram perfeitos, mas Lionor esperava, todos os dias, que Nigel aparecesse para buscá-la como fizera da outra vez. E ele não veio no dia seguinte, nem no outro. E três dias depois de ter chegado à casa da irmã, foi intimada a retornar ao palácio, a fim de fazer parte da empreitada de caça aos dois fugitivos da fortaleza.

Foi chamada à presença do rei assim que chegou. Sentia o coração apertado, e não o encarou quando o cumprimentou com uma formal reverência.

– Lionor – ele disse, à guisa de cumprimento – Foi fantástica na arena. Não era medíocre como eu pensei. Gostei de me surpreender.

– Contento-me de ter agradado a Vossa Majestade e divertido o público.

– Foi muito mais que divertido. Foi uma bela demonstração de vigor e força de onde apenas se esperava delicadeza.

Ela agradeceu. Estavam na sala do trono, mas ele estava em pé, sem a coroa enterrada em sua cabeça. Andava lentamente pela sala enquanto falava.

– O que vai fazer a partir de agora não é uma simulação nem um jogo. Vai enfrentar perigos reais. Se não se sentir preparada para isso, fique à vontade para pedir que eu a dispense. Não a obrigarei.

Por um momento, ela quase desejou pedir que a dispensasse. Não se imaginava ao lado de Nigel caçando criminosos, não enquanto estivessem brigados. Mas uma desavença de casal jamais deveria interferir em problemas sérios do reino.

– Eu irei cumprir o meu papel se Vossa Graça assim o desejar.

O rei a olhou dos pés a cabeça, e depois rodeou-a, a mão no queixo e um único olho quase fechado, como se a examinasse. Parou atrás da garota e segurou-lhe os cabelos.

– Já tive os cabelos longos como os seus – ele prendeu as longas madeixas entre os dedos e as puxou. Surpresa, Lionor quase caiu para trás, e recompôs-se enquanto ele continuava – Cabelos longos são armadilhas para desavisados. Hermes nunca lhe disse isso?

– Nunca houve necessidade.

– Pois bem, quando eu tinha cerca de treze anos, Hermes estava treinando comigo e resolveu que seria interessante me arrastar pelo descampado puxando-me pelo cabelo. Queria que eu mostrasse como poderia me desvencilhar.

– E como o fez, Majestade?

Ele dividiu o cabelo de Lionor e mechas e começou a trançá-lo, enquanto continuava a falar.

– O pai de Alonzo quis me dar a brilhante ideia de cortar o cabelo com um punhal, mas a minha lâmina tinha o fio horrivelmente gasto. E a espada... acredite, quando há um oponente às suas costas puxando-lhe pelo cabelo, é impossível achar uma posição para cortá-lo com uma espada. Espadas não foram feitas para isso.

– Teria sido uma lástima cortar o cabelo por causa de um treinamento – observou Lionor. Quando percebeu a trança que Miguel fazia, ficou surpresa – Como aprendeu?

– Tenho uma irmã mais nova – ele lembrou-lhe.

Ao final, enrolou a longa trança em volta da cabeça da garota e fez com que desse uma volta pela sala a fim de mostrar o resultado final. Lionor não conseguiu evitar o sorriso que nasceu em seus lábios, ao parar de rodopiar e ver que o rei também a fitava.

– Está aborrecida comigo por causa do que lhe disse no torneio, Lionor? – havia uma leve preocupação em sua voz.

A garota foi polida ao responder.

– Não, Majestade. Jamais ficaria aborrecida com suas palavras, sabendo que todas as críticas que me dirigiu foram para o meu bem.

– Uma resposta sábia, porém não sincera. – ele sacudiu os ombros – Sente-se, mandarei chamar os seus companheiros.

Apontou uma cadeira de madeira, ricamente trabalhada em detalhes esculpidos e pintados em dourado. Lionor acomodou-se, as mãos repousando em seu colo e as costas eretas. Era dolorosamente incômodo agir como uma dama; a cadeira era demasiadamente desconfortável, mas havia sido educada durante toda a vida para jamais curvar as costas ao se sentar. Prestar atenção na própria postura a deixava tensa, quase preocupada, mas tentou manter uma expressão natural no rosto. Miguel pareceu achar engraçado.

– É tão séria, Lionor.

– Desculpe-me, majestade – ela não havia prestado atenção.

Permaneceram calados por algum tempo, e a garota começou a se sentir constrangida. Miguel se sentou ao seu lado e começou a tamborilar os dedos na mesa, inquieto.

– Seus companheiros estão atrasados.

Ela não respondeu, limitando-se a concordar com a cabeça. Teria adiado a chegada deles por mais tempo, se dependesse de sua vontade. Não saberia como agir quando reencontrasse Nigel. Não via o noivo desde que o esmurrara na arena e, por centenas de milhares de vezes, ensaiara o que diria ao vê-lo, ou tentara prever o que ele diria ao encontrá-la. Fechou os olhos, nervosa. Deveria ter se encontrado com ele a sós, para que conversassem antes de partirem em missão. Mas era tarde demais, e o mensageiro acabava de retornar com ele, acompanhado de Hermes. Ela fitou a toalha bordada da mesa para não encará-los.

– Majestade – Nigel não se sentou, nem mesmo se aproximou da mesa.

Ainda que não houvesse voltado o rosto na direção dos recém-chegados, Lionor podia sentir o olhar de Nigel sobre ela. Virou-se lentamente para o encarar mas, antes que o fizesse, Hermes se sentou ao seu lado e bloqueou sua visão. Ele me ignorou, pensou a garota, aflita. Sentiu uma vontade quase irresistível de se levantar e sair, mas jamais poderia ser tão imatura novamente; estava em uma reunião com o rei, para tratar de assuntos muito mais importantes que seu noivado.

– Por que não se senta? – Miguel perguntou a Nigel, apontando a cadeira vazia ao seu lado.

– Passarei quatro horas sentado sobre um cavalo – ele respondeu, sem se mover. – A propósito, não é mais necessário mandar um grupo tão grande para procurar Wilhem. Tenho um informante que sabe onde ele está. Preciso somente de um escudeiro, e de dois arqueiros.

Lionor fechou o punho sobre a mesa. O próprio rei a designara para caçar Wilhem e Claire juntamente com Nigel e uma pequena comitiva. E agora Nigel a dispensara, sem a ordem ou a permissão do rei.

– Na verdade, para procurar o garoto e a irmã dele – corrigiu Hermes – Não se esqueça de que terá que enfrentar duas pessoas com armas de fogo. Também deve se lembrar de que Lionor também foi designada para esta missão.

– Mas não é necessário e nem prudente que ela vá – falou como se a garota não estivesse presente – Não vai poder se defender de uma bala com os punhos . Além disso, segundo as informações que recebi, apenas o garoto participou do assassinato dos guardas. É ele que estamos procurando. Não vamos precisar nos preocupar com a menina.

Não suportando mais ignorar aquela conversa, Lionor se levantou bruscamente, o rosto queimando de raiva.

– Não acredito que esteja defendendo aquela garota que te acusou de estupro.

– Não estou defendendo ninguém, Lionor – Nigel virou-se para a garota, e havia mágoa em sua voz – Mas você não sabe nada do que se passou naquela fortaleza. Andei investigando e coletando informações. Ou pensou que partiríamos pela estrada às cegas caçando pessoas como quem caça animais, arriscando-nos a receber um tiro e morrer?

– O que sei é que quer que ele pague sozinho pelo crime dos dois! – e olhou para Hermes, desejando desesperadamente que ele a apoiasse e concordasse com ela, mas ele limitava-se a assistir calado – Quem pode garantir que seja verdade o que seu informante te disse?

Foi a vez de Miguel se levantar tão bruscamente quanto Lionor.

– Chega – interrompeu, impaciente – Não os chamei aqui para presenciar uma briga de casal. Eu tenho um reino para governar e um filho para cuidar. Se eu perdi meu tempo cuidando pessoalmente do mandato de execução de dois criminosos comuns, é porque foram nossos guardas que eles mataram, e com um tipo de arma que é proibido em nosso reino. Peço-lhes que tratem o assunto com seriedade, mas agem como crianças! Eu deveria afastar os dois da missão, como eu disse que faria.

Sentindo-se injustiçada, Lionor baixou a cabeça e se desculpou. Nigel continuou a escutar o rei sem se mover, com uma certa petulância no olhar.

– Deveria afastá-los – repetiu o rei – Mas vou deixar a decisão com Hermes. O que ele decidir, terão que acatar, como se a ordem partisse do próprio rei. Está bem assim?

Os dois assentiram, e Miguel deixou a sala do trono. Mesmo depois que as portas se fecharam atrás do rei, Nigel continuava olhando na direção da saída.

– Por que nos pergunta se está bem assim, se sempre será feita a vontade dele? – indagou, insolente. E virou-se para Lionor – Sua tola, eu estava tentando te proteger. Não quero que se arrisque.

Antes que Lionor respondesse, Hermes se levantou.

– Nenhum dos dois está preparado para enfrentar um inimigo com armas de fogo. Exceto eu. Havíamos sido designados para outra missão, muito mais simples, no início. Mas agora, o que eu decidir, terão que acatar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não percam os próximos capítulos. Continuaremos com Lionor, Hermes e Nigel, no início de sua nova missão, caçando Claire e Wilhem. Até mais!