Despertar escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/45405/chapter/4

Reita ficou muito preocupado com Uruha, calado durante todo o serviço funerário de Kovu. Surpreendeu-se ao vê-lo conversar com a família e percebeu que ele já tinha sido apresentado como alguém muito próximo ao jovem falecido. A mãe de Kovu se apoiou no braço de Uruha quase todo o tempo. Um dos músicos do Screw estava junto, representando a banda e acenou de longe para Reita, que devolveu o aceno.

O loiro, sóbrio e austero todo de preto, não havia dito uma palavra antes de falar com os parentes do amante, e Reita se perguntou o que ele estava achando de tudo. O baixista tinha praticamente se convidado para estar ao lado dele mesmo diante do silêncio de Uruha.

Assim que tudo terminou, se aproximou e viu a urna ser entregue à trêmula senhora, que olhou de um modo desesperado para o guitarrista. Ele colocou a mão sobre a dela e a ajudou a segurar, amparando-a delicadamente. Reita não podia ver o rosto do amigo, mas notou a tensão no corpo do loiro.

O baixista se afastou e resolveu espera-lo no carro. Ficou recostado, fumando, até que viu todos saírem do crematório. Observou Uruha acompanhar a senhora até um carro e trocar algumas palavras com ela. A mulher entrou no carro e outras pessoas fizeram o mesmo. Uruha se encaminhou para o próprio, parecendo não perceber nada a sua volta. Quando ele se aproximou, Reita abriu a porta do carro e esperou que entrasse e se acomodasse, deu a volta e ligou o carro. Durante todo o percurso até o prédio, Uruha ficou em silêncio e Reita não conseguiu encontrar algo para começar uma conversa, totalmente tolhido pelo silêncio do loiro.

Já no prédio, Ruki e Kai estavam esperando pelo loiro no apartamento do vocalista, mas Uruha simplesmente se recusou a ir. Se encaminhou para o próprio, desejando mais do que tudo, o silêncio. Reita o encarou, preocupado com aquele mutismo. Quando o loiro abriu a porta do apartamento, ambos entraram e o baixista não escondeu seu desconforto.

- Uru, é melhor não ficar sozinho. Pensar menos talvez ajude um pouco.

- Não, Reita. Eu não preciso de companhia.

- Mas, Uru...

- Preciso de um tempo sozinho.

A expressão do loiro não deu margem para comentário. Apesar de não querer, o baixista não encontrou outra opção e se dirigiu para a porta.

- Se você precisar... – deu uma longa olhada para o amigo, penalizado.

Uruha não respondeu e Reita saiu. Assim que fechou a porta, o guitarrista passou as trancas e caminhou lentamente até o centro da sala. Abraçou-se, sentindo frio.

Olhou em volta sem saber direito o que queria fazer, e então se encaminhou para o quarto. Jogou-se na cama, exausto.

Deixa de ser preguiçoso, Kou! Levanta daí ou nunca chegaremos a tempo!”

O loiro apertou os olhos, tentando fazer as lembranças irem embora.

“Eu te amo!”

As lágrimas saíram, sem controle. A tristeza doeu no guitarrista fisicamente.

“Eu gosto quando você veste preto. Destaca o tom da sua pele.”

“Não! Não quero sair, quero ficar e namorar você. Estou com síndrome de abstinência e posso morrer, sabia?”

“Você está lindo loiro! Pode ficar sempre assim?”

A voz do namorado ecoou na mente de Uruha, fazendo-o chorar ainda mais. Não conseguiu evitar o descontrole. Sozinho no apartamento, chorou tudo o que havia guardado desde que soubera.

 

Estava doendo, e muito. Difícil de aceitar e entender. Num momento estavam juntos e felizes e agora, separados irremediavelmente. Mesmo com toda a resistência do guitarrista no início do namoro, Kovu conseguiu conquistar seus sentimentos aos poucos, demonstrando amor e cuidado. Depois de tudo o que tinha passado, era tudo o que precisava.

Kovu era um namorado calmo, carinhoso e divertido. Apesar de sempre estarem juntos com o resto dos músicos, se mantinha sempre à distância. Quase como se quisesse manter os mundos separados e depois que entendeu, Uruha passou a gostar disso. Quando estavam trabalhando juntos em algum show, o guitarrista dificilmente via o namorado, e quando acontecia, apenas trocavam um cumprimento. Ruki achava estranho e sempre alfinetava, mas ele não entendia.

Os músicos nunca entenderam direito a relação de Uruha e Kovu. Nunca entenderam que não precisavam estar lado a lado o tempo todo, agarrando-se como o mundo fosse acabar amanhã. Ruki principalmente não entendia porque não precisavam transar toda vez que se encontravam, ou porque Uruha não entrava em detalhes sobre o que acontecia.

Não que eles não gostassem de se agarrar ou da tensão sexual que cultivavam antes de uma noite tórrida. A diferença é que o relacionamento não se resumia a isso. Eles conversavam, riam de si mesmos e assistiam a filmes melosos. Ambos valorizavam cada segundo ao lado do outro, já que os inúmeros compromissos da banda os mantinham quase sempre afastados. E Uruha preferia estar com ele nas folgas, o que fazia o vocalista ficar indignado e o resto dos músicos, inconformados. Ruki costumava dizer que Uruha estava parecendo uma mulherzinha com tantas frescuras e coisas rosas. O guitarrista rebateu que por ser um homem e namorar um homem, não precisava agir como um cachorro no cio e ele até gostava das coisas rosas. Isso calou o vocalista.

 

As lembranças encheram a mente de Uruha e ele teve que se ajoelhar na cama, engasgado com os próprios soluços. Toda a história dos dois passando à frente de seus olhos sem controle o fizeram vacilar como nunca antes. Sentiu-se rasgado, como se alguém tivesse levado a melhor parte de si.

E isso era enlouquecedor.

 

****

 

Aoi encarou a chama do cigarro sem realmente vê-la. Estava muito preocupado com o loiro. Ele não permitiu que ninguém ficasse perto dele. Em nenhum momento o loiro disse qualquer coisa sobre serem culpados de alguma coisa, mas não dava para pensar diferente. Aquele afastamento imposto pelo guitarrista deixou todos eles preocupados e ansiosos. Nadao-san já tinha ligado para Kai, querendo as notícias. O líder aproveitou para conseguir pelo menos dois dias para o guitarrista. E para eles também.

Apesar de deixar claro que não gostou do pedido, não havia o que ser feito e Nadao-san concordou, depois de entrar em contato com a empresa.

 

O moreno estava usando toda a sua força para não ir até o apartamento do loiro. Mesmo se fosse, não saberia o que dizer. Estava se sentindo culpado pelo acontecido e não conseguia deixar de pensar que se não tivesse se descontrolado, Kovu ainda estaria vivo. Esse pensamento levava a outro mais sombrio, que teimou em não desaparecer. Kovu estaria vivo com Uruha, e isso seria uma tortura para ele. Tentou suprimir aquele sentimento ambíguo, mas não conseguiu. A parte mesquinha de si mesmo entendeu como uma chance e apesar de todos os seus escrúpulos, não conseguiu suprimir a pontinha de esperança que nasceu.

Sentiu alguém o sacudir levemente e ergueu os olhos, encarando a namorada. Ele desviou os olhos, incomodado, e só então se lembrou do cigarro. Tragou profundamente, querendo o alívio da tensão que estava sentindo.

- Está tudo bem? Estou te chamado há algum tempo...

- Estava só pensando, Kaya.

- Nele?

O guitarrista não respondeu. Continuou fumando calmamente, olhando para fora pela janela aberta. Akaya puxou uma cadeira e sentou-se, encarando-o curiosamente. Num rompante de coragem, ele se virou para ela.

- Acho que precisamos conversar. - ela arregalou levemente os olhos, surpresa. Ele se forçou a olhar nos olhos dela – Acho que precisamos resolver algumas coisas, Kaya.

- Sobre o quê? – ela perguntou, incerta.

- Sobre nós.

Ela empalideceu e ele respirou fundo. 

- Acho que concorda comigo que nosso relacionamento não é mais o que era antes. Estamos nos afastando e...

Ela se levantou, recusando-se a ouvir o que tanto temia. Ele se ergueu e a segurou pelo braço, delicadamente. Agora que começou, não podia parar até terminar.

- Kaya, sabe que não dá mais para adiar isso.

Ela ficou de costas para ele, sentindo as lágrimas. Toda a raiva que sentia se acumulou e ela puxou o braço, sem conseguir controlar a frustração.

- É por causa dele, não é? Agora que o namorado morreu por causa da sua crise de ciúmes, você quer consolar o pobre guitarrista prostrado, não é? - ele a olhou, chocado com as palavras dela. Akaya se aproximou dele e o encarou, trêmula – Mas eu não vou deixar! Eu não sei o que está pensando com essa paixonite idiota por um homem, Aoi, mas eu não vou deixar você se tornar como eles! Você é meu namorado e vai continuar a ser até nos casarmos. Talvez seja hora de fazermos isso, para tirar esses pensamentos da sua cabeça!

Ele ergueu uma sobrancelha e a encarou, processando as palavras.

- Sabe, nunca pensei que fosse dada a ouvir conversas atrás das portas. – ele comentou, sério.

Ela corou um pouco e limpou as lágrimas, afastando-se alguns passos.

- Eu queria saber o que você tem de errado. – ela respondeu – Eu tenho o direito! Eu te amo e estou preocupada com você.

- Isso não te dá o direito. – o moreno rebateu, um pouco irritado.

Ela deu uma risadinha e cruzou os braços.

- O que ia inventar para terminar comigo? Essa historinha de que estamos nos afastando? Mentir não é papel de homem, Aoi! Ia me contar a verdade ou é covarde demais para admitir?

- Que eu amo o Uruha?

A pergunta dele a fez descruzar os braços e olha-lo, espantada. Não esperava que ele tivesse a coragem de dizer olhando-a nos olhos.

- Isso não é verdade. – ela disse, incerta – Você me ama.

- Eu amei você, muito e por um bom tempo.

- Ainda ama, só precisa... – ela se aproximou, disposta a abraça-lo.

Ele se esquivou, disposto a não deixar aquela chance de resolverem tudo passar.

- Desculpe, Akaya, mas eu não posso continuar com nosso relacionamento. Eu tentei, mas é impossível.

Ela o olhou, inconformada.

- Eu não vou aceitar... você me ama...

- Sinto muito.

Ela desviou os olhos e sentou-se, atordoada. Aoi a olhou por alguns minutos, realmente pesaroso pela situação. Não gostava de magoar ninguém, mas não escolheu isso.

- Akaya, eu...

- O que acha que seus pais vão dizer quando souberem?

Aoi a olhou e franziu a testa. Depois de alguns minutos, estreitou os olhos diante da ameaça. Ela ergueu a cabeça, sorrindo.

- Eu sei que ama seus pais e eles me aprovam totalmente. Inclusive sabe que eu praticamente moro aqui e durmo com você. Meus pais também sabem e aprovam. Acho que deveríamos nos casar o mais breve possível, não acha?

- Não vai funcionar, Akaya.

Ele se afastou e apagou o cigarro e ela o olhou, perplexa.

- Eu disse que...

- Você disse que se eu não me casar com você, vai contar a minha família sobre o que sinto pelo Uruha. Vá em frente, faça o que quiser.

Ela se levantou de um salto.

- Não acho que esteja pensando claramente, Aoi. – ela disparou, teimosa – Já pensou na decepção dos seus pais ao descobrirem que o filho é gay? Seu irmão e amigos de Mie? – ela sorriu, vitoriosa – Você vai ser excluído e condenado e além disso, Uruha vai ser o culpado de tudo, já que foi ele que começou.

Aoi a olhou longamente, estranhando a atitude da moça. A Akaya que conhecia nunca o ameaçaria daquele jeito baixo.

- Vá em frente e conte a eles, a única coisa que vai conseguir e me poupar trabalho.

Ele se sentou calmamente e a olhou, deixando-a ver a calma nos olhos dele.

- Você vai perder tudo! Seus fãs e seu trabalho, sua família! Como pode não se importar?

- Não vou perder nada.

Ela abriu a boca para responder mas fechou-a, sem entender de onde vinha aquela calma toda. Respirou fundo e arrumou o cabelo, tentando achar um jeito de consertar aquilo. Foi imprudente ao ameaçar sem saber o peso que ele dava para as coisas. Sorriu, condescendente e se aproximou mais, sentando-se na mesinha de frente a ele.

- Aoi, isso é só uma fase. Você está perturbado desde a declaração dele e não conseguiu esquecer. Ele ter voltado para a banda apenas te afetou mais. Eu entendo – manteve o tom de voz baixo e carinhoso – mas pense bem. Não vamos jogar nosso relacionamento fora por causa disso. Eu sei que vai passar porque você é um homem maravilhoso e responsável. Sei que não vai jogar sua vida fora por causa de uma confusão boba dessas.

Ele a olhou, incrédulo. Realmente não a conhecia como pensava.

- Akaya, você está agindo como se fosse a minha mãe. – ela empalideceu um pouco, caindo em si do exagero – e eu não sou um garotinho que tem “fases” ou “confusões bobas”. Sei exatamente o que estou sentindo e a intensidade disso. Sei há pelo menos um ano e meio e isso torna suas palavras completamente vazias. – ela se endireitou, constrangida – Sinto muito por ter escondido isso tanto tempo, mas pelo menos me deu a certeza que eu precisava quanto a nós dois.

- Aoi, eu sinto... não queria... – ela recomeçou a chorar, balbuciando as palavras.

- Eu não queria que terminasse assim. Não menti quando disse que te amei muito, mas infelizmente esse sentimento mudou. Eu não sei como aconteceu, mas é diferente agora.

- Podemos tentar... eu posso...

- Pare, Akaya. Só está tornando tudo pior. – ele inclinou o corpo para a frente, aproximando-se dela – Eu nunca ia contar isso a você porque eu não acho que você precisava saber. Não ia ajudar em nada e só poderia aumentar a mágoa. Eu nunca quis te magoar.

- O que acha que está fazendo agora? – ela o olhou com o rosto marcado.

- Sinto muito por isso.

Ele se levantou e achou melhor deixa-la sozinha. Pegou o casaco e se dirigiu para a porta. Antes que saísse ela se levantou, indignada com o fim.

- Eu vou contar a seus pais, Aoi. Você me enganou esse tempo todo e eu fui sua mulher, me deve obrigações. Você é responsável!

Ele se virou para ela, já um pouco irritado.

- Eu sei e não pretendo me esconder. O que não vou fazer é me casar forçado, Akaya. Eu já sou maior de idade e você também, o máximo que vai conseguir é uma indenização. É isso o que quer? Tudo bem por mim.

- Eu quero me casar com você, como você me prometeu! – ela bateu o pé, teimosa.

- Eu nunca prometi isso. – ele rebateu, tentando não gritar com ela – Você está disposta mesmo a fazer um escândalo, não é?

- Eu vou contar a seus pais! Vai perder a carreira, tudo! – ela não se deu por vencida e ignorou o olhar que ele lhe lançou.

- Akaya, estou numa banda de j-rock. Nos vestimos como mulher muitas vezes e nos maquiamos melhor do que muitas. Nossa ambigüidade é o forte do nosso visual. Acha mesmo que alguém acredita que somos inteiramente héteros? – ela o encarou, abismada. Ele suspirou e continuou – Nossas fãs não aceitam um relacionamento nosso com quem quer que seja, homem ou mulher, mas enlouquecem com os fanservices ousados que fazemos no palco. Isso se você tirar os textos que existem sobre nós, fotos montadas e vídeos editados. Eu mesmo tenho uma coleção deles. - ela empalideceu, compreendendo a situação, mas ele não tinha terminado – E quanto a meus pais, eu sei que ficarão decepcionados com a confirmação, mas estou preparado para isso.

Ele se virou para sair e quando segurou a maçaneta, ouviu a voz dela, insegura.

- Confirmação?

Aoi soltou a maçaneta e se virou, vestindo o casaco.

- Por favor, acho que já deu, não é? – ele perguntou, cansado – Isso está acabando com qualquer chance de sermos amigos depois disso. Por favor, pare.

- Eu não consigo aceitar... eu te amo tanto e sei que...

- Você só está se machucando mais e eu não quero isso. – ele disse, olhando-a com pena.

- Então desista disso e volte para mim! – ela se aproximou, chorosa – Por favor, não faça isso com a gente...

- Não há como voltar atrás agora, Akaya. Sinto muito. Eu levo você de volta para Mie.

- Ele não te ama mais.

A frase, jogada displicentemente pela moça, o fez se contrair sem perceber. Aoi percebeu que essa era exatamente a intenção de Akaya. Machuca-lo tanto quanto ela estava.

- Eu sei.

- Então porquê está fazendo isso? Eu posso ajudar a... – ela tentou, com olhar pedinte.

- Estou fazendo por nós, Akaya. Nenhum de nós merece viver mais tempo nessa mentira.

Sem esperar mais nada, Aoi saiu do apartamento. Resolveu andar um pouco para se acalmar e dar a ela tempo para arrumar as coisas. Usaria aquela folga para levar Akaya de volta para Mie e enfrentar todas as conseqüências que podiam sair daquilo.

Ao sair do prédio, sentiu o vento no rosto e apesar de tudo, sentiu-se mais leve. Sentia muito pelo relacionamento ter acabado daquele jeito, mas continuar não era uma opção válida. Caminhou lentamente pelas ruas e optou por se sentar numa praça próxima. O lugar estava um pouco vazio, perfeito para se sentar e pensar.

Ele não era do tipo que gostava de magoar as pessoas, mas não conseguiu evitar. Esse tempo todo de sofrimento em silêncio o tinha forçado a encarar os fatos de sua vida com outros olhos. Ainda queria se casar e ter um filho, mas agora, não necessariamente com a mesma pessoa. Apesar da aparência peculiar, nunca teve dúvidas quando à sua sexualidade e só depois de Uruha passou a considerar a hipótese de se relacionar com um homem. Não com qualquer homem, apenas com o loiro.

Suspirou e deixou a cabeça cair, olhando o céu pensativamente. Tentou imaginar se era assim que Uruha se sentiu antes.

 

****

 

O moreno não sabia dizer quantas horas ficou na praça, simplesmente sentado sem se mexer, mergulhado em pensamentos desenfreados. Quando finalmente caiu em si e respirou fundo, mexeu-se lentamente e ergueu-se, encolhendo os ombros de frio e torpor. Caminhou lentamente de volta para o apartamento, exausto. Assim que chegou à portaria do prédio, ouviu seu nome ser chamado e virou-se. Kai estava chegando.

- Aoi, tudo bem? – o olhar preocupado do baterista fez o moreno dar um sorriso cansado.

- Ainda não, mas vai ficar. – respondeu, passando a mão pelo cabelo – Notícias de Uruha?

O baixista suspirou e ambos se dirigiram para o elevador, lado a lado.

- Nós estávamos esperando, mas ele foi direto para o apartamento dele. Recusou até a companhia de Reita.

O moreno olhou de esguelha para Kai, mordendo o lábio.

- Ele deve estar sofrendo...

- Eu também acho, mas não posso me aproximar e ajudar enquanto ele não deixar. – o baterista deu um suspiro e encolheu os ombros – Eu tentei um pouco mais cedo e Ruki também. Pelo menos ele nos recebeu e falou conosco.

Kai hesitou e Aoi olhou para ele, curioso e preocupado.

- O que aconteceu?

- Ele estava com o rosto marcado e inchado. Estava chorando.

O silêncio caiu, pesado.

- Parece que só consigo fazer o Kou sofrer. O meu descontrole causou isso e agora...

- Não foi nossa culpa, Aoi. – Kai rebateu, incomodado – Não podíamos prever.

- Isso não faz com que me sinta melhor.

O baterista o olhou sem entender. Quando deixaram o elevador, Aoi encarou a porta do próprio apartamento um pouco resignado.

- Está tudo bem? – Kai perguntou, parando ao lado dele.

- Eu terminei com Akaya. – a resposta veio lacônica e baixinha.

Kai arregalou os olhos e o encarou, perplexo. Aoi devolveu o olhar, encolhendo os ombros.

- Eu sei que não é a melhor hora, mas a oportunidade surgiu e eu não podia mais.

- Como ela reagiu?

- Ela ouviu a nossa conversa... – o moreno fez uma pausa, virando-se para o baterista – E como só contei aquela vez para você, acho que foi naquele dia.

- Então ela sabe dos seus sentimentos? – Kai passou a mão pelo cabelo, consternado – Aoi, entende que ela pode achar que...

- Ela disse exatamente isso. Que eu quero aproveitar a oportunidade com Uruha.

- E você quer? Por isso terminou?

Aoi ergueu os olhos e encarou Kai de frente.

- Não. Por mais que pareça ser exatamente isso, não faria. Não conseguiria fazer. Eu apenas não agüentei mais.

Kai desviou os olhos, constrangido.

- Desculpe, Aoi.

- Tudo bem, eu pensaria a mesma coisa. Até mais, Kai.

Sem esperar resposta, o guitarrista abriu a porta e entrou no apartamento, fechando a porta atrás de si. Kai encarou a porta fechada e suspirou.

 

****

 

Reita fechou a porta do apartamento e respirou fundo, recostando-se nela. Ruki, sentado no sofá com um cigarro entre os dedos, não se levantou.

- E aí?

- Ele está na mesma. Parece que chorou muito, mas eu consegui faze-lo tomar uma sopa e tomar um banho. Ele está meio anestesiado.

- Não vai ficar com ele?

O baixista se encaminhou para o lugar ao lado do amante e tirou o cigarro das mãos dele.

- Eu tentei, mas ele não quer.

- Quer chorar sozinho tudo o que tem direito.

- Acho que é isso. – Reita respondeu, encarando a fumaça por alguns minutos – Ruki, o Aoi está apaixonado pelo Kou, não é?

O vocalista arregalou os olhos e encarou o loiro, espantado.

- CComo?

- Só isso explica a briga.... e outras coisas.

- Que outras coisas?

O baixista se fechou em silêncio, fumando calmamente. O vocalista olhou em volta, tentando pensar em alguma coisa.

- Olha, eu sei que devíamos ter te contado, mas ele só admitiu para o Kai. Eu descobri por acaso, jogando uma coisa e outra... ele não tem culpa, Reita. Está tão desnorteado, sem saber o que fazer...

Reita continuou fumando em silêncio, imerso em pensamentos. Ruki o encarou, francamente surpreso. Depois de alguns minutos, o vocalista se impacientou.

- Reita, não temos que fazer nada. Ele não vai...

- Aoi já fez. Ele já magoou Uruha muito além do que pensa e eu não vou permitir que faça de novo.

Ruki arregalou os olhos, sem entender. O baixista se ergueu e apagou o cigarro, suspirando.

- Aconteceu mais alguma coisa?

O loiro encarou o amante intensamente.

- Eu sei que sua amizade por Aoi é grande, Ruki. Eu sei que está tentando protege-lo mas tem que se lembrar que ninguém ficou ao lado de Uruha quando ele estava sofrendo. Você deu a idéia dele sair da banda, lembra? - o pequeno empalideceu e mordeu o lábio, constrangido. Reita continuou – Eu sei que talvez tenha sido melhor, mas não vou aceitar que Aoi tenha um tratamento melhor e todo o apoio que você negou para o Uruha. Por causa da sua proteção, essa briga não foi resolvida e olha só o que deu.

O vocalista avermelhou o rosto.

- Eu só queria evitar que as coisas piorassem! – rebateu, indignado.

- Você quis proteger o Aoi, admita!

- Não ia resolver nada se Uruha soubesse que ele está apaixonado. – Ruki respirou fundo, tentando não gritar – Eu só não quis causar mais problemas para... – parou, hesitante.

- Para Aoi. – Reita completou a frase, sério – Protegendo Aoi, você deixou Kovu enfrentar as conseqüências sozinho. – o pequeno se encolheu, abraçando-se – Você não pensou que podíamos ter pensado numa mentira para livrar os dois e nem deixou que fizéssemos isso. Nos deixou pensando que Kovu realmente tinha provocado a discussão e Uruha o estava defendendo por ser namorado dele. Você enganou a mim e ao Kai, Ruki. Deixou Nadao-san pensar a mesma coisa e tirar Kovu do nosso staff. Não disse nada que pudesse ajudar...

- Pare... – a voz de Ruki saiu num sopro. O vocalista estava prestes a chorar.

- Por que? Não quer encarar a sua parcela de culpa ao proteger Aoi? – Reita perguntou, elevando uma sobrancelha – Porque só Uruha tem que chorar por causa das suas decisões? Ele está lá sozinho, chorando desesperado por perder o homem que amava por causa de uma decisão sua, exatamente como antes, quando você decidiu que ele devia sair.

- Vo-vocês concordaram... aceitaram também... – o vocalista balbuciou, recuando.

- Porque você disse que não tinha mais clima para cantar. Você estava protegendo o Aoi, como agora.

O loiro se dirigiu para o quarto, mas parou e se virou novamente. Ruki ainda estava parado no meio da sala, encarando-o com um ar desamparado.

- Sabe o que tinha de errado com Uruha naquela turnê? – o olhar dele estreitou e Ruki empalideceu – Sabe porque ele estava bebendo tanto? – depois de uma pausa diante do silêncio do outro, continuou – Você nunca quis saber. Para você ele é sempre confuso e nunca diz alguma coisa que preste.

- Não é assim...

- Ele foi forçado, Ruki. Forçado pelo seu amigo completamente bêbado. O amigo que você protege com tanto afinco.

Ruki arregalou os olhos, espantado. Reita simplesmente se virou e saiu do apartamento. O vocalista recuou e olhou em volta, com os olhos marejados de lágrimas. Sentou-se, completamente chocado. Não podia ter imaginado um motivo pior para Uruha beber daquele jeito. Antes de Kovu, ele sempre estava com um copo na mão. E nunca quis saber por que. Quando o viu chorando, não teve a curiosidade de perguntar também, apenas contou a Reita. O amante estava certo, ele tinha sido parcial o tempo todo. Incondicionalmente ao lado de Aoi, sem prestar atenção em Uruha.

Ruki escondeu o rosto entre as mãos e chorou, sentindo-se culpado.

 

Reita se dirigiu ao apartamento de Uruha com o olhar estreito. Amava Ruki, mas não podia mais deixar que ele fizesse aquilo. O pequeno sempre sentiu muito ciúme de sua amizade com Uruha, mas foi longe demais protegendo o moreno. Por mais que não quisesse admitir, o vocalista tinha causado as maiores tristezas no amigo e isso não podia continuar. O baixista não sabia o quanto de força Uruha ainda tinha, mas temia por ele. Tocou a campainha e esperou, atento.

Depois de alguns minutos o loiro abriu e Reita sentiu o coração apertar. Uruha estava abatido, com uma expressão exausta. Sem dizer nada, ele se virou e entrou no apartamento de novo. Reita entrou atrás dele e fechou a porta. O lugar estava impecável, como sempre.

O loiro se deitou no sofá e fechou os olhos e Reita o observou em silêncio. Atravessou a sala e ergueu o guitarrista levemente, fazendo-o deitar a cabeça em seu colo.

Ficou ali sem dizer nada, fazendo uma leve carícia no cabelo do amigo. Uruha não estava chorando mais e Reita percebeu que ele não tinha mais forças. O rosto já estava marcado e inchado, os olhos vermelhos e injetados.

Não ofereceu comida ou bebida e agradeceu que ele não se lembrou do segundo. Mesmo sabendo que ele precisava se alimentar, preferiu que dormisse um pouco. Com cuidado e calma, acariciou o amigo até que sentiu o peso dele aumentar. Soltou um suspiro quando ele dormiu.

Ficou ali por alguns minutos, ainda brincando com o cabelo macio.

- Vou ficar aqui com você. Dessa vez, não vou deixar você sofrer sozinho.

 

 



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Desculpem a demora na atualização e muito, muito obrigado pelos comentários!