Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 40
Tudo começa comendo pastéis.




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Apesar de todo o calor da tarde Frota não tinha muito que fazer naquela tarde ensolarada. Estava comendo um daqueles pastéis que havia comprado para compartilhar com Xupa, mas como não tinham mais nenhum tipo de laço decidiu ficar com a comida para si mesmo. E degustava lentamente afinal não tinha mais o que fazer naquele dia tão sem graça. Por um momento Frota parou para pensar o que havia feito em sua vida desde que conseguira colocar um curso nela ao invés de simplesmente andar no sistema do governo. Não encontrava um momento em que tivera um objetivo próprio, no final eram sempre objetivos que seguia para ajudar os seus amigos. Nunca tivera um objetivo na vida, ninguém havia lhe ensinado isso nas ruas só que Frota parou para pensar novamente e percebeu que esse não é o tipo de coisa que as pessoas devem ensinar para você. A própria vida te ensina, com um soco. Frota já havia aprendido muito bem essa lição, só então que percebera.

O jovem de franja levantou do banco e jogou na lixeira enferrujada o saco em que carregava o pastel agora digerido, saiu em direção ao seu próximo e primeiro objetivo e tinha total certeza do que fazer. Ele não era muito bem uma pessoa com um grande senso de justiça para julgar o que é certo ou o que é errado, apesar de ter sensos delicados de ética e moral, para poder julgar o que estava para fazer. Apenas o faria, sem pensar muito nisso.

Já Robin não encontrara Don Ramon depois de caminhar alguns dias e subir a Colina de Iara. Robin foi bem aceito no clã como um mestre em potencial por suas habilidades de concentração. Mas esse capítulo não terá a participação desse personagem. Esse capítulo será fatídico por tratar de um personagem tão polêmico e que o autor não deu um pingo de chance de aparecer até agora – e até mesmo quando apareceu foi brevemente e sem nada de especial.

Alguns homens caminhavam por um caminho feito anos atrás pelo homem em uma grande montanha no Sul do mundo. Ventava frio e os homens reclamavam mentalmente que preferiam estar em casa ou não serem tão bem qualificados no clã para que uma pessoa muito importante – sério, muito importante – lhes chamassem para uma missão especial que teria reflexo na existência de todas as pessoas dessa linha temporal. Não podiam falar que estavam de saco cheio disso tudo e que queriam estar em casa, porque certamente isso não repercutiria bem nas próximas palavras de Don Ramon.

Don Ramon estava vestindo a mesma armadura roxa e que da cintura pra baixo acabava, pois apenas existia uma manta tão grande que não era possível distinguir se estava andando ou se simplesmente flutuava. Don Ramon não havia dito uma palavra para os homens desde então, apenas andando em frente e também nem os homens falaram, pois assim foram ordenados pelo líder do clã – apenas sigam-no e terão suas ordens depois. Os subordinados de Ramon estavam começando a ficar de saco cheio e com fome, haviam caminhado por quase um dia inteiro e não haviam realmente parado para comer. Comeram andando, escondido, uma vez que Ramon nunca olhara para trás.

A realidade era que Ramon estava com muita pressa para concluir sua missão. Precisava daqueles homens vivos de qualquer forma no templo que se localizava na beirada da montanha. Era um templo antigo e aparentemente abandonado, foi o que julgaram ao avistá-lo, e parecia ser uma obra de arquitetura ancestral de uma civilização distante da albuquerqueana. Não tinha traços da arquitetura do país, parecia algo muito ancestral com grande influência no ocidente antigo. De longe parecia um templo de tamanho regular, entretanto notaram que era algo com um tamanho considerável. As pilastras se arrastavam do chão ao teto se erguendo por vários e vários metros, ultrapassando facilmente dez metros – talvez quinze. Havia seis pilastras na entrada do local e não havia realmente uma entrada, você simplesmente passava por entre as pilastras e pronto. A estrutura era tão antiga que era composta por mármore e algumas pilastras tinham caído pelo decorrer do local. A cada 10 passos os homens passavam entre outras pilastras. Muitas delas estavam danificadas pela erosão. Don Ramon não reagiu ao ambiente, continuou no mesmo ritmo de andar pelo caminho que tinha de traçar. Tinha muitas memórias ruins daquele lugar, mas não era momento de iludir-se com um passado que não pode ser desfeito nem mesmo pela mais poderosa intervenção divina na linha do tempo espaço.

O teto estava em pedaços e muitas rochas haviam se chocado ao chão, havia muita poeira, o templo estava sendo lentamente derrubado pelo tempo, apesar do esforço de não se render. O ambiente era a mais pura escuridão, alguns homens tentaram acender uma tocha em um pedaço de pau que sempre carregavam para viagens como essas, mas um vento profundo do interior do templo não deixou que a chama permanecesse. E o templo penetrava para dentro da montanha, com temperatura cada vez menor. Os homens indagavam-se para onde é que Ramon os levava, e não podia perguntar-lhe e nem ousariam caso pudessem – era uma figura muito sombria. Ramon já estava próximo do local místico ao qual colocaria início a sua jornada e apenas precisaria da ajuda daqueles 20 homens.

Em um súbito momento da jornada Ramon virou para trás, o que foi um tanto inconveniente para os homens que pensavam que ele ficaria quieto e permaneceria adiante pelo resto da caminhada. Entretanto sua aboca abriu-se dentro daquela estranha espécie de elmo com uma voz bastante rouca que estava prestes a explicar o que aqueles vinte e cinco homens estavam fazendo por lá.

— Eu não pedi para que me seguissem até aqui para que prosseguissem como tolos ignorantes que mal sabem a ação que estão prestes a fazer. O que lhes digo é que o motivo é o mais nobre possível e que para proteger a nossa civilização completar o ato é necessário. Eu apenas tenho um momento para explicar-lhes isso porque o tempo é curto, apesar dos dias serem muitos. A terra que vocês pisam é a da mais sagradas, não lhes culpo por não saberem disso, as nuvens têm escondido esse templo ancestral há milênios junto com o conservadorismo da nossa nação que não tem nenhuma curiosidade em conhecer o seu próprio território. Eu, Don Ramon, criador do clã por que vocês lutam e estudaram em toda a sua vida, requesto da ajuda dos sábios senhores para que utilizem suas forças. Não poderão seguir o caminho porque para que um possa ir mais de vinte ficarão; essa é uma das regras da vida. A outra regra da vida é que podem fazer o caminho da volta pelo mesmo que fizeram o da ida, mas com as costas dadas para o X vocês não podem sucumbir ao desejo de olhar para trás – porque nada virão, eu não estarei mais aqui e as nuvens novamente ajudarão a manter esse lugar sagrado escondido das profanas mãos humanas. Não pedi ao líder do clã para que me enviassem os homens mais fortes, vocês não são, nem os mais inteligentes, porque vocês não são. Eu pedi os homens com maior equilíbrio para que pudessem abrir caminho com suas energias vitais para que eu pudesse ultrapassar. E então os ignorantes e débeis perguntarão: Por que nós vinte que temos que ficar para que um o senhor possa ir? Porque há algo que vocês não têm, uma coisa que adquiri por aqui no passado, que eu hoje em dia tenho. Em suas idades eu também não tinha, mas foi o cenário que passei nesse templo que fez-me ter coragem. Vocês dizem ser corajosos? Não sobreviverão para além daquele portal pela falta de experiência e sabedoria, mas não vim aqui para apontar seus defeitos ou elogiá-los. Eu apenas peço a ajuda para que possam abrir nobremente caminho para que eu passasse. Há algo que está contra a nossa existência e não se pode deixar de lado. É tudo parte de uma grande teoria de conspiração, é o que eles acreditam, mas quem somos nós além de pequenos insetos para que possamos julgar o que outros insetos pensam? Também não estou aqui para isso, estou para que me sigam os próximos cinquenta passos e ajudem-me a terminar o que outros insetos começaram. Ou morrer tentando.

A caminhada seguiu e Ramon, mestre de sua própria mente e de seu próprio corpo, usou de seus artifícios para que não lhe fossem à cabeça imagens tristes do passado entristecido gerada pela imagem daquelas pilastras. Ramon havia vivenciado milhares de anos terrestres e sinceramente não via grande diferença no que a sua terra natal havia se transformado. O planeta continuava girando e pessoas morriam de mesmas maneiras que tempos passados, não é um motivo para se orgulhar que os humanos são uma raça que remete ao passado e repetem-no diversas vezes de maneiras diferentes. Não inovam, apenas reutilizam do passado com escolhas que já foram feitas, mas em diferentes razões e por diferentes motivos. E dão em um mesmo final: a morte. Ramon era de fato humano, mas não se sentia o mesmo de antes. Desde que aquilo acontecera.

Estava prestes a encontrar a felicidade naquele passado distante, e provavelmente caso não tivesse partido seu coração com o final de sempre teria apenas trinta anos mais ou menos. Mas seu coração partiu-se e Ramon não fervia mais como o magma no interior da terra. Foi a derrota de si mesmo que fez com que vivesse por mais anos, mas viveu angustiado – tal como vivia até hoje. Tentara viver de sua forma com pessoas que não tinham outros motivos para viver além do conhecimento máximo – sua única razão de viver por centenas de anos. Mas Ramon um dia percebeu. Foi durante a noite de um outono que percebeu com seu olhar severo e profundo de sempre que as pessoas sempre viviam por outra coisa. Era o único que vivia por algo que não amava, e viu que era diferente de todos e se isolou em outro mundo onde não tinha mais nada a observar além do movimento das pessoas e de seu planeta em sua mente, que ainda se ligava à terra natal.

Tantos anos de solidão fez com que Ramon aprendesse a amar aquelas pessoas e prezar por elas. Ramon não se sentia parte delas, mas era como o cão de guarda que se sentia feliz com a presença do amor das pessoas e tinha de protegê-las. Não foram poucas as vezes que por trás das cortinas acabara com forças que tinham interesses de destruir com aquilo que amava. Forças que nem os próprios moradores da terra sabiam, e que nunca saberiam. E Ramon pensava que não tinham que ter mais uma preocupação em mente. Ramon gostava do fluir do lago, do cantar das aves e da mente livre humana. Da conversa fiada entre amigos, das conversas sérias com colegas da vida e do olhar humano. Foi Ramon que uma vez fez com que a raça humana não se destruísse. Ao invés da raça por completo, conseguiu apaziguar para a destruição de apenas uma pequena ilha.

Pequena ilha onde pessoas inocentes não mais caminhariam e que homens não mais sentiriam seus sonhos na praia do coqueiro ao sul da rocha mais larga. Onde ninguém teria a informação que a guerra tinha acabado, não o mundo. Mas as pessoas haviam morrido, e Don Ramon sentiu como se fosse sua culpa. Havia treinado mal o rapaz, pensou, mas sabia que não era sua culpa ou de Krom Hellrock. O destino reserva a cadeira de cada um nos atos da história. Nunca pensaria que o garoto destruiria a ilha para que a guerra terminasse, junto com milhares de vida. Não cabia a ele, entretanto, julgar o garoto como um idiota, um assassino ou um herói. Isso as pessoas mesmo faziam. Não podia julgar aquele mundo sanguinário e movido pela morte. Porque era apenas mais um inseto, assim como aqueles outros insetos.

Ramon de fato nunca acreditara nessa frase. Não era mais como os outros humanos desde que seu coração fora quebrado pela dor profunda da perda, tal como quando Molly soubera que seus amigos de guerra Xupa Cabrinha e Krom Hellrock não tinham paradeiro algum. Mas Ramon decidiu seguir o caminho da isolação porque uma vez havia provado a felicidade, e sabia que nunca mais a encontraria naquele mundo com aquelas pessoas e com aquele final de sempre.

Ramon nunca mais se dirigiu aos humanos como se houvesse uma esperança. Sentia que haveria um fim. Havia perdido parte de si, durante aquela guerra e durante a catástrofe que a ela deu o fim. E, mais de tudo, Ramon pela primeira vez sentiu-se isolado. Sentiu que talvez a morte fosse a única saída, mas percebeu que era bobagem. Um homem com um coração partido já está morto, impossibilitando de cometer suicídio. Ramon não podia abandonar aquele mundo, não da forma a qual ele andava. Porque voltou a ser lindo como era antes e Ramon gostava disso, as coisas sempre giram da mesma maneira na história da humanidade e esse momento – de compaixão, de intervalo – era o seu preferido. Não era o que mais durava, mas valia a pena viver por esse breve momento. Era o mais próximo de sua felicidade que podia estar – assistir a felicidade dos outros. Queria que vivessem com seu semblante ambíguo de mente e coração, sendo falso ou verdadeiro.

Ramon não costumava interferir nos acontecimentos, mas dessa vez queria lutar para que aquele momento de harmonia se mantivesse. Para um sábio ancião, era uma decisão tola. A história está fadada a andar em círculos e mesmo que a harmonia se mantivesse a morte novamente viria, mesmo que impedisse a qual planejava combater de entrar em ação. Como um amante, era a sua obrigação.

Os homens aproximaram-se de uma grande mesa redonda feita de mármore, que havia sido construída junto com o local. Não estava perfeitamente redonda, pois partes haviam caído por causa do tempo, mas era a mesma mesa de sempre. Havia vinte e cinco lugares e os vinte e cinco homens sentaram-se na cadeira, mesmo hesitantes com as ordens estranhas de Ramon. Com as cadeiras ocupadas, palavras foram ditas por espíritos ambulantes e o portal surgira à esquerda da mesa. Ramon aproximou-se e viu os homens caírem em sono. Quando levantassem, seguiriam suas instruções e iriam de volta ao clã em uma longa jornada. O portal logo se fechou e o último passo para dentro dele foi dado.

Se morresse nessa missão, sabia que nunca mais seria lembrado. Não fora um homem que fizera grandes traços na história do universo e não seria confrontando o inimigo daquela forma. Óbvio que pessoas lembrar-se-iam de suas frases e de sua face, mas as memórias morreriam junto com elas. Viu civilizações nascerem e morrerem, viu o império Caraspattio em seu apogeu e viu as grandes manobras de guerras em séculos. Viu pessoas morrerem por ferro e depois por máquinas, viu pessoas serem transformadas em cinzas e viu filhos que não tinham mais pais. Viu pessoas levantaram-se e cidades se erguerem em sua sombra. Ramon também viu o fim. O início era apenas suposto, mas a partir da metade da história já conseguia saber como seria o fim. Era um homem muito minucioso e bom em montar quebra-cabeças, observava cada movimento de cada cidadão terrestre em cada segundo e podia ver quem tinha a maior energia vital e quem não teria relevância na história da humanidade. Conseguia ver que seus esforços seriam inúteis e que após isso, coisas mudariam.

— Nunca mudam – disse Wilson, antes de ser derrotado. E por suas palavras tolas foi derrotado pelos ataques de Hian, um outro inseto que tinha a teoria que poderia não ser correta e talvez idiota, mas Ramon era apenas um inseto – também – para que pudesse julgar. Via a energia de Wilson depois do portal e sabia que com sua ajuda alguma coisa poderia ser feita. Não conseguia saber se assim conseguiria sucesso porque Wilson não estava nas imagens que via do futuro. Talvez o futuro não fosse como havia visto.


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