A semana acabou, o fim de semana passou e logo já era segunda de novo. Falei com a coordenadora da seção de ensino e ela me inscreveu na tal prova pra Oxford. Ainda não estava certo se era isso mesmo que eu queria, ou se eu queria alguma coisa, na verdade, mas não dá pra desperdiçar as chances como se elas aparecessem aos montes na sua vida.

Nos outros dias da semana, eu fiquei me alternando entre estudar pra Oxford e passar a tarde na casa de Greg assistindo filmes. Ele estava realmente decidido a “trazer um pouco de cultura pra minha cabeça gigante”. Ao que parecia, ele tinha superado por completo o passado e tinha voltado a ser o Greg animado e irritante de sempre.

Essa rotina se repetiu por mais algumas semanas. Eu estava me tornando um especialista em cálculo e um grande fã de James Bond. Por mim, eu já tinha estudado o bastante, mas minha mãe não suportava me ver a toa, então eu era meio que obrigado a estar sempre resolvendo algum exercício. O pior era que Greg aparecia toda hora e eu queria dar atenção a ele, mas era obrigado a dispensá-lo inúmeras vezes.

“Não posso hoje, eu tenho que estudar.”

“Foi a mesma desculpa que você usou ontem.”

“Caramba, a prova é sábado agora. Será que você não consegue se desgrudar de mim nem por uma semana?”

“Eu não estou grudado em você, é que...” o telefone ficou mudo por uns segundos “A gente não vai mais se ver quando você for pra Oxford.”

“Se eu for pra Oxford...”

“Claro que você vai, só essa semana você já estudou mais do que eu em toda a minha vida escolar!”

“Eles vão cobrar matérias que eu não aprendi ainda, mas enfim, pare com essa carência. Arranje um passatempo ou uma...” parei.

“Uma namorada?” Greg suspirou e o silêncio ficou pesado “Tudo bem, a gente se fala depois.”

“Tchau.”

“Estuda direitinho, viu, Mike?”

“Sem apelidos! Mas será possível, eu já...” ele riu e desligou.

Voltei para a escrivaninha, mas logo tive que me levantar, pois o telefone tocou de novo.

“Greg, sua besta, me deixa estudar!”

“Mycroft, filho, é você?” Não era Greg. A ligação estava meio ruim, mas eu reconheci aquela voz na hora.

“Papai?! Ah meu Deus, quanto tempo!”

“Tudo bem com você, Sherly e sua mãe?”

“Sim, tudo certo por aqui. Você está bem? Já está voltando?”

“Era sobre isso que eu ia falar. A data estimada pra chegada do meu navio é em algum dia do mês de Julho. Se tudo der certo, eu vou chegar a tempo para o seu aniversário.”

“Pai, meu aniversário é em Junho.”

“Sério? Desde quando?”

“Desde que eu nasci, ora.”

“Ah, m-mas foi isso que eu disse, Junho! A ligação está meio ruim.” Ele tossiu. “Mas pois é, o navio só vai chegar em Julho. Você não vai ficar zangado, vai?” Demorei a responder. “Mike?”

“Não, hm, não mesmo.”

“Tem certeza? Não senti muita firmeza nessa resposta.”

“Claro, pai. Eu nem ligo muito pra aniversário.”

“Espero que você me perdoe, é que eu ando com tanta coisa na cabeça.”

“E é preciso deletar algumas informações de vez em quando, eu sei.”

“Alguma novidade?”

“Eu vou fazer um teste pra Oxford esse sábado.”

“O quê? A ligação está muito ruim.”

“Nada. Nenhuma novidade. Só volta logo, ok?”

“Não estou te ouvindo. Preciso desligar agora. Dê o recado pra sua mãe e cuide do seu irmão, viu?”

“Pode deixar.” Desliguei o telefone. Dei um longo suspiro. Eu entendo que os adultos tenham mil coisas na cabeça que eu só vou entender quando crescer, mas poxa vida, às vezes parece que ninguém mais se importa com ninguém.

Tentei voltar aos estudos, mas não estava conseguindo me concentrar, então fui pra cozinha fazer uma torta para me acalmar. Todos os ingredientes estavam ali, exceto pelo fermento. Peguei meu casaco, algum dinheiro e saí em direção ao mercado.

Até que para o fim do mês, o mercado estava bem cheio. Teria que ficar horas numa fila enorme só para comprar um bendito potinho de fermento, mas resolvi encarar. Eu precisava muito de uma torta.

O mercado era silencioso, por isso todo mundo olhava quando ouvia algum latido de cachorro ou algum barulho diferente. Naquela hora, o que fez todos se virarem foi alguém na minha fila que desandou a chorar. Olhei também e tive uma surpresa muito desagradável.

“Megan?!”

“Mycroft” ela falou cobrindo o rosto com as mãos “Não olha pra mim, vai embora.”

“O mercado é público e se você quer que as pessoas parem de olhar pra você, pare de chorar!”

Nisso, ela começou a chorar mais e mais ainda. Virei-me de novo para o sentido da fila, tentando absorver a minha raiva. Todos a minha volta fizeram o mesmo.

Depois fui ficando com mais raiva ainda, mas por outro motivo. Por mais que Megan fosse uma pessoa horrível, eu esperava que alguém fosse ajuda-la a parar de chorar, mas nada, todos agiam como se nada estivesse acontecendo. Não sei o que me deu. A sensação de inutilidade tomava conta de mim e eu só sabia que naquele minuto eu queria ser uma pessoa diferente, que se importa com os outros.

Eu ia me odiar por isso, mas larguei o fermento ali mesmo, peguei Megan pelo braço e saímos pela porta do mercado.

“Não faça isso na rua, é um papel ridículo até pra uma pessoa como você, ok?”

“Eu não me importo” ela falou entre soluços “nada mais importa.”

“O que houve com você, afinal?”

“Eu saí...” ela não conseguia continuar as frases. “Saí...”

“Tudo bem, calma. Vamos até minha casa, você bebe um copo d’água e depois a gente volta a se ignorar e se odiar pelo resto da vida.”