A Última Filha de Perséfone escrita por Miss Jackson


Capítulo 15
Hécate devolve minha memória




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Quanto tempo se passou desde que eu e Nico havíamos mergulhado nas sombras? Um minuto? Uma hora? Dez horas? Eu não sabia, mas tudo pareceu se passar em um minuto e, ao mesmo tempo, mais de dez horas.

– O que achou da viagem? – perguntou Nico assim que saímos da sombra. Eu deveria estar com uma aparência péssima, porque Nico me olhou com um ar de preocupação. – Ei, tudo bem com você?

– Sensação péssima – respondi simplesmente, sentindo um gosto metálico na boca.

– Isso já responde minhas perguntas – ele sorriu.

– Cara, eu estou morrendo de fome.

Nós dois olhamos em volta, nem havíamos notado que as sombras haviam nos deixado em uma rua meio vazia, parecia até mesmo abandonada, assim como as redondezas. Me senti em um cenário de filmes de terror, ou simplesmente de filmes com alienígenas.

– Está noite, devíamos ficar em uma dessas casas – sugeri. – Sabe, cama, talvez comida, um pouco de aconchego...

Quando eu vi Nico já estava entrando em uma casa. Corri atrás dele. Arrebentei minha pulseira e ele desembainhou sua espada, no caso de encontrarmos alguns moradores (lê-se monstros) desagradáveis na casa, e entramos.

Era uma casa até bonita, nem parecia que havia sido abandonada. Tinha uma decoração meio antigo, e também tinha basicamente tudo, do necessário ao desnecessário.

– Queria morar em uma casa assim – comentei assim que eu e Nico terminamos de verificar a casa, enquanto procurávamos comidas com a validade ainda não vencida.

– Um dia você morará – disse Nico com a cabeça mergulhada na geladeira. Eu ri.

– Tire sua cabeça daí e procure as coisas de forma mais decente, Nico – disse eu, revirando um armário. – ACHEI!

Nico bateu a cabeça na geladeira, xingou em grego antigo e depois me olhou, na expectativa.

– Molho de tomate – ergui um pacote de molho de tomate não-vencido, sendo obrigada a rir da expressão de Nico. – Outch, Nico, é alguma coisa.

Ele bufou.

– Quase quebrei a minha cabeça por um molho de tomate?! – perguntou ele, indignado.

– Ninguém mandou você procurar as coisas de forma indecente – dei de ombros, colocando o molho de tomate em cima da mesa e voltando a procurar comida. – Pelo menos fique feliz, você vai dormir sozinho em uma cama hoje.

– Mas não há outras camas por aqui a não ser aquela de casal, onde você vai dormir? – perguntou Nico.

– Eu sou uma loba – sorri, mesmo sabendo que Nico não veria meu sorriso.

– Ah.

No fim acabamos achando um molho de tomate, arroz, pães, frango e queijo. Recolhemos todas as coisas usáveis da casa e guardamos em duas mochilas que achamos jogadas nos cantos. Conseguimos até mesmo tomar um banho de água quente, cara.

– Eu moraria aqui numa boa – me sentei ao lado de Nico na cama, fazendo as palavras cruzadas que eu havia encontrado no quarto.

– Eu também – concordou ele, espiando minhas palavras cruzadas. – Pena que estamos em missão.

– Pois é – suspirei, depois xinguei. – Droga, escrevi a palavra errada!

Nico riu.

– Dá isso aqui – ele tirou as palavras cruzadas e a caneta das minhas mãos, começando a fazê-las. Revirei os olhos. – E se eu fosse você dormia aqui na cama, nem que em sua forma de loba.

– Então me devolve as palavras cruzadas.

– Não, vamos dormir.

– Chato.

Ele colocou as coisas no criado-mudo ao lado da cama e apagou a luz do abajour. Me transformei em loba e me aconcheguei ao lado dele.

– Anddie – chamou ele, eu gani em resposta. – Pode se transformar em humana, por favor?

Me transformei em humana.

– O que você quer, Nico?

– Posso te abraçar?

Fiquei em silêncio por um tempo, depois respondi:

– Pode.

Me virei para o lado e senti os braços de Nico envolvendo minha cintura e me aproximando mais dele. Eu sorri.

– Boa noite, Ghost King.

– Boa noite, Flower Queen.

– Flower Queen? Cara – ri.

– Rainha das Flores, “cara” – ele imitou minha voz na parte do “cara”. – Agora dorme.

– Você fica ridículo quando está me imitando.

– Andrômeda, dorme.

. . .

Eu estava em uma sala, mas uma sala vazia. Era como se eu estivesse flutuando no meio do nada. Também estava sozinha, até o momento em que uma figura pálida de uma mulher apareceu na minha frente. Não, na minha direita. Não, esquerda. Não! Eram três imagens esfumaçadas que se moviam sincronizadas na minha direção. Suas formas eram feitas de névoa. Finalmente as formas se fundiram em apenas uma única mulher. Era uma jovem que usava um vestido escuro sem mangas. O cabelo dourado estava preso em um rabo de cavalo alto. O cabelo era tão sedoso que parecia ondular, como se o tecido fosse tinta escorrendo de seus ombros. A mulher não parecia ter mais de vinte anos, mas eu sabia, qualquer um saberia, que a aparência não iria dizer nada.

– Andrômeda Walter – disse a mulher.

Ela era linda e muito pálida. Os olhos completamente negros me deixaram nervosa.

– Sim – assenti, desconfiada. – Quem é você?

– Hécate – sorriu a mulher. – Deusa da magia, a deusa que sempre esteve ao seu lado.

Eu tinha uma deusa que estava ao meu lado, cara.

Duas formas surgiram da terra, como as plantas que eu conseguia fazer brotarem do chão. Lentamente elas foram tomando formas de animais. Um cão preto e uma doninha.

O cão preto rosnou para mim, como se dissesse: “Alerta! Semideusa extremamente lerda e perigosa detectada!” Não que eu me achasse perigosa, mas era simplesmente estranho ter a maioria dos deuses me odiando porque 1) Hades com certeza havia os convencido e 2) eu estava apaixonada pelo filho de Hades, justamente aquele que deveria ser meu inimigo, e na verdade era meu melhor amigo. Legal, fera.

– Essa é Gale – disse Hécate, apontando para a doninha. – E ela não é uma doninha, é um tourão. Costumava ser uma desagradável bruxa humana que cuidava muito mal da higiene pessoal, alé de ter muitos... Problemas digestivos – Apontou para o labrador. – E essa é Hécuba, ex-rainha de Troia.

Gale emitiu um ruído de seu traseiro. Acho que em outras situações teria sido engraçado ver uma doninha (tourão, tanto faz) soltando gases.

– Você transformou uma bruxa em um tourão e a ex-rainha de Troia em uma cadela – comentei. – Uau, cara.

Hécate sorriu, como se estivesse orgulhosa consigo mesma, mas seu sorriso desapareceu logo em seguida, e Gale chiou.

– Sim, Gale – assentiu Hécate. – Não temos tempo para apresentações, você acordará logo, logo, e se continuarmos assim você vai acordar e eu não vou ter feito o que teria que fazer.

– Fale o que você quer, hm, senhora Hécate – gesticulei com as mãos, incentivando-a a falar. Hécate moveu os braços e três portais surgiram: Um portal ao seu lado (na minha frente), um portal na esquerda e um na direita. No portal da frente surgiu uma imagem de Nico, e eu quase caí para trás quando a vi com mais clareza. Nico estava caído nos braços de uma garota (que, por acaso, era eu), sangrando, estava mais pálido do que o normal e ele estava com os olhos fechados, não conseguia ver sua barriga se movendo, que seria um sinal de que ele estaria respirando. Eu estava chorando.

– Essa imagem – começou Hécate, apontando para a imagem da frente. – É a primeira escolha, coisa que obviamente você não faria nem se estivesse bêbada. Nico di Ângelo, o amor da sua vida, morto por uma manticore. Preste bem atenção, Andrômeda, essa parte dependerá apenas de você, e ela será a chave para as próximas duas escolhas, você será obrigada a passar por ela, está na profecia. Sei que é errado eu estar dizendo isso, mas o laço da profecia não é de amizade, é o laço de amor. Na hora você perceberá o que marca o início do amor. – Ela fez uma pausa, limpou a garganta e continuou: – A segunda imagem...

A segunda imagem, no portal da direita, era eu, apenas eu e centenas de monstros ao meu redor. Eu estava em um lugar horrível, poderia facilmente considerado o próprio Tártaro. Meu rosto estava cheio de feridas, e meus olhos estavam marejados e inchados, sinal de que eu havia chorado muito. Era possível ver que eu acabaria morrendo, pois já estava sem forças, e era eu contra centenas de monstros.

– ... É a escolha que você deverá tomar após a primeira.

– Escolha? – perguntei. – Que escolha eu terei que fazer?

– Você verá, mas não é nada fácil – respondeu ela rapidamente, e apontou para a terceira imagem, no portal da esquerda. – Agora, a terceira imagem...

Era eu, já adulta, com Nico ao meu lado, adulto também. Eu estava segurando no colo uma criança de um ano. Cabelos negros e olhos cor de âmbar. Era uma menina. Tinha as feições de Nico no rosto, e era muito risonha. Tanto eu quanto Nico sorríamos mais.

– ...É a última escolha, que você terá que fazer caso não faça a da segunda imagem. Sim, Andrômeda, parece bonito e fácil, você jamais escolheria a segunda imagem, eu sei disso, mas quando chegar a hora das escolhas você verá que o que leva à segunda imagem é muito mais fácil do que o que leva à terceira.

Hécuba rosnou.

– Sim, Hécuba, estamos acabando – suspirou Hécate. Eu estava simplesmente quieta, paralizada. – Agora eu devo fazer uma coisa que eu já devia ter feito faz tempo. Devolver sua memória.

Eu engasguei com a própria saliva, depois comecei a rir.

– Sério?! – perguntei. – Minha memória dos dez anos pra baixo?!

– Sim – assentiu Hécate, logo em seguida ela passou uma mão pela minha cabeça e uma terrível tontura me invadiu, várias imagens que eu não me lembrava – como se tivessem sido tiradas das partes mais fundas da minha memória – passaram rapidamente pela minha cabeça. – Sua memória está voltando. Agora adeus, Andrômeda, e lembre-se: O que marca o início do amor? Você está em uma encruzilhada, Andrômeda, e quando chegar a hora você terá que se decidir, e não poderá voltar atrás.


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