Facção. Dos. Perdedores escrita por jonny gat


Capítulo 24
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Não que Molly realmente acreditasse no papo místico que vinha normalmente pela boca cristã, muito menos sua mãe que o obrigara a ir para a igreja naquela noite fatídica. Estava ali por vontade própria e ponto final, entretanto o ambiente celeste não era de seu total agrado. Nunca gostou de ir à igreja, normalmente, quando ia, em sua infância, costumava dormir nas humildes cadeiras de bar da igreja de sua comunidade. Ia sim, pois sua mãe lhe obrigava a isso. Preferia ficar em casa para assistir o filme do Pelé a que ouvir uma palestra com pouco nexo sobre a origem da vida e como devemos aceitar o fato de que Jesus manda em nós.

Pisar no chão da igreja era nostálgico, entretanto a qual pisava no momento era um tanto diferente daquela que costumava dormir em sua infância. Era mais chique. Era mais perfumada. Havia banheiros limpos. Havia banheiros sem tráfico de drogas, mesmo estando em Black Dog. Havia tanto comprimentos quanto larguras maiores se equiparada com a igrejinha da esquina de seu gueto. Afinal, não se pode comparar o Vaticano com uma simples igreja de fundo de quintal.

Não, Molly não estava no Vaticano. Entretanto era tão belo e celestial – interiormente e exteriormente – que aparentava estar entre os anjos. Mas isso tudo era baboseira em sua opinião.

Situava no local, pois era a sua consciência que lhe ordenava fazê-lo. Estava com preguiça, ainda mais se levantarmos o fator tamanho, até porque o local era enorme. Teria que atravessar cerca de mais de trinta metros de tapete vermelho e sagrado apenas para poder chegar ao templo, local onde normalmente o palestrante se apresentava. Era o local a frente de todas as cadeiras métricas feitas a partir da mais rica e valiosa madeira encontrada em todo o mundo...

A Catedral de Wissgan foi uma das únicas coisas que o presidente Wissgan realmente fez durante seu pequeno mandato – além de aumentar os impostos e roubar os bancos nacionais, coisas típicas que não se deve ressaltar, pois é o óbvio. Wissgan ou era um bom cristão ou fingia muito bem. Em todos seus discursos, sejam eles via televisão; internet; ou partículas subatômicas; nunca se esquecera de sempre rezar o pai nosso antes e durante suas palavras. Era tudo uma farsa, era apenas um modo de tentar roubar dos evangélicos seu voto e tentar roubar ao máximo durante seu mandato de quatro anos. Não esperava que conseguisse repetir o mandato por mais quatro anos nas próximas eleições, na verdade também não esperava que um protesto de cientistas que estavam sem grana graças à desvalorização da ciência e da teoria do [i]big bang[/i] por parte do presidente.

O país, assim como todo o restante do mundo, estava na época de acreditar na ciência e o que mais queriam eram novas engenhocas para poderem comprar e se gabarem para seus amigos. Era uma época revolucionária, e um presidente religioso de merda estragaria tudo.

Os cientistas então partiram contra o governo. Todos os intelectuais agora eram adeptos à esquerda, até mesmo aqueles que antes preferiam andar pela direita graças à verba vinda do governo. Só que essa verba não entrava mais em seus bolsos, e logo não podiam fazer aquilo que mais gostavam – pesquisas e engenhocas revolucionárias –, e por isso entraram no lado negro da força. Fizeram um protesto. Mas não um protesto estúpido onde saiam com cartazes contra o governo, pois acabariam sendo reprimidos a tiros. Em toda sua palestra, em suas entrevistas na televisão, em seus programas de televisão em canais de documentário... Sempre deixavam de dar uma pequena mensagem subliminar. Eram inteligentes, deixar alguma coisa subliminarmente entendível para o telespectador era a mais fácil das equações. Contudo, o povo foi às ruas com cartazes, feito idiotas, e depois de muita bala de borracha e bombas de gás o presidente foi deposto em nome do bem e da ciência.

Voltando ao assunto da Catedral, pouco lucro era gerou para os governos futuros ou durante o mandato de Wissgan. Havia um problema grave – a indisponibilidade de acesso àqueles que realmente iriam pagar. Os ricaços eram mesquinhos e fresquinhos demais para andarem em Black Dog, região onde a cada esquina era possível encontrar narcotráfico disposto à visão a partir de olho até mesmo nu e uma boa duma camisinha usada. Poucos magnatas – apenas aqueles que diziam que a fé era maior do que o odor daquela miséria vinda das ruas da região – ousavam colocar suas limusines pra rodar por lá à procura do perdão de cristo. A maioria, surpreendentemente, acreditava mesmo no celeste santo do céu e costumavam rezar antes de dormir para ser perdoado por Deus pelos seus pecados contra os bancos federais.

Molly conseguia sentir a partir de sua mão áspera e enverrugada a quantidade de lucro investido em uma bobagem como aquela – o autor refere-se à tática das calúnias e blasfêmias de Wissgan – quando o mundo sofria de fome e com a falta de água. Sentia com sua mão, que passava levemente por alguma daquelas cadeiras e logo então sentou.

Encarava a pintura do santo cristo que preferia encarar o homem e esforçar-se para alcançar-lhe o dedo indicador para então dá-lo a salvação. Entretanto Molly estava mais concentrado em outras coisas, tudo o que passava na sua mente infelizmente era triste e tratava-se do passado e dos males sentimentais que causara contra sua mãe. Fazia um sorriso bobo, típico de um namorado idiota após dizer que a relação estava bem e não é só porque a amiga de sua amante era bonita que a trairia. Abriu outro sorriso bobo, este dessa vez que fora ofuscado por sua mão que tinha intuito de esconder aquele sorriso falso, que mais demonstrava tristeza.

Coçou a nuca e logo após olhou para sua discípula e seu devido companheiro de trabalho, estes que vinham de trás com passos mais vagarosos e confusos, indagavam para suas respectivas consciências o motivo de estar andando perante tamanho desperdício de dinheiro.

– Por que estamos aqui? – indagou Rick, ousado e irreverente. No quesito de perturbar a paz interna do caolho, não perderia oportunidade alguma e pode-se afirmar que sempre foi um grande artilheiro nos jogos de futebol em sua cidade natal (mesmo sendo desprovido de habilidade).

– De vez em quando é bom ir à igreja. Vocês não concordam? Ainda mais que temos uma batalha se aproximando, e será muito difícil.

– Não sabia que o senhor, tão imponente que é, acreditasse nesse tipo de coisa. Religião é a decadência total do pensamento humano, é uma desculpa dos burros de como o universo fora criado e qualquer outra curiosidade fundamental vindo do fundo da mente humana. “Por que os planetas são redondos? Porque deus quis”. Ouvi muito isso na minha infância. – Rick fora uma vez muçulmano e preferia guardar essas lembranças em um baú e jogá-lo no meio de um mundo desconhecido e dizer, em seu dia de morte, que aquele que o encontrasse seria o rei dos piratas.

– Mas eu não acredito meu caro, só que de vez em quando somos forçados por nós mesmo ou até por outras pessoas para ir a certos locais – explicou.

– E realmente acha que há a necessidade de rezar para derrotarmos inimigos tão fracos? – indagou Rick, sentia-se subestimado.

– Nunca se sabe quando iremos morrer.

Ino preferia ficar quieto quando o assunto era a vontade de seu mestre. Era óbvio que estava ali porque queria, ninguém estava ordenando-o a isso e a resposta, caso perguntasse, seria – obviamente – que estava ali porque queria e ninguém estava forçando-o. Talvez o próprio estivesse forçando-se no interior alarmante de sua mente a ir à igreja. Não o conhecia muito, apenas o considerava um homem de respeito.

– E alguém está te esforçando? Quem? Sua mãe? – Riu, mal sabia que estava golpeando o caolho na ferida.

Era apenas uma piada, apenas uma piada. Não há porque irritar-se por uma piada vinda de um saco de pancadas qualquer, não pode levá-la para o lado pessoal. Estava quase perdendo o controle de seu punho. Molly começou a desabafar, aqueles sentimentos estavam presos em sua mente há anos enfim podiam sair por sua boca.

– Sabe, há anos atrás quando eu ainda era um jovem ingênuo e feliz, eu era egoísta demais para pensar em alguém além de mim mesmo. Eu nunca esperei magoar alguém, não tinha essas intenções, só que como qualquer outro jovem arrogante, eu agia arrogantemente e isso gerava sentimentos negativos por parte de qualquer outro que me acompanhasse. Tenho sorte de hoje ser um homem muito mais gentil e simpático, aprendi com o tempo que mais vale a educação do que o respeito recíproco. Eu realmente sou muito grato àqueles que me aceitavam da maneira que eu era e está na hora de eu agora aceitar os outros como eles são, o que eu não fazia antigamente. A verdade é que em minha puberdade a ninguém eu realmente demonstrava respeito, eu dizia que para respeitar alguém em troca eu deveria ser respeitado. Mas eu nunca era respeitado, e isso me perturbava a ponto de fazer que eu pensasse que eu fosse um fracassado. O grande problema é que eu primeiramente nunca respeitei ninguém e, em troca, nunca fui respeitado. Tive poucos amigos, a minha ignorância foi o meu grande problema, aquilo que me afastava dos outros apesar de eu sempre ter boas intenções – desabafou Molly.

Rick não conhecia alguém com tanto fôlego assim para dizer cerca de sete longas frases sem uma considerável pausa. Mas era Molly, o rei da resistência. Pensou em perguntar “e daí?” para causar a fúria do careca, mas pensou que isso realmente seria um desrespeito.

– Minha mãe era uma mulher fiel à sua religião, caso era cristianismo ou catolicismo disso eu não me lembro. Apenas lembro-me que sem dúvidas entre as mulheres de sua idade, ela era aquela que mais suportava a dor da tristeza sem ao menos chorar. Era uma mulher forte, talvez eu tenha puxado um pouco ela em relação a isso, só que era gentil demais para eu perceber que ela realmente era uma mulher que dava-me apoio com seus insultos. Por mais que me chamasse de vagabundo, apenas era uma síntese para dizer-me que queria que eu a ajudasse com as tarefas de casa ou que eu fosse estudar. Nunca pensei desta forma, eu apenas queria viver em paz e com privacidade em minha puberdade em frente aos meus amigos, poucos, ao invés de estar de cara nos livros.


– Minha propriedade era divertir-me, entretanto das ofensas eu já estava cansado e quis prová-la que estava errada e que eu não era um real vagabundo assim como ela dizia. Era uma ótima mãe, pena que isso eu não pude reconhecer. Agora apenas posso lamentar junto a vocês, os meus únicos amigos da atualidade. Caso eu dissesse que o Grande Molly apenas iniciara sua carreira militar em um curso de fundo de quintal na esquina de minha rua para provar à mãe seu valor, vós acreditaríeis?

O seu monólogo era triste e deprimente.

– Mas a reação que eu esperava dela ao adentrar nesse tipo de carreira foi totalmente o contrário do que ocorrera. Provavelmente ela lembrou-se de que meu pai... – Molly lembrou-se de seu pai.

Não tinha muitas lembranças em relação ao seu pai, além de um chapéu bastante sagaz e um terno totalmente branco que ficava subentendido o fato de que era um homem que lutava pela paz mundial. Nunca realmente soubera o nome ou coisas do gênero dele, apesar de saber que abandonara a família. Não sabia se abandonara realmente a família. Segundo sua mãe, o pai de Molly foi um homem corajoso demais que teve de largar o filho e sua mulher em troca da paz de sua nação. Traduzindo todo esse drama, seria entendível de que o homem era um militar. Molly pensava outra coisa. Seu pai abandonou a família, era isso que pensava, assim como qualquer outro homem desonrado costumava fazer na região de sua terra natal – uma comunidade.

Ino também não tinha boas relações com o pai, seu sobrenome fazia da grandeza praxe, contudo tamanho poder nunca pudera ser consumado em suas mãos. A jovem Norris foi várias vezes subestimada pelo pai enquanto tal permanecera no planeta.

– Ela sempre dissera que meu pai fora para guerra ao invés de ficar em casa cuidando da família. Entretanto eu tenho outras hipóteses – calou-se, tentou mudar de assunto. Não era de sua preferência questionar a honra de seu pai. – Por isso preferi ficar quieto a contá-la sobre meu curso militar, temia que ela ainda tivesse certo trauma, e, portanto, calei-me em relação a isso. Nunca cheguei a dizer a ela durante meus estudos, pois sabia que ela surtaria e me obrigaria a sair do curso.

– Só que o que eu queria era orgulhá-la, dar a ela o gosto de saber que seu filho seria um grande homem. Um homem de guerra. Contudo não calculei o quanto doeria para ela ver que perderia seu filho na guerra, assim como o marido. Era uma alegria para eu saber que, no último dia, que eu fora escolhido entre muitos outros, assim como meus poucos amigos, a ocuparem grandes cargos no exército. Não eram cargos altíssimos, entretanto seria uma honra para minha mãe saber que eu, um menino do gueto sem-futuro, não precisaria acordar toda manhã antes mesmo do sol aparecer para capinar. Eu estava feliz, ela não.

A fisionomia de Molly demonstrou tristeza.

– A velha surtou, literalmente, não tinha pensado até então na possibilidade de me perder na guerra e era algo que lhe doeria muito no coração caso isso acontecesse. A bronca que tal me dera tirara totalmente minha alegria e transformou-se na mais pura revolta. Foi triste despedir da minha mãe sem mais nem menos para um dia antes de partir para o campo de batalha sem olhar nem pelo menos em seu rosto. Eu esperava vê-la de novo, após a guerra, essa que demorou milênio. O meu desrespeito e minha falta de consideração pelo fato de que ela fora desde a infância ter me cuidado demonstrado a partir dos olhos que nem pensei em virar a ela em meu dia de despedida foram aquilo que até hoje fazem minha consciência pesada. Eu não pensava que, quando voltasse para casa e toda aquela guerra terminasse, ela não estivesse mais lá... O sonho dela sempre foi poder pisar no chão desta igreja, poder rezar perante a grande pintura... Ela sempre acreditou em deus... Estou aqui para honrar sua tradição, e tirar a sujeira de minha consciência. Então, caso permitam-me... Gostaria de ficar a sós.

Ino achou estranho, conhecia o seu mestre, mas por rosto. Não sabia dessa história, e era triste demais. Tanto ela quanto Rick chegaram a ficar sem jeito perante o drama da vida do jovem caolho. O que apenas puderam fazer era deixar seu mestre sozinho, teriam que andar novamente quinze metros até a grande porta já que estavam na metade do caminho quando começaram a dialogar. Molly prosseguiu a dirigir-se até o fim do grande tapete vermelho até quando seus passos tornaram-se vastos e lentos.

Molly parecia estar suspeitando de algo, virou seu olho direito – o único que lhe era possível enxergar, o outro estava tampado por um tapa-olho – para tanto a direita quanto esquerda. Estava procurando algo, alguém. Era difícil entrar esse alguém, até porque não sabia quem era. Apenas sentia uma presença no meio daquele silencia e no ecoar de seus passos. Uma aura furiosa, cuja ira arrepiá-lo-ia caso o caolho fosse ainda um jovem inexperiente. Mas sua experiência dizia que aquela aura era simplesmente a fúria, sem poder algum e isso levou-o ao pensamento que não necessitava de toda essa preocupação. A aura furiosa estava recebendo mais atenção do que merecia, todavia por mais que fosse fraca, Molly ainda conseguia senti-la aproximando-se cada vez mais e expandindo a sua força.

Em certo momento em que a intenção assassina chegou ao seu ápice e o poder ao menor ponto possível, Molly então decidiu prosseguir com a normalidade de seus passos que eram normalmente lentos, principalmente porque passara mais de dois anos sem poder andar e isso será melhoradamente explicado mais tarde pois o autor não tem saco suficiente para encher tanta lingüiça em um só capítulo.

Era uma aura que lhe lembrava os tempos quando ainda era um amador no quesito de controle de energias. Na época em que a energia amarela que corria em seu corpo ainda não conseguia andar pelas ruas de seu músculo sem fazer uma curva certa. Mas com o tempo, aprendeu que não devia estacionar em zona reservada para deficiente e que o sinal vermelho de vez em quando não precisa ser necessariamente respeitado.

Sentia uma breve radicalização no local que dava calafrios na escuridão do local, apenas era iluminado pela luz lunar que demonstrava estar no ponto culminante do dia, pois era refletida por um grande vidro no centro exato do local, próximo a um candelabro.

Viu então a figura de dois olhos furiosos, e um terno e gravata – o que já era normal avistar em um homem. Os olhos demonstravam a total intenção assassina, e Molly não precisou falar mais nada para perceber que o jovem estava sedento por sangue.

Provavelmente aquele jovem tinha algum problema com o caolho, só que esse preferia ficar quieto. Perguntar, naquele momento, não resultaria em nada.

Ambos partiram, em posição de batalha, para o confronto.


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