Red as blood escrita por Tainá Mosch


Capítulo 1
Verde musgo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/445962/chapter/1

“My Sugar Is So Refined” – Johnny Mercer & The Pied Pipers

Melanie bebia seu segundo copo de vinho em um dos bancos estofados do bar quando alguns bêbados cambaleantes finalmente abriram entrada para os oficiais do exército. Seus olhares intimidadores alcançaram todos os rostos ao redor do bar, incluindo alguns que se retiraram ou outros que tiveram suas risadas interrompidas. Achava impressionante como suas posturas iam de tatus a cavalos de um instante para o outro, e como o silencio abria espaço para os bafos poluentes dos que bradavam o nome do diabo.

– Um brinde ao Füher! – dizia um deles para que o bar inteiro ouvisse. Alguns tolos levantavam seus copos e taças na direção do soldado com um sorriso nervoso no rosto. Melanie não deixaria de notar que ele tinha os olhos fixos em sua direção.

– Convém que todos compartilhem do mesmo orgulho que eu. – ele diz mais uma vez querendo atingir a todos os ouvidos. Ela o encarava como se ele fosse apenas uma galinha cacarejando aos seus pés. Ignorando o festejo dos colegas ao seu lado, o homem sorriu charmosamente para Melanie, que tomou mais um gole de seu vinho, pousou a taça na mesa ao lado de algumas pratas e saiu andando pelo bar.

Já estava cheia daqueles olhares e sorrisos nojentos estampados de verde musgo. Mal conseguia focar sua atenção em outra coisa que não fosse a suástica no braço de alguns deles. Sabia que seus olhos eram claros e seu cabelo castanho perfeitamente alinhado ao rosto, só não dava importância. No final das contas, o charme de qualquer sorriso era ofuscado pela luz que refletia no broche das fardas.

Assim que coloca os pés para fora do bar, Melanie se impressiona com um toque quente contrastante em seu braço e se vira imediatamente.

– Soldado Schwarz. – ele sorri.

Melanie olha bem no fundo de seus olhos azuis em silencio pelo o que parece ser uma eternidade, até que finalmente dá as costas, voltando a caminhar sem pressa.

– Você é? – a voz dele soa pela rua.

O soldado parecia tê-la alcançado com apenas dois de seus cinco passos.

– Judia. – ela diz.

Ele solta uma gargalhada que ecoa pela rua. Seria notavelmente estridente se não fosse pelo som dos motores de carro e das outras gargalhadas vindas dos lábios vermelhos das mulheres que bebiam na calçada com alguns homens imundos.

– E se eu não estivesse brincando? – ela diz.

– Mas é claro que está! – ele retruca. – Nenhum judeu no mundo teria sua aparência.

– Minha mãe era judia. E posso afirmar que estes traços não vieram de outro lugar.

– Sinto muito pela escolha de sua mãe. Apostaria minha vida que não fez a mesma.

– Também não escolhi ser alemã.

Ele sente pela primeira vez o golpe de suas palavras.

– O que tanto te perturba? – ele pergunta, procurando seus olhos atrás de seus cachos castanhos.

– Neste momento, apenas você.

O soldado solta um riso. Melanie sente seu olhar insistente sob ela, mas esquiva-se do impulso de olhar em seus olhos novamente.

– Eu gostaria que tivesse sido apenas uma brincadeira. – ele diz. – Espero poder acompanhar novamente sua fuga em uma próxima noite.

Melanie o olha do canto dos olhos enquanto ele para no meio da calçada com as mãos cruzadas nas costas. Quando parece ter certeza de que está distante o suficiente para ele já ter voltado ao bar, se deixa dominar pela curiosidade e vira levemente a cabeça para trás. É surpreendida pelo soldado ainda com as mãos cruzadas a observando de longe. Ao perceber seu possível interesse, ele sorri com seus olhos brilhando. Melanie mantém sua postura voltando-se para frente. Dali para frente jamais se viraria para trás.

Até agora preferiu não pensar na noite anterior. A lembrança do rosto do soldado a causava repulsa. Malditos nazistas. Era de se esperar que jamais voltasse ao mesmo bar. Pagaria o preço de um bom whisky pela distância entre ela e qualquer cachorrinho nazista. E já sentia falta do bom whisky. A cada gole do novo, um baixo gracejo.

Gostava da guerra enquanto podia ser esquecida, pensou. Aquelas seriam as piores semanas. Tinham sua benção os soldados inocentes que voltavam para suas famílias, mas detestava ter de dividir as ruas com aqueles egocêntricos soldados enfaixados com a suástica alemã, carregando a bandeira feito uma cruz. Era incapaz de escolher entre o ódio e a pena.

Melanie coloca o copo pela vigésima vez acima da mesa ainda pela metade. Decide se levantar para dançar quando um rapaz bem vestido de um sorriso contagiante a pega pela mão e a arrasta para a o centro da pista. Dança por alguns segundos com o mesmo rapaz antes de ser girada e cair nos braços de outro desconhecido. Seus olhos não se incomodam em abrir. Sente os braços fortes dele a envolvendo e seu rosto se aproximando do dela.

– Não sabia que judias dançavam tão bem. – ele sussurra em seu ouvido.

Seu timbre corta-lhe os tímpanos e ela abre os olhos.

O soldado, pensa tolamente. É claro.

Melanie se afasta com o estômago embrulhado e ele a envolve novamente no ritmo de seu corpo a força.

– Pensei comigo mesmo ontem à noite... Por que acompanhá-la numa próxima fuga se posso fugir com ela? – ele sorri com os olhos fixos em seu rosto.

Ela bufa, expelindo as palavras dele de sua mente enquanto tenta empurrá-lo para longe. O soldado a segura com mais força e Melanie revira os olhos.

– Efeitos da guerra.

– Você não esteve na guerra. – ela murmura.

– Oi? – ele grita como quem não pode ouvir. – Eu sou um soldado!

– Se tivesse estado na guerra jamais a defenderia.

– Já ouviu falar em fé?

– Hitler é um homem, não um profeta. – ela esbraveja, finalmente conseguindo se soltar dos braços do soldado.

Só assim percebe que ele não está vestindo a farda verde musgo naquela noite. Ele então permanece parado a sua frente com os braços sentindo a ausência de sua silhueta. Sua expressão é séria e atenciosa.

Melanie respira fundo.

– Eu posso te tolerar sem aquele trapo. – ela diz por fim. – Só seja você.

Os olhos do soldado se enchem de esperança. Ele estende a mão para ela.

– Sol... – hesita por um instante. – Arthur.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Red as blood" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.