Além do Sangue escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 18
Carta


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura! Espero que gostem.



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Ao sair do dormitório com Madeleine e Nerida, Andrômeda logo avistou Norman sentado em uma das confortáveis poltronas do Salão Comunal, segurando pergaminho e pena e terminando de rabiscar um trabalho qualquer que já devia ter entregado na semana anterior.

Quando viu as garotas, no entanto, ele largou tudo sobre a mesa mais próxima e foi até elas. Nerida e Madeleine, já prevendo que não era com elas que ele queria falar, afastaram-se rapidamente, dizendo que estavam indo tomar café da manhã, e que eles se encontrariam em breve no Salão Principal.

Andrômeda assistiu-o chegar e parar na frente dela, seu rosto inexpressivo mostrando perfeitamente bem o quanto seus pensamentos estavam longe de Norman e até mesmo da aliança que ela tinha acabado de receber de presente de aniversário dele. Tudo o que pensava era no buquê de cravos sem assinatura que recebera – mesmo tendo-o deixado no quarto, parecia que ainda podia sentir o doce cheiro das flores.

– Andrômeda. – Ele mantinha um pequeno sorriso cínico – Gostou do anel?

– Achei-o adorável. – Respondeu, com a cortesia fria que tinha aprendido com os pais. Norman definitivamente não estava esperando por aquilo; devia estar querendo que ela ficasse desconfortável e infeliz como sempre que ele se aproximava, e ver que a reação dela foi a oposta fez seu sorrisinho sumir imediatamente.

– Ah, é? – Perguntou, agora também frio. – Então, por que não o está usando?

– É de profundo mal-gosto combinar uma joia de tamanho valor com um uniforme escolar, não acha?

– Você nunca pareceu ter problemas em usar qualquer outra joia com seu uniforme. – Retrucou Norman. Mas, ao perceber que tinha parecido uma criança reclamando, tratou de recuperar a tom que usava antes para prosseguir: – De qualquer forma, a pedra do anel é uma esmeralda justamente para representar a Sonserina.

– É mesmo? – Começou a caminhar em direção à saída do Salão Comunal. Ele foi com ela, mas só tornou a abrir a boca pouco antes de eles deixarem as masmorras:

– O anel que te dei foi a aliança de noivado que meu avô deu à minha avó, Andrômeda. E agora o dei para você com a mesma intenção.

Ele devia ter assumido que o motivo da indiferença dela era não ter compreendido as segundas intenções do presente. Enganava-se – Andrômeda tinha entendido que aquilo era um pedido indireto de casamento no momento em que vira o anel, mas só ouvir Norman contando aquilo em voz alta conseguiu fazer com que o efeito dos cravos deixasse sua mente por um instante.

– Escreverei para meus pais. – Foi tudo o que respondeu, mesmo que aquilo não fosse um “aceito” e tampouco um “não aceito”. Entendendo que ela escreveria para contar a novidade de que iam se casar, Norman deu-se por satisfeito, e eles foram tomar o café da manhã.

Mas quando Andrômeda separou pergaminho e pena para escrever uma carta, no intervalo entre o almoço e as aulas da tarde, nem ao menos pensava em seus pais, nem em nada além do buquê de cravos e de seu remetente misterioso.

Queria que fosse Ted, mas quais eram as chances daquilo? Ele não falava com ela havia mais de dois meses, e não lhe mandaria flores tão de repente. Podia ter sido qualquer descuidado que tivesse se esquecido de enviar um bilhete junto... Pela quantidade de professores e de outros alunos que tinha lhe felicitado por seu aniversário durante aquela manhã, muitos tinham se lembrado da data.

Parecia que, diferentemente do que ela pensara num primeiro momento, ter dezoito anos tinha sim um sabor diferente. Até o dia anterior, imaginara que nunca mais falaria com Ted, e que suas únicas opções eram tornar-se professora ou casar-se com Norman. Mas agora, tinha ganhado esperança no formato de belos cravos, esperança grande o suficiente para, apesar de suas dúvidas, começar a escrever no pergaminho, sem sequer colocar uma saudação no começo:

Se eu pudesse escrever tudo o que tenho a dizer em uma carta, garanto-lhe que não hesitaria em fazê-lo. Mas, com tantos meses de experiência, estou certa de que não é surpresa para você que isso é impossível.

Eu pensei muito sobre o que aconteceu, e vi que você estava completamente certo sobre tudo. E não posso culpá-lo por se afastar de mim depois daquilo... Para ser sincera, se eu pudesse, eu também me afastaria de mim mesma.

Sou uma sonserina, e não o sou por engano do Chapéu Seletor. Posso não ser como se espera das pessoas de minha casa em muitos aspectos, mas sou orgulhosa como qualquer um sonserino. Eu sempre vou tentar passar pelas coisas – por mais difícil que seja a situação em que me encontre – de queixo erguido.

Mas dessa vez eu não vou conseguir. Não sem você.

Por isso, deixo outra parte do meu orgulho para dizer: Desculpe. Estive errada em agir como que só pensando em mim, e não em nós. É uma pena que só tenha percebido – e, para ser sincera, compreendido – isso agora.

Por favor, não deixe esta carta sem resposta. Seja o que for que você tenha pensado nos últimos dois meses, mesmo que alguma coisa tenha mudado em relação ao que você sentia por mim, deixe-me saber.

De minha parte, tudo o que eu sentia apenas se fortaleceu.

Andrômeda também não assinou a mensagem, nem mesmo com um “Eu”, como fizera Ted nas cartas que mandara para ela durante as férias. Pretendera fazê-lo, mas o que colocaria antes? “Afetuosamente”? “Cordialmente”?

Decidiu que não faria diferença deixar sem assinatura. Ted saberia que era ela.

Colocou o pergaminho em um envelope e o lacrou. Só então viu o próximo desafio que teria pela frente: como entregaria? O castelo tinha olhos e ouvidos por toda a parte, não conseguiria ir até ele. A voz de Belatriz lendo a carta que Ted tinha enviado para ela no Natal veio à sua mente, e isso quase lhe deu vontade de rasgar o que tinha acabado de escrever em mil pedaços, para que não houvesse chance de algo do tipo acontecer novamente.

Mas Belatriz não está aqui. Consigo dar um jeito, tentou se convencer, e olhou em seu relógio para ver quanto tempo teria para resolver aquilo.

Assustou-se ao ver que não só não teria mais tempo algum como iria se atrasar para a próxima aula se não corresse. Escondeu a carta seguramente entre as páginas de seu exemplar de Um Guia de Transfiguração Avançada, enfiou o livro na bolsa e partiu.

Naquela tarde, a Sonserina teria uma aula de Runas Antigas, uma de Transfiguração e dupla de Poções. Andrômeda passou as duas primeiras procurando não pensar na carta – faltava apenas três meses para os N.I.E.M.s, ela não podia mais se dar ao luxo de perder um único segundo de aula com pensamentos paralelos – e estava a caminho da sala de aula de Poções quando encontrou em um corredor a resposta para seu problema: Sirius, indo para a próxima aula dele junto de seus amigos Tiago Potter, Remo Lupin e Pedro... Andrômeda não estava muito certa do sobrenome de Pedro. De qualquer forma, os quatro estavam indo na direção oposta à dela, conversando sobre alguma coisa aparentemente muito engraçada.

Andrômeda não podia entregar a carta pessoalmente para Ted, nem ao menos ficar a uma distância de menor que dez metros dele sem que as pessoas desconfiassem. Mas não havia nada de errado em falar com seu primo. Era sua única chance.

– Sirius! – Chamou, quando alcançou os meninos. Sirius virou-se para ela e acenou, com um sorriso.

– Drômeda! Feliz aniversário.

– Nós podemos conversar? Se estiver com medo de se atrasar para a aula, pode ser mais tarde...

O sorriso de Sirius diminuiu um pouco, mas não sumiu. Sabia que para Andrômeda querer se arriscar a se atrasar para uma aula, o assunto devia ser sério, e talvez tenha sido por isso que falou:

– Não, podemos falar agora. Sem problemas. – E, se virando para os amigos, continuou: – Continuem para a aula sem mim, já alcanço vocês.

Os três garotos concordaram e partiram – Remo Lupin, inclusive, também disse um “feliz aniversário” a Andrômeda ao passar por ela, que ela agradeceu distraidamente. Então, ela e Sirius viraram um corredor adjacente, onde não havia tantas pessoas quanto o que estavam anteriormente e então outro, que por sua vez estava completamente vazio como Andrômeda precisava.

Mesmo assim, ela teria preferido ir até um pouco mais longe, mas como não tinham tempo para aquilo naquele momento, achou melhor se resumir.

– O que foi, Andrômeda? – Perguntou Sirius no momento em pararam de andar.

De repente, ela percebeu o que iria fazer. Se pedisse aquilo para Sirius, ele descobriria sobre ela e Ted, e aquilo era, até então, um segredo apenas dos dois (não exatamente, mas pelo menos eles nunca tinham admitido para outra pessoa).

Hesitou por um momento, mexendo na alça da bolsa. Por outro lado, não podia esquecer que era Sirius com quem estava falando. Se não fosse nele, realmente não poderia confiar em mais ninguém – seu primo fazia de tudo para contrariar as ideias Black desde pequeno, e sempre fora seu primo favorito...

– Drômeda? – Ele chamou outra vez, já que ela estava parada sem falar nada já fazia alguns segundos. Aquilo a fez cair na realidade, e ela abriu sua bolsa, começando a vasculhá-la atrás de seu livro de Transfiguração. Como já tinha pensado antes, aquela era sua única chance. Não podia desperdiçá-la.

– Faria um favor para mim? – Perguntou, pegando o livro. Abriu-o e virou suas páginas rapidamente em busca da carta.

– Claro. O que é?

– Aqui. – Ela finalmente achou a carta, e a estendeu para ele. – Por favor, poderia entrar isso para...

– ... Ted Tonks, da Lufa-Lufa? – Completou. Andrômeda derrubou o seu Um Guia de Transfiguração Avançada, que segurava com a mão que não estava com a carta, quando precisou usar esta mão para tapar a boca de Sirius. Em seguida, olhou assustada para os lados, conferindo se ninguém estava perto para ouvir o que ele tinha dito.

– Como você sabe? – Sussurrou, então, olhando para ele com a testa franzida. Tirou a mão de sua boca, e a expressão dele queria dizer “todo mundo sabe”, embora ele tenha feito a gentileza de não responder. – Tudo bem... Tudo bem, é ele mesmo. Mas ninguém pode saber disso. Tem de me prometer que não vai contar nem para os seus amigos.

– Muito bem, prometo. – Falou, pegando a carta que ela lhe estendia e examinando o envelope. Andrômeda abaixou-se para pegar seu livro, que tinha caído aberto, e desamassou algumas páginas antes de fechá-lo outra vez e o colocá-lo dentro da bolsa.

– Mas não quero que você faça isso se você acha que terá problemas. – Avisou a ele, embora não soubesse o que faria se Sirius se recusasse. – Não é sua obrigação entregar a carta e não ficarei aborrecida se você não quiser, Sirius...

– Está brincado? – Ele a interrompeu, voltando a sorrir. Abriu a própria mochila e guardou a carta entre os livros e os pergaminhos. – Eu já estou esperando esse dia faz tempo, Drômeda.

– Quando eu ia admitir?

– Quando você ia entender. Você sabe, que há algumas coisas nesse mundo que são maiores que os Black, embora tentem nos ensinar o contrário. – Ele deu de ombros descontraidamente. – Fico feliz de entregar essa carta.

Andrômeda teve vontade de abraçá-lo, mas os minutos até a próxima aula de ambos passavam. Tinha de ser ainda mais breve.

– Como posso agradecê-lo?

– Não precisa. Já falei, é um prazer. – Sirius ajeitou a mochila nas costas. – Vou entregar a carta na hora do jantar, não se preocupe com nada. Agora é melhor eu me apressar para a aula de dormir...

– Aula de dormir? – Andrômeda franziu o cenho.

– Oficialmente conhecida como aula de História da Magia. – Ele piscou. – Até mais.

Andrômeda deixou que ele voltasse primeiro para o corredor onde eles estavam antes, só para garantir – não achava que havia algo de errado em falar com seu primo, mas alguém com a mente doentia de Norman podia tentar ligar os pontos. Assistiu Sirius se afastando, levando a carta com ele, e só começou a andar quando ele sumiu de sua vista.

Seu aniversário de dezoito anos podia ter um final feliz, pensou, justo quando ela achara que nada nunca mais o teria. Se Ted respondesse sua carta... Se tivesse sido ele mesmo a lhe enviar o buquê de cravos...

Pela primeira vez em semanas, Andrômeda se permitiu sorrir verdadeiramente.


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