Haymitch

   Depois de muito tentar, finalmente consegui trazê-la para o Distrito 13. Teve de ser hospitalizada devido aos ferimentos da tortura. Como deixei isso acontecer? Sempre que tinha a oportunidade e a privacidade, ia ao quarto dela na ala hospitalar e ficava lá sentado, segurando sua mão e balbuciando mil pedidos de desculpas. Seu cabelo loiro tinha sido queimado na base de seu crânio, e a pele dessa área, da parte de trás do pescoço, estava em carne viva. Ela tinha sido deitada de lado, com tubos de oxigênio em suas narinas. Enquanto admirava suas feições ainda macias, o rosto que eu tanto amava inerte, senti toda a solidão que havia sentido nos anos antes dela voltar pra minha vida me inundar novamente, pensando em todos que haviam se machucado por minha causa. Minha mãe, meu irmão, minha namorada, todos os meus tributos, que não consegui manter vivos. Respirei fundo. A culpa não tinha sido minha. Foi tudo a Capital, foram eles que levaram todos à morte, foram eles que tinham feito isso com a Effie; eram eles que mereciam se sentir desse jeito. Que merda. Eu estava precisando de pelo menos três garrafas de uísque.

   Acorda, Effie, por favor. Me desculpa.

Effie

   Finalmente acordei em um lugar diferente daquela cela infernal. Estava tudo borrado e claro demais, mas pude imaginar que fosse um quarto de hospital. A dor persistia, mas muito menos intensa. Abri meus olhos inteiramente e tentei focar na figura que estava na minha frente.

  - ... Aber?

   A figura deu um pequeno sobressalto, como se acordasse de um sono leve. Aproximou-se de mim afobado, segurando minhas mãos nas suas. Seus olhos azuis familiares me chamaram a atenção. Ele parecia preocupado, cansado, triste, eufórico, absolutamente exausto, aliviado, realmente muito cansado. Que olheiras profundas.

  - Você tem que dormir mais – sussurrei.

   Ele sorriu, descrente.

  - Caralho, Effie. Eu senti sua falta.

   Assenti e voltei a dormir.

   Após algumas semanas já estava mais recuperada, mas não 100%. Usava um turbante feito com trapos das roupas cinzentas do 13 para cobrir meu ferimento de queimadura e deixá-lo cicatrizar. Aber parecia apreensivo sentado na cama ao lado da minha cama.

  - O que foi, Aber?

  - Eu... não quis falar nada antes pra não te incomodar, porque acho que você não vai gostar de ouvir isso, ironicamente, mas... enfim, o que quero dizer, Effie, é... me desculpe. Eu deveria ter te convencido a fugir da Capital. E, mesmo quando não funcionou, devia ter me certificado melhor que você estaria a salvo. Não sabia que eles antecipariam meus planos, mas não devia ter permitido que isso acontecesse com você.

  - Aber, cala a boca – respondi, antes que ele continuasse a divagar – Eu fui teimosa e decidi ficar. Fim da história. Você fez o que pôde.

   Ele sorriu.

  - Eu sabia que você diria isso. Mas ainda assim, só porque você me perdoou não quer dizer que eu vou fazer o mesmo.

   Balancei a cabeça. Ambos éramos teimosos. Acenei para que subisse na cama e abracei-o.

  - Quando tudo isso acabar, o que vamos fazer?

   Ele riu.

  - Mudar de nome e ir pro 12, lembra?

   Beijei-o demoradamente.

  - Verdade. Ótima ideia.