Álcool, Shirley e rock n' roll escrita por AnaMM


Capítulo 1
Miss Esperança


Notas iniciais do capítulo

Estou lançando antes da novela para que o que aparecer em cena não atrapalhe o andamento da leitura e a construção interna do leitor quanto aos personagens dessa fic.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/466629/chapter/1

Anos 90, Esperança, Goiás.

Lá estava ela... Miss Esperança. A falta de surpresa estampava o rosto irônico de Felipe. Shirley Soares era a mais bonita da cidade, com certeza, desde pequena. Se não a conhecesse tão bem...

Haviam crescido juntos, embora suas famílias fossem rivais. Shirley era a melhor amiga de sua irmã, Helena. Não tinha como fugir. Convivia com a nova miss desde quando ainda odiavam o sexo oposto, ainda que se dessem relativamente bem. Eram bastante próximos e foram ficando ainda mais unidos conforme Helena se interessava por Laerte. Ver sua irmã correr atrás do flautista, ainda que abandonasse Felipe, não o incomodava. Perceber que Shirley também estava interessada no jovem músico, no entanto... Talvez fosse o distante incômodo que sentia quando estava perto da garota, que não sabia definir como bom ou ruim, que o perturbasse. Estava quase terminando o colégio e ainda não compreendia seu desgosto em ver Shirley se aproximar de Laerte. Era ciúme pela irmã, de certo. Naquela época criara a convicção de que seu incômodo era porque Shirley parecia estar competindo com Helena, afinal, que outro motivo teria por trás de seu desconforto?

Porque percebera as intenções da agora miss Esperança com o garoto de quem sua irmã gostava, Felipe passou a ver Shirley com outros olhos. Sua antiga amizade fora desconstruída aos poucos, conforme desconfiava da melhor amiga de Helena. Não sabia se era implicância, ou simplesmente sexto sentido masculino, se é que existia, mas Shirley de fato o incomodava. O ar altivo, esnobe, falso... Seria uma ilusão?

- Você não vai cumprimentar a nova Miss Esperança, Felipinho? - Cobrou uma debochada Shirley à sua frente.

- Por que você não procura o Laerte? É ele o súdito que lhe interessa, vossa majestade. - Felipe retrucou em falso ar de respeito.

- Felipe, nem esses óculos ultrapassados escondem o seu recalque. O que você tem contra mim, hein? O filhinho do papai não pode ser amigo de alguém da família rival, é isso? - Shirley zombou em tom infantil.

- Não sei, talvez o fato de você abertamente dar em cima do cara de quem a minha irmã, sua melhor amiga, gosta?

- Quem está falando que eu sou fura-olho é você. Euzinha jamais olhei pro Laerte, meu bem.

- Com licença. - Felipe murmurou irritado.

Não engolia a falsidade de Shirley. Precisava abrir os olhos da irmã o quanto antes. Encontrou-a alguns metros adiante.

- Ei! - Helena chamou, abraçando-o. - O senhor pode me explicar por que daqui parecia que você e a Shirley estavam brigando de novo? Vocês eram amigos, lembra?

- Isso foi há muito tempo, irmãzinha, e eu tenho os meus motivos. Só não tenho como provar ainda.

- Não viaja, nerd! - Helena riu. Seu irmão tinha cada ideia...

- Faça como quiser, eu preciso estudar.

- No feriado? Só você, mesmo, Felipe! Pelo menos estudando você para de implicância com a minha melhor amiga!

- Helena...

Ao longe, Felipe viu Shirley se exibir para Laerte, que tentava escapar.

- Esquece. Eu vou pra casa.

Conforme Felipe se afastava, Laerte se aproximava de Helena. O garoto de cachos olhou para trás uma última vez, vendo o casal conversando ao lado de um carro. Estavam prestes a sair dali juntos, como há muitos anos haviam feito durante um desfile. Apoiava a relação da irmã. Seu primo parecia meio exagerado em relação ao que sentia, mas gostava de verdade de Helena.

-$-

A casa estava vazia, podia escutar cada passo seu sobre a madeira. Seus pés, mais uma vez, o guiavam até a cozinha. Tinha refrigerante na geladeira. Ótimo. Pegou a pequena garrafa que trazia na bolsa e misturou seu conteúdo com o líquido. Um terço de refrigerante, dois de vodka. Precisava esquecer suas desconfianças, sua ilusão. Shirley era amiga de sua irmã desde criança, não podia ser acusada pela consciência de Felipe daquela maneira. Estava sendo consumido pela impressão de vê-la, desde pequena, seguindo Laerte onde ia. Era admiração pelo garoto mais velho, apenas. Não queria roubar o namorado de Helena, Felipe estava alucinando.

Alguns copos a mais, e a suposta ilusão mesclou-se com reinos inexistentes onde piratas invadiam castelos de espinhos e eram derrotados por bolhas roxas como sua bebida. A cada gole, Shirley tornava-se tão real quanto os monstros que o atacavam e seus trabalhos de biologia que ganhavam vida. Passos cegos o levaram até a piscina. Era límpida, era líquida e estava cada vez mais próxima.

- Felipe!

Estava prestes a cair, quando Clara o puxou para si.

- Shirley?!

- Não, sua irmã! Você andou bebendo de novo? - Cobrou.

- Só um pouquinho. - Respondeu mostrando o indicador e o polegar.

- Senta aí. - Empurrou o irmão para a cadeira de praia. - Por que você chamou pela Shirley? - Clara perguntou confusa.

- Eu? Eu... Porque... - Felipe tentava voltar à realidade.

- Porque eu estou bem aqui. - Ouviram a voz da miss. - Será que você pode me deixar a sós com o seu irmão, Clarinha? Obrigada. - Shirley cobrou, simpática como sempre, de braços cruzados.

Clara olhou do irmão para a miss tentando entender o que acontecia. Vencida, deu de ombros e se retirou. Jamais os entenderia.

- Bebendo de novo? Que surpresa... Você é patético, Felipe.

- A cobrinha resolveu se revelar, é? - Felipe questionou se aproximando cambaleante. - Você fede, miss vadia. - Sussurrou no ouvido de Shirley.

Irritada, Shirley segurou o queixo de Felipe a centímetros de seu rosto.

- Você é tão nerd que não consegue nem xingar direito. - Pronunciou bem cada sílaba, provocante. - Você é tão pouco homem que treme só de me apontar o dedo. Relaxa, Felipinho, em poucas horas você vai esquecer do que está acontecendo aqui e vai poder recuperar a dignidade. Você é um frouxo inofensivo. Agora sai da minha frente que quem está fedendo é você, com esse bafo de álcool.

Felipe não sabia o que estava fazendo. A mão de Shirley puxando seu rosto o deixava a centímetros da boca que proferia aquelas palavras de desprezo, e, a cada palavra, os dedos da miss apertavam contra sua pele, suas unhas quase o ferindo. Sentia dor, raiva, impotência e... Algo que não conseguia decifrar. Não sabia se era Shirley que o puxava, ou se projetava por conta própria seu rosto em direção ao dela, mas sentia-se aproximar cada vez mais. Ao invés de afastá-lo, o desprezo em cada palavra o atraía para mais perto de quem o atacava. Queria poder responder, mas não encontrava expressões suficientes para a raiva que sentia de Shirley naquele momento. Jamais bateria em uma mulher, embora sentisse vontade. Então, como se fosse mordê-la, projetando o rosto para atacá-la fosse como fosse, Felipe fez o que nenhum dos dois esperava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e que sigam acompanhando :) agradeço comentários :)