Despertar escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 6
Capítulo 6




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Ruki encarou o amigo com uma expressão desalentada. À sua frente, Aoi estava quase debruçado sobre a mesa, sem um pingo de energia para sequer tentar parecer mais digno.

- Quando Kai me contou que vocês dormiram na mesma cama, achei que... – parou, sem saber direito como terminar a frase.

Aoi suspirou, olhando para fora pela janela.

- Eu não consegui disfarçar e acabei babando quando ele saiu do banho. – começou, baixo – Tenho certeza de que ele percebeu...

- Você disse alguma coisa?

- Não precisei, tinha um outdoor em neon na minha testa. – olhou o vocalista, desanimado – Eu cheguei a desejar que ele fosse tão tonto quanto parece, mas não tive essa sorte.

- Ele disse alguma coisa?

Aoi se endireitou e encarou o outro, sério.

- Ruki, o que achou que ele ia dizer, isso é, se ele fosse mesmo dizer alguma coisa?

O vocalista devolveu o olhar, encolhendo os ombros.

- Sei lá... se é como diz e ele percebeu seu.... “interesse”...

- Não sonha, Ruki! – o moreno ficou zangado com o amigo – Uruha tem me mantido à distância e eu não posso simplesmente forçar uma situação ou vou perder o pouco que tenho com ele.

- Então simplesmente dormiram lado a lado e nada? – Ruki pareceu inconformado.

O moreno lhe lançou um olhar exasperado.

- Como que já expliquei, saí do banho e ele já estava dormindo.

- Ainda sem camisa? – o leve sorriso malicioso de Ruki fez Aoi estreitar os olhos. O vocalista ergueu as mãos, vencido.

- Não, ele estava vestido. – o moreno olhou para fora de novo – E tenho que agradecer a ele por essa consideração.

- Talvez ele estivesse fingindo e esperando que você fizesse alguma coisa...

O olhar de Aoi se tornou glacial.

- Acredita mesmo nisso ou só está tirando uma com a minha cara?

Ruki percebeu que havia passado do limite e se endireitou.

- Desculpe, Aoi. Eu só queria que vocês dessem certo.

- Não dá para construir sobre ruínas. – a voz de Aoi denunciou a dor que estava sentindo – Eu tenho consciência de que não tenho mais a menor chance com ele. Estou feliz por ele me deixar chegar perto, mas não acredito que possa passar disso.

O conformismo de Aoi fez Ruki estreitar os olhos.

- Interessante dizer isso. Está dizendo que vai desistir?

- Eu não posso desistir de algo que nunca tive, Ruki. – o moreno rebateu, sério – E não se esqueça de que não tive por escolha própria.

Aoi acendeu um cigarro e olhou novamente para fora, absorto e Ruki o observou por alguns minutos.

- Ele te amava muito, Aoi, e eu não acredito que o sentimento tenha simplesmente morrido assim tão fácil.

- Eu o forcei a sufoca-lo, Ruki, e tudo o que é sufocado, morre lentamente. O tempo dele com Kovu demonstrou isso.

- Talvez não fosse tão sério...

- Era sério. – Aoi respondeu, com uma expressão carregada – Uruha nunca se envolveria com alguém a ponto de ir para a cama se não estivesse apaixonado.

Ruki baixou os olhos, desviando-os do moreno. – Isso é verdade.

- Pare de tentar ver o que não existe, Ruki. Eu não tenho o direito de pedir mais do que tenho e não vou fazer isso. Eu não tenho a coragem do Uruha.

Os dois ficaram em silêncio, pensativos. Apesar de querer fazer alguma coisa pelos amigos, Ruki não conseguiu pensar em nada. Olhou para o moreno e lamentou que ambos tivessem que passar por aquilo.

 

****

 

No meio da turnê, o cansaço dos músicos já era visível. Apesar do profissionalismo esconder os efeitos, Nadao-san percebeu que os rapazes estavam no limite de si mesmos. Por diversas vezes na passagem de som, Ruki perdeu a voz e teve que ser poupado para que pudesse fazer o show sem problemas, além disso, os outros músicos precisaram de massagens para aliviar a dor muscular causadas pelas horas de ensaios e shows. Apesar de conseguirem se apresentar com o mínimo de problemas possível, eles precisavam urgentemente de um final de semana para descansar, e rápido. Infelizmente a agenda de shows não permitiu que tivessem tanto tempo, mas Nadao-san providenciou o maior tempo possível, ou a turnê teria problemas quando se aproximassem do fim das apresentações.

Ruki quase chorou de alívio ao ouvir a novidade. É claro que não queria parar com a turnê, mas um descanso era sempre bem vindo.

- Ainda bem! Graças a Kami!! – sussurrou, aliviado.

Reita e Kai o olharam com um sorriso cansado.

- Por quanto tempo? – Kai perguntou, prático.

- Por hoje o resto do dia e amanhã. Eu providenciei um lugar para que descansem. – o empresário disse, incerto.

- Isso é ótimo, Nadao-san, espero que seja longe o suficiente. – Reita disse, agradecendo.

- Tudo bem para vocês? – o homem perguntou, virando-se para os guitarristas, silenciosos.

- Tudo bem por mim. – Uruha respondeu, sério.

- Para mim também. – Aoi completou, com um meio sorriso.

Nadao-san observou os dois por um momento, pensativo. Kai e Reita se entreolharam e Ruki não conteve a curiosidade.

- O que está pensando, Nadao-san?

Uruha ergueu os olhos e encarou o empresário, sem expressão nenhuma no rosto bonito. Aoi olhou dele para o mais velho, confuso. O homem suspirou e virou-se para Kai.

- É melhor pegarem suas coisas, depois uma van os levará para a casa que encontrei. Não se preocupem que mandarei busca-los amanhã à tarde.

Sem mais, despediu-se e saiu, sem olhar novamente para os guitarristas. Uruha encarou a porta com uma sobrancelha erguida, mas não disse nada. Aoi ficou um pouco constrangido com o olhar que recebeu de Reita e Kai, mas também ficou em silêncio.

Os músicos se separaram para pegar o que precisariam para o fim de semana. Assim que ficou sozinho com Uruha, o moreno se forçou a simplesmente separar o que queria, sem ficar observando muito o outro músico. Sabia que não conseguiria inventar uma desculpa plausível para seu olhar na noite anterior e preferiu manter distância.

O loiro, por sua vez, não pareceu que ia perguntar nada e simplesmente escolheu algumas peças e as colocou na mochila. Depois de alguns minutos, Uruha parou e ergueu o corpo. Tenso a seu lado, Aoi tentou não tremer por se saber observado.

- Aoi...

O coração do moreno pareceu saltar no peito e ele teve que engolir seco antes de ter coragem de erguer a cabeça e encarar o loiro. Na verdade, não conseguiu.

- Esquece.

Assim que ouviu a porta se fechar suavemente, o guitarrista finalmente se mexeu. Ergueu o corpo e respirou fundo, sentando-se. Passou a mão pelo rosto e notou que estavam suadas pela tensão do momento. Não notou quando a porta foi aberta de novo.

- Aoi?

O moreno deu um pulo e se pôs de pé, arregalando os olhos de susto. Kai ergueu a sobrancelha e entrou no quarto, preocupado.

- Aoi, o que aconteceu?

Demorou até que Aoi encontrasse voz para responder.

- Eu não sei... mas... – acariciou o pescoço, tenso. Kai se aproximou e o fez se sentar – Mas se foi por isso que ele passou, eu entendo o desespero... entendo mesmo... – respirou fundo para tentar se acalmar – É enlouquecedor...

Kai, abaixado na frente do guitarrista, segurou as mãos trêmulas.

- Não vou deixar mais que durmam juntos. – afirmou, baixo.

- Esse não é o problema. – Aoi respondeu, num fio de voz.

- Aoi... eu não sei o que mais posso fazer... – o líder estava desanimado e demonstrou isso.

- Não há nada a fazer. – o moreno rebateu, finalmente respirando mais calmamente – O problema não é dormir com ele, tocar com ele ou estar com ele... – Kai ergueu os olhos e encontrou os negros, tão desolados quanto os seus próprios. Aoi continuou – O problema é fazer tudo isso sabendo que ele me amava e eu não dei a menor a chance. E agora, numa piada cruel, estou no mesmo lugar que ele.

- Havia Akaya... – o baterista tentou ajudar.

- O que eu senti por ela não se compara, Kai. – Aoi respirou tão fundo que doeu no baterista – Não é nem sombra.

- Não tinha como saber que ia se apaixonar. – o líder se ergueu e sentou-se ao lado do amigo – Não se torture tanto.

- Eu não podia saber? – a risada saiu num tom um pouco histérico e Kai ficou chocado – Eu sabia que o achava lindo e nunca reclamei por me passar por namorado dele nos bares, lembra? Eu dormia com ele nos braços... – o moreno encarou os braços cobertos pela camisa, num esforço para não chorar – Ele estava aqui, Kai... – respirou fundo de novo – E eu o fiz ir embora.

O baterista não encontrou palavras, e achou melhor ficar quieto. Não havia o que dizer.

 

 

Saindo do hotel, Kai suspirou ao notar a postura derrotada do guitarrista moreno. Ergueu o olhar e viu Ruki erguer uma sobrancelha, mas simplesmente negou com a cabeça. Reita e Uruha estavam um pouco mais afastados, fumando em silêncio.

Aoi recusou a oferta de conversa de Ruki e sentou-se no fundo, colocando a mochila no colo. Não queria ver nem falar com ninguém, apesar de saber que sua atitude provocaria mais olhares. Fechou os olhos e simplesmente ficou quieto.

A conversa na van, durante a viagem, limitou-se a Kai, Reita e Uruha. Ruki ficou no fundo com Aoi e o baterista, ao lado de Uruha. Apesar da vontade dos músicos, a casa onde descansariam não era tão longe e para alívio do líder, havia quartos suficientes.

 

Na varanda de frente para o jardim, Aoi procurou descansar os músculos tensos.  Deu um sorriso cansado para Ruki, quando o pequeno se sentou na cadeira ao lado. De onde estavam, podiam ver Reita e Uruha jogando vídeo game, sentados no chão.

- E Kai? – o moreno perguntou, aliviado por um motivo para desviar os olhos.

- Dormindo. Checou os quartos e a comida e apagou. – o vocalista respondeu, com um meio sorriso.

- Queria poder fazer o mesmo... – Aoi murmurou, pensativo.

- Não descansou o suficiente, não é? – a pergunta soou compreensiva.

- Não. – depois de algum tempo, endireitou o corpo e abaixou a voz – Hoje, depois que fomos informados da folga, acho que ele queria falar comigo...

Ruki se inclinou, dando uma rápida olhada para os dois ainda entretidos com o jogo.

- O que ele disse?

Aoi encolheu os ombros – Acho que eu não incentivei muito... – mordeu o lábio e respirou fundo, encarando o amigo – Ele disse meu nome e não respondi... depois ele disse para esquecer.

- Porque não queria falar com ele? – o pequeno franziu a testa, confuso.

- Eu não sei. Não consegui responder nada nem olhar para ele. Acho que foi por isso que ele desistiu.

- Por isso Kai grudou em você?

- Eu perdi o controle. – Aoi olhou para os dois jogando – Se não fosse ele, eu não teria nem saído do quarto. – recostou-se, esticando as pernas – Estou tão cansado...

Ruki o encarou por alguns minutos.

- Nenhuma chance de conversar com ele?

Aoi ergueu um pouco a cabeça. – Fala sério...

- O que acha que pode acontecer? – havia uma real curiosidade na voz do pequeno.

- Ruki... – Aoi se endireitou de novo – Ele acabou de perder o namorado e sofreu um bocado. Tanto que quase sentimos a mesma dor dele... – riu sem vontade, erguendo as mãos – Como acha que eu posso sequer pensar...

- Mas o tempo passa, Aoi – Ruki rebateu, encarando o outro vivamente – Eu concordo que até pode ser cedo demais, mas não que seja proibido. – calou-se, pensativo – O que será que ele queria dizer a você?

- Não faço a menor idéia, mas se lembra que eu disse que achava que ele percebeu meu olhar?

O desconforto ficou perceptível na voz do mais velho, mas não tiveram tempo de terminar a conversa. Reita e Uruha terminaram o jogo e se aproximaram. Por alguns minutos terríveis, Aoi temeu suas próprias reações à proximidade do guitarrista loiro.

 

Kai ficou mais tranquilo. Quando acordou, encontrou os músicos conversando sobre alguns lançamentos musicais, jogados sobre as almofadas da varanda. Depois de um rápido olhar, percebeu que Aoi estava perto de Ruki, e não parecia tão tenso quanto de manhã. No fim da tarde, resolveram ir a um karaokê e se vestiram com o mais comum que puderam. O sucesso da banda e as fotos recentes nas revistas faziam com que não pudessem se produzir muito, se não quisessem ser reconhecidos.

Ruki se divertiu ao ver os outros cantando, mas ficou alerta quando percebeu que Aoi estava bebendo mais do que o costume. Diferente das outras vezes, foi ele e não Uruha que segurou um copo o tempo todo. Apesar de terem notado, apenas o guitarrista loiro comentou alguma coisa.

- Não acha que está exagerando, Aoi? – perguntou, estranhando a postura do mais velho.

Tudo o que recebeu em resposta foi um sorriso estranho e, para total surpresa de Uruha e dos outros, o moreno continuou bebendo.

Kai percebeu seu erro um minuto antes de se arrepender de não ter interferido. Aoi já estava completamente bêbado e, sem o controle das emoções, acabou chorando. Reita e Ruki se adiantaram para segura-lo e tentar faze-lo parar, mas o guitarrista simplesmente abraçou Uruha pela cintura, fazendo-os caírem sobre o sofá. Os outros músicos congelaram.

- Uru... me pe-perdoa... – pediu, escondendo o rosto no abdômen do loiro – Me perdoa por favor...

O loiro franziu a testa e tentou afastá-lo.

- Aoi, o que está dizendo? – tentou ergue-lo com a ajuda de Reita, mas não conseguiu.

- Eu... sou um idiota... idi... – apertou Uruha ainda mais, fazendo-o ofegar – Eu te... eu te...

Ruki arregalou os olhos e Kai empalideceu. Ambos tentaram tirar o moreno de cima de Uruha antes que ele dissesse alguma coisa da qual iria se arrepender depois, mas não foram rápidos o suficiente.

- Eu te forcei... me perdoa... – Aoi disse, esfregando o rosto na camisa já amarrotada do loiro – Eu... eu... te... eu te... amo tanto... aquele maldito do Kovu! S-se... eu odeio ele! Odeio! Que... bom que ele morreu... me perdoa... pe-perdoa... te mach... machuquei...

Reita não conseguiu encarar Uruha. Apesar da fala meio enrolada, todos entenderam perfeitamente o que Aoi tinha dito. O guitarrista moreno ainda chorava baixinho, abraçado a Uruha. Kai ergueu o olhar envergonhado e empalideceu ainda mais diante do brilho gelado nos olhos sempre claros.

- Eu... eu não queria... eu te... amo... não me odeie...

O baixista puxou Aoi com força, fazendo-o soltar o loiro, que não esperou para se levantar.

- Uruha... – Kai disse, estendendo a mão para tentar segura-lo.

- Espero lá fora.

A frase saiu seca. O guitarrista deixou a sala e Ruki quase gritou, frustrado. Aoi olhou de um para o outro, caindo no choro de novo.

- Ele... m-me odeia... eu...

Ficou clara a total falta de controle do moreno. Reita o pegou pelo braço e o apoiou para saírem. Ruki estremeceu ao ver o olhar estranho e frio do guitarrista loiro. Aoi, ao vê-lo, jogou-se em seus braços e o obrigou a segura-lo. Kai ainda tentou impedir, inutilmente. Ignorando as declarações de amor e pedidos de perdão, Uruha o acomodou no banco de trás e quando tentou deixá-lo, Aoi o abraçou, forçando-o a ficar. Ruki sentou-se na frente ao lado de Reita e Kai ainda tentou puxar o mais velho, mas não conseguiu que se soltasse de Uruha.

O silêncio do carro só era quebrado pelos soluços baixos de Aoi e os murmúrios atormentados. Kai estava extremamente constrangido com tudo e dava rápidas olhadas para o companheiro, praticamente deitado sobre o loiro, que se mantinha imóvel. Ruki mordeu o lábio e olhou para fora, sentindo claramente a tensão do baixista ao volante. Os dois loiros não disseram nada.

 

Quando chegaram, Reita saiu do carro e abriu a porta para Uruha, que fez um comentário lacônico.

- Ele dormiu.

O baixista se inclinou e puxou Aoi, que protestou levemente e o seguiu, completamente zonzo. Foi preciso que Kai ajudasse Reita. Quando finalmente o deixaram sobre a cama, desacordado, o líder suspirou profundamente.

- Só pode ser um pesadelo...

- Foi Ruki que contou a vocês, não é?

A pergunta, seca e fria, fez Kai arregalar levemente os olhos.

- Acho que... – tentou amenizar o comportamento do vocalista – Ele estava realmente preocupado e achou que... quero dizer, eu não sabia que ele tinha contado para o Aoi.

Reita concordou com a cabeça e saiu do quarto. Ruki estava sentado na sala, sozinho e assim que o amante entrou, levantou-se.

- Rei...

- Onde está Uruha? – o baixista o interrompeu, demonstrando claramente o descontentamento.

- Eu não sei. – o pequeno deixou os braços caírem – Eu não reparei para onde ele foi...

Sem esperar, o loiro saiu atrás do amigo. Bateu levemente na porta do quarto ocupado por ele e entrou. Uruha olhou para trás e continuou a tirar a roupa.

- Sinto muito, Kou... – o músico ofereceu, sem jeito – Eu contei para Ruki quando estávamos discutindo sobre Aoi, e tem tempo... eu queria que ele entendesse que o cara não é só vítima das circunstâncias. Nunca pensei que ele passaria adiante.

- Estou cansado, Reita. – Uruha disse, sem parecer se importar com as palavras do outro.

- Desculpe.

- Não.

O baixista arregalou os olhos e encarou o outro, que tinha se virado. Os olhos de Uruha estavam frios e diante disso, Reita se virou e saiu do quarto. Do lado de fora, respirou fundo e passou a mão pelo cabelo. Com um suspiro, se dirigiu ao próprio quarto e sentou-se na cama. Depois de algum tempo, ouviu a porta abrir e não ergueu a cabeça.

- Fiz besteira de novo, não é? – a voz de Ruki tinha uma ponta de arrependimento.

- Eu não pedi segredo porque achei que não precisava. – Reita respondeu, magoado – Achei que você tinha entendido... mas me enganei. Ando fazendo muito isso.

O baixista se ergueu, desviando do pequeno.

- Fazendo o quê? – Ruki perguntou, confuso.

- Me enganando a seu respeito.

Reita saiu sem olhar para trás. Ruki arregalou os olhos e depois de algum tempo, saiu atrás do amante. Encontrou-o com Kai, sentados no sofá. Dirigiu-se ao loiro.

- Me desculpa, ok? Eu nunca imaginei que Aoi ia fazer isso!

- Assumiu o risco quando contou a ele. – o baixista ergueu a cabeça, encarando o vocalista – Isso não tinha e não tem nada a ver conosco. Se Uruha escolheu não contar, você não tinha o direito de se meter.

- Aoi é meu amigo e...

- Ruki – Kai interrompeu, notando os ânimos exaltados – Não adianta nada agora essa briga. Temos que administrar a crise assim que Aoi acordar.

 

****

 

O show estava na segunda parte e Kai tentou não se atingir com as lágrimas de Ruki. O vocalista estava com os sentimentos à flor da pele, mas não era o único. O líder sacudiu a cabeça para espantar os pensamentos e se concentrou na música. Todo o resto podia esperar.

Uruha, sozinho do outro lado do palco, não estava se movimentando como era esperado. Simplesmente ignorou a marcação e no máximo, se aproximou da borda para interagir com o público. Reita teve que ajudar Ruki em algumas músicas, e contou com Aoi, que se manteve perto do vocalista, impedindo-o de se perder durante o show.

Os fãs não perceberam as expressões carregadas, nem as notas erradas. As falhas de Ruki foram atribuídas à emoção e compreensivo, o público gritou e participou, fazendo a banda se esforçar ainda mais.

As músicas se sucederam e Kai, apesar de querer mais daquela energia quase embriagante, desejou que o fim viesse logo. Queria voltar para o hotel e chorar até dormir e durante o último discurso de Ruki, quase conseguiu sorrir de verdade, antecipando o momento.

 

Aoi despediu-se do público com um rápido aceno, seguindo Uruha para fora do palco. Quase parou ao ver que ele tinha parado ao lado da armação de metal, olhando Kai que atirava as baquetas para o público. O moreno hesitou um pouco e seguiu para o camarim, tentando ignorar o peso do olhar do loiro. Quando entrou, respirou fundo e olhou em volta. Ruki estava chorando de novo, jogado sobre o colo de Reita. O baixista trocou um olhar preocupado com o guitarrista moreno, mas não disse nada. Por alguns minutos, pensou no que dizer, mas desistiu ao ouvir a porta abrir atrás de si. Sem olhar para trás, atravessou o camarim e abriu a pequena geladeira, ocupando-se em abri-la.

- Eu estou bem... – ouviu Ruki dizer, e virou-se.

Kai estava junto do vocalista e Uruha, parado com os braços cruzados atrás dele. O líder suspirou e passou a mão pelo cabelo.

- Ruki...

- Eu vou melhorar. – o pequeno garantiu, sentando-se – Eu só... estou triste.... demais.

- Não podemos conseguir outra pausa, não é? – Reita perguntou, desanimado.

- Não. Temos que seguir viagem amanhã cedo. – o baixista olhou para o cantor, penalizado – Sinto muito, Ruki.

O pequeno deu um sorriso exausto e ergueu os olhos, desviando-os quase imediatamente ao notar o olhar de Uruha.

 

Aoi e Kai foram os primeiros a saírem, e depois Ruki. Quando Uruha ia saindo, Reita o segurou pelo braço.

- Não dava para facilitar um pouco as coisas? – perguntou, um pouco irritado.

O olhar frio que recebeu quase o fez perder a coragem, mas não podia desistir.

- Quer que eu saia da banda de novo?

A pergunta fez o baixista arregalar os olhos e recuar, incrédulo. Uruha o encarou, sério.

- Está brincando.... – murmurou, espantado.

- Por que eu estaria? Isso aconteceu antes e eu também fui o responsável. – o loiro inclinou a cabeça, com um brilho estranho nos olhos – Da outra vez Ruki também disse que não conseguia cantar por causa do que eu estava fazendo... e agora está quase se dissolvendo em lágrimas. – fez um gesto vago – Talvez eu devesse sair de novo.

Reita percebeu que Uruha não estava brincando nem tentando se fazer de vítima. Por alguns minutos, não soube o que dizer de volta. Respirou fundo e desviou os olhos.

- Não foi isso o que eu quis dizer, Kou.

- Não me surpreenderia se fosse. – o tom saiu lacônico.

- A culpa não é sua. – o baixista ofereceu, sem jeito – Eu apenas pensei que pudesse... sei lá... – encolheu os ombros e riu, sem qualquer traço de humor – Na verdade eu não sei o que pensei.

- Talvez fosse a melhor solução. – Uruha comentou, colocando a bolsa no ombro.

Antes que chegasse à porta, Reita o segurou de novo.

- Kou, me desculpe por querer que faça alguma coisa. – o baixista segurou o rosto de Uruha, fazendo-o devolver o olhar – Não quero que fique magoado comigo e eu não estava falando que deve sair da banda. – soltou-o e se afastou, ainda sustentando o olhar do amigo – Eu sinto muito.

Uruha não respondeu e se encaminhou para a saída. Reita o olhou por um momento e então não conseguiu segurar a pergunta.

- Você ainda sente alguma coisa por ele?

O guitarrista abriu a porta e saiu sem responder. O baixista respirou fundo e abaixou a cabeça, fechando os olhos, chutando-se por sua burrice. Não podia responsabilizar Uruha de novo, chegava a ser injusto fazer isso. Ele não foi culpado da primeira vez e não era culpado agora. Ninguém conseguia mandar nos próprios sentimentos.

Com um suspiro desanimado, recolheu suas coisas e saiu. Ignorou os olhares curiosos diante de seu atraso e devolveu um olhar pesado para o baterista, que já estava voltando à sua procura.

- Algum problema? – Kai perguntou, assim que ele se aproximou.

- Quase joguei tudo pela janela de novo. – o baixista respondeu, seco.

O olhar do líder foi o suficiente para que se entendessem. Em silêncio, foram para o carro. O caminho até o hotel foi feito em silêncio.

 

Mais tarde, sozinho no quarto, Aoi limpou o rosto e encarou a tela do notebook. A coleção de vídeos e pequenos contos feitos com ele e Uruha o faziam se sentir pesado, mas não conseguiu evitar. Como uma adolescente apaixonada pela primeira vez, chegou a fantasiar viver aquelas histórias. Algumas eram uma loucura sem sentido, e outras, só luxúria. Chegou a se sentir constrangido com os detalhes da relação entre eles e se pegou pensando se seria realmente aquela coca cola toda quando acontecesse e deu risadas amargas ao perceber o que estava pensando.

Mas outras... havia tanto sentimento quanto prazer físico. Colecionou algumas realmente muito boas, e relia quase sempre. Os vídeos eram mais raros, no máximo fotos com alguns efeitos ou então dos dois juntos, tiradas em alguns momentos descontraídos. Quase lamentou por não fazer tanto fanservice com Uruha quanto queria, mas sabia que não podia sequer sonhar.

Desde o início da banda o foco foi o som. Claro que o visual ajudou bastante, mas não era tão importante quanto o trabalho que desenvolviam. Vez ou outra Ruki o assediou ou a Reita, fazendo as meninas enlouquecerem, mas não era comum.

O pequeno se aproximou também de Uruha, e sempre dava um jeito de toca-lo ou de ficar por perto por algum tempo, se bem que agora não tanto mais.

 

Cruzou os braços e acomodou a cabeça, ouvindo a música repetir do último vídeo aberto. Fechou os olhos e guardou o sorriso da última foto, uma em que Uruha tinha sorrido para uma fã mais velha, numa apresentação. Ele sorriu com sinceridade e surpresa, de uma forma completamente aberta. Isso era raro nos últimos tempos.

Seu meio sorriso acabou ao se lembrar daquela folga. O dia seguinte... o dia em que soube o quão desesperado, carente e sem juízo estava. Abriu os olhos e sentou-se na cama, ainda mortificado. Não precisava o menor esforço para se lembrar da vergonha e do constrangimento quando Kai e Ruki, tão desconcertados quanto ele, contaram sobre a noite anterior. Era quase impossível pensar que tinha perdido o controle daquele jeito, mas aconteceu. E como se ainda pudesse ficar pior, Uruha não demonstrou nada. Nem raiva, nem desconforto, nem mesmo que tinha acreditado em suas palavras.

Ele não disse nada.

Uruha se comportou de maneira absolutamente normal e em vez de se sentir aliviado, o moreno se sentiu ainda mais miserável. Foi com dificuldade que engoliu a frustração e entendeu que assim era melhor. Era melhor simplesmente tentar esquecer tudo aquilo e enterrar bem fundo, por mais que isso parecesse impossível.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Olá... bem, desculpem o recolhimento...
Quanto ao Lissage, é um amigo. Na verdade, uma "amiga". Para vocês terem uma idéia, é mais como uma coisa colorida e purpurinada estilo "Priscila, a rainha do deserto" com direito a cortina de cd´s e cachecol de penas rosas berrantes.
Estamos dividindo e por isso não tenho muita escolha... é divertido, às vezes. Só bate um desespero quando começa a tocar Village People e Glória Gaynor para o quarteirão todo ouvir...
Ainda não decidi se dou risada ou se arranco os cabelos... mas de uma coisa tenho certeza: Estou vivo, e estar vivo é maravilhoso!!!