Acordo com uma enxaqueca terrível, abro os olhos a muito custo e a claridade do ambiente faz com que eles doam. O espelho na frente da cama reflete uma Isabelle com cara amassada e olhos inchados que tem um ninho de pássaro vermelho no lugar do cabelo.

Arrasto meu corpo da cama e vou ao banheiro. Tomo um banho demorado e feixes da noite anterior tomam conta dos meus pensamentos.

Eu estava deitada no sofá da casa de Gus quase dormindo quando John se aproximou de mim. Ele perguntou se eu queria que ele me levasse para casa e como eu não tinha opção melhor, já que as meninas tinha ido embora, aceitei. Percorremos o caminho em silêncio absoluto, chegamos a casa e eu subi correndo para meu quarto sem trocar uma palavra com ele.

Termino o banho e desço para tomar café-da-manhã, John está sentado à mesa desfrutando de um suco de laranja que minha garganta seca está implorando para tomar um gole.

Sento-me na cadeira ao seu lado, como sempre faço em todos os jantares, porém a distância entre nós nunca foi tão grande, cada um está no seu próprio mundo, perdido nos seus próprios pensamentos. O silêncio do ambiente é tamanho que é possível ouvir o vendo chacoalhando as folhas das palmeiras do jardim. Isso nunca aconteceu antes. Sempre conversávamos, por mais que fosse brigando, estávamos mantendo um diálogo, mas nessa manhã parece que alguma coisa mudou. Alguma coisa está diferente. Alguma coisa não, nós. Nós mudamos. Nós estamos diferentes. A pessoa sentada ao meu lado não é meu amigo de infância que brincava comigo todas as tardes, que eu observava jogar futebol enquanto eu desenhava. Isso dói. Dói saber que eu não tenho mais meu melhor amigo. Por mais que eu goste das meninas, eu nunca vou confiar nelas como eu confiava em John. Eu já deveria saber que um dia isso aconteceria, afinal nada é para sempre. As pessoas mudam. Eu mudei. John mudou. Nossa amizade mudou. Ontem foi a gota d’água. Eu sabia que John ficava com outras garotas e ele sabia que eu ficava com outros garotos, porém ver aquilo com os nossos olhos foi... terrível. Não existe outra palavra que possa descrever o que eu senti. Foi como se o único fio que ainda nos ligava tivesse sido cortado. Ele já estava gasto há um bom tempo, entretanto continuava lá, bem... até ontem. Talvez seja melhor assim. Talvez seja melhor esquecermos de vez um do outro. Assim eu não sofro imaginando que lá no fundo ainda existe esperança. Assim eu tenho a certeza de que tudo acabou. Eu quero me convencer disso. Quero mesmo. Mas minha vontade de reconstruir esse fio é maior que tudo. Quero reconstruí-lo e revesti-lo com cimento, ouro, prata, bronze, fita isolante, tudo. Para que ele não solte mais e eu tenha John para sempre ao meu lado, me dando apoio, me trazendo sorrisos, me olhando de um jeito que só ele consegue. E o pior de tudo é que eu sei que isso não vai acontecer. Sei que a única coisa que conseguirei é me furar com a agulha que vai tecer o fio.

Sirvo-me de suco e bebo-o todo de uma vez, torcendo para que ele desfaça o nó que está se fazendo em minha garganta. Não vou chorar. E pela primeira vez, essa frase é uma afirmação e não um desejo. Já não tenho mais lágrimas para derramar. Eu estou seca. Não vou demonstrar fraqueza, porque não sou fraca. Ontem a última peça da minha armadura foi posta e estou protegida. Protegida de demonstrar meus sentimentos ao mundo.

– Chega! – John exclama, olho para ele assustada. – Belle, hoje eu tinha decidido que seguiria em frente e te ignoraria.

– Você estava fazendo um bom trabalho há dez segundos.

– Deixe eu continuar. Mas eu percebi que é impossível. Eu sinto sua falta, falto do seu sorriso, falto dos seus abraços, falta das suas piadas sem graça, falta da sua teimosia, falta de quando você cismava com uma coisa e tentava me convencer de que estava certa, falta de ficar ao seu lado assistindo um romance mel com açúcar muito ruim, eu sinto falta de ser seu amigo. Quero ter isso de volta. Quero te ter de volta. Não sei o que eu fiz para você se afastar de mim, mas me desculpe de qualquer maneira. Fui um idiota por de dar motivos para você ir embora e fui mais idiota ainda em ter deixado você ir embora.

Fiquei sem palavras. Por sorte, meu corpo agiu por mim. Fui até ele e o abracei. Ficamos assim por um bom tempo. Nossos corpos se encaixavam de maneira natural.

– Isabelle Linton, você poderia me dar a honra de ser minha amiga novamente?

– Sim! – o abracei mais uma vez.

O fio que antes tinha sido rompido foi substituído por uma parede de gelo, mas agora eu tenho a certeza de que trabalharíamos duro para derretê-la. E o melhor: trabalharíamos juntos.