Além da morte escrita por Williane Silva


Capítulo 1
O GATO PRETO


Notas iniciais do capítulo

espero que gostem dessa minha nova historia que seja tão boa quanto A mãe perfeita foi.



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O gato preto entrou de mansinho em minha vida como uma sombra e foi por isso mesmo que eu lhe dei esse nome: sombra. Abri a porta da frente numa manhã fria e ali estava ele, um bichano grande, elegante e de lindos olhos verdes.

Entrou na casa com tanto desembaraço, que era como se fosse seu destino estar ali. Não miou, nem emitiu qualquer outro som.

Eu tentei encontrar seu dono. Coloquei anúncios no jornal e avisei todos os veterinários da região. Como ninguém deu resposta alguma, presumi que o gato havia sido abandonado.

- Eu achei um gato. – eu contei a Aro, quando ele me levou para jantar na sexta-feira.- O bichano me adotou.

Aro me deu um sorriso encorajador. Costumava me tratar como se eu estivesse me recuperando de uma longa doença, como se eu fosse uma mulher tão frágil, que pudesse me quebrar.

- Que bom. Um animalzinho de estimação sempre nos traz muitas alegrias!

Aro era um homem alto, mais ou menos atraente cujos cabelos estavam começando a cair. Parecia estar sempre preocupado comigo. Fato que, às vezes, me deixava um pouco irritada.

- Ele não é exatamente um animalzinho de estimação.- expliquei, minha voz soando um pouco mais agressiva do que eu tinha planejado.- Não é um gato carinhoso. É como se pertencesse à casa, não a mim.

Aro me lançou um olhar ainda mais meloso. E sorriu.

- Fico feliz que esteja interessada em algo, Bella.

“Ah, meu Deus, o que será que há de errado comigo?” Eu senti vontade de gritar. “ por que será que sua gentileza me deixa tão louca da vida? Por que tenho tanta raiva dele?”

Porém, a resposta para tais perguntas eram muito claras. Claras demais. Aro, todo certinho e aborrecido, estava vivo. Mas Edward, o homem risonho e irreverente que eu havia amado de todo meu coração, estava morto.

Edward era um biólogo, assim como eu mesma. Havíamos nos conhecido quando ambos estávamos trabalhando na Universidade da Nigéria, eu vinda de Illinois, onde estudei e ele, da Califórnia.

Eu voltei aos Estados Unidos primeiro, já usando a aliança na mão esquerda, a fim de comprar e arrumar a casa que eu deveria transformar no nosso lar de casal. Edward viria ao meu encontro dois meses depois.

Ele havia conseguido um excelente emprego na Universidade de Chicago. Era um homem tão inteligente e brilhante, que todos os alunos desfrutavam o privilégio de tê-lo como professor.

Eu acabei comprando uma casa nos arredores da cidade, uma construção enorme e diferente que certamente ele iria adorar. Acontece, porém, que Edward jamais chegou a morar nela. Na verdade, nem chegou a vê-la. Em vez disso, morreu em consequência de uma terrível febre africana.

Ele havia sido um dos cientistas da Universidade que tentou isolar o vírus letal que surgiu de súbito, dizimando aldeias inteiras no planalto nigeriano. Três dos cientistas haviam morrido. Edward foi um deles.

Seu corpo, juntamente com uma linda pulseira de prata que eu havia lhe dado como presente de casamento, foi cremado, como acontecia com todas as vitimas de moléstias infecciosas. Como o governo nigeriano não permitia que seus restos fossem enviados aos Estados Unidos, suas cinzas, juntamente com algumas partículas de prata, foram lançadas num rio.

Aquilo tudo aconteceu havia mais de um ano. Eu ainda morava naquela casa enorme e excêntrica. E ali estava, meu amigo Aro, esperando que eu parasse de chorar por Edward e continuasse a viver minha vida. Ao lado dele, de preferência.

Aro serviu-se de mais vinho.

- Alguém foi ver a casa essa semana?

- Não. – eu responde, de maneira tão despreocupada quanto possível. – A casa é muito grande, muito excêntrica. Não vai ser fácil vende-la.

Afinal não era verdade. O imóvel poderia ter sido vendido pelo menos uma dúzias de vezes, se eu tivesse abaixado um pouco o preço. Porém, eu mantinha-o bem alto de proposito, para que o negócio não fosse efetuado. Não suporto a ideia de ir embora. Aquela casa, no final das contas, era uma das poucas ligações físicas que eu tinha com Edward.

- Ficar ali, andando de um lado para o outro naquele casarão enorme não vai levar a nada. - disse Aro, com voz decidida. – Se você não quiser vender, então alugue. E compre um apartamento perto da Universidade.

- Eu não estou sozinha. – eu responde. – Não se esqueça de que agora tenho um gato.

- O’ Cornel está morrendo de vontade de se mudar para uma nos arredores da cidade. Disse que seria bom para as crianças. Ele alugaria a sua num piscar de olhos.

Evam O’ Cornel era um novo colega de nos dois do departamento de biologia. Era professor de botânica e pai de seis filhos. Eu vivia dizendo que ele e a família precisavam de uma casa espaçosa, exatamente como a minha.

Seis crianças encheriam aquele lugar de vida, transformando-o num lar de verdade. As vozes e o riso espantariam o silêncio para sempre.

De qualquer foram, eu senti que não podia me desfazer da casa. Aquilo talvez fosse meio mórbido ou doentio, mas não consigo evitar. Ah, como eu gostaria que meus próprios filhos pudessem ter brincado naqueles amplos jardins... filhos meu e de Edward.

- Não. – foi tudo que consegui responder.

Graças a Deus, Aro mudou de assunto e nós começamos a conversar sobre os últimos acontecimentos do departamento. Eu me senti aliviada, porque podia responder de forma mecânica aos comentários feitos, quase sem pensar. Daquele jeito, era mais fácil fingir que eu estava me divertindo.

Mais tarde, ele me levou pra casa. Me acompanhou até a porta e me deu um leve beijo na boca.

Seus lábios eram macios, quentes e suaves. Há seis meses, Aro me pediu permissão para ter aquele tipo de liberdade. Eu concordei, embora aceitei seus beijos como se eles fossem remédio.

Era estranho sentir os lábios de Aro sobre os meus, em vez dos de Edward. Os beijos de Edward incendiavam minha alma. Os beijos de Aro não me provocavam sensação alguma.

- Boa noite, querida.- ele sussurrou em meu ouvido.- Durma bem.

- Obrigado pelo jantar.- eu responde.- Foi muito divertido.

Pelo menos, eu estava aprendendo a mentir.

Eu tinha acabado de completar trinta e três anos quando fiquei viúva. E as pessoas não se cansavam de dizer que eu era muito jovem para passar o resto de meus dias de luto.

Na verdade, a natureza me deu de presente uma aparência que combinava mais com a alegria, do que com a tristeza. Meus cabelos, uma cascata ruiva que emoldurava meu lindo rosto, chamavam a atenção de qualquer pessoa que por mim passasse. Igualmente notadas eram minhas sardas, que davam vida ao meu nariz e as maçãs do rosto. As minhas sobrancelhas eram naturalmente arqueadas e minha boca parecia ter sido desenhada para estar sempre sorrindo.

Edward disse que havia se apaixonado por mim no momento em que me viu no laboratório de microbiologia em Ibadan.

- Foi como naquela canção.- ele contou.- Você sorriu e meu coração se derreteu inteiro. Naquele momento, eu senti que era seu.

Eu já tinha ouvido falar nele. Aliás, quem não conhecia o famoso Dr. Edward Cullen, especialista em doenças infecciosas, que foi para a Nigéria estudar mutações na febre amarela?

Apesar de sua pouca idade, trinta e seis anos, já era conhecido como o melhor e o mais brilhante de sua área. E foi recebido na Nigéria como um verdadeiro herói.

Sim. Eu sabia que ele era um gênio. Só não sabia que também era alto, lindo e incrivelmente sensual. Tinha um corpo que parecia ter sido esculpido numa academia de musculação, cabelos castanhos bronze que viviam caindo-lhe na testa os olhos cheios de vida, tão azuis quanto o céu da Nigéria ao meio-dia.

Ele estava de costas, quando eu entrei no laboratório. Ele se virou e então nossos olhares se cruzaram. E, naquele momento, algo mágico aconteceu e de súbito eu compreende que jamais voltaria ser eu mesma.

Ambos ficamos nos olhamos por um longo tempo. E como se estivéssemos tenho uma conversa silenciosa, cheia de encanto e magia.

É você, eu pensei. Você existe. Eu o achei.

E eu achei você, ele parecia dizer. Sim. Você também existe.

Até aquele dia, eu não tinha acreditado em amores românticos, muito menos em amor à primeira vista. Tais sentimentos só existiam na imaginação de autores e compositores de canções melosas e não deviam ser levados a sério por nenhum adulto que tivesse a cabeça no lugar.

Mas então ali estávamos nós, estranhos que, de estranhos não tinham nada. E eu compreende que estive à espera dele durante toda a minha vida. E Edward sorriu pra mim, indicando que tinha exatamente a mesma sensação.

A primeira coisa que ele disse foi:

- Nossos filhos vão nos fazer uma porção de perguntas a respeito desse momento.

E, balançando a cabeça, incapaz de abrir a boca, eu concordei.

- Nós ficamos noivos.- ele disse tempos depois.- No momento em que nos vimos pela primeira vez.

Nos casamos na semana seguinte. O amor que sentíamos um pelo o outro era tão profundo, tão intenso, que as pessoas achavam que não iria durar muito. Mas ambos sabíamos que aquilo não era verdade.

Eu o amava tanto, que às vezes até me assustava. O fato de me casar com ele parecia apenas uma mera formalidade. Era como se ambos estivéssemos casados desde do inicio dos tempos.

O contrato de Edward na Nigéria era um pouco mais longo do que o meu, de modo que eu voltei aos Estados Unidos dez meses depois. Deixa-lo havia sido a coisa mais difícil que fiz na vida. Porém, seria apenas por pouco tempo. Deli a dois meses ele iria a meu encontro e ambos continuaríamos a viver aquele maravilhoso conto de fadas.

Quando ele morreu, eu senti que a maior parte de mim também havia morrido. Eu ainda usava a aliança. Jamais iria tira-la do dedo. Lembrei perfeitamente do dia em que comprei, na Tanzânia.

Ah, Tanzânia... jamais me esquecerei daquele fim de semana, quando havíamos acampado na encosta de um vulcão extinto, agora cheio de vegetação. No domingo, acordamos e percebemos que estávamos rodeados de nuvens, como se estivéssemos no paraíso.

À distancia, podíamos ouvir o ruído de elefantes, um som mágico e primitivo. Edward me abraçou e ambos passamos horas fazendo amor, em meio às nuvens frias.

Eu ainda podia sentir a quentura de seu corpo sobre o meu com tanta nitidez, que meu coração se contraio de dor. Ah, como eu gostava quando ele me fazia se deita na cama e começava a me massagear inteirinha, usando as mãos e a língua....

Quando eu estava nos Estados Unidos e ele na África, as contas telefônicas foram astronômicas. Escreviamos cartas enormes, cheia de humor, carinho e paixão. Costumávamos planejar o futuro.

Eu lhe enviei uma centena de fotos da casa que comprei nos arredores de Chicago e a descreve com riqueza de detalhes.

- Você vai adora-la.- eu lhe disse pelo telefone, quando a encontrei.- É uma casa meio maluca, um lugar onde a família Addams iria se sentir muito à vontade. São seis quartos, ao todo, um mais esquisito do que o outro!

Edward começou então a enumerar as coisas que pretendia fazer em cada quartos e eu aproveitei para dar também algumas sugestões. Ambos rimos pra valer.

- Casa parece maravilhosa.- ele disse.- Quatro dos quartos ficarão para nossos filhos, um será e de hospedes e o outro será nosso. Vamos comprar uma cama bem resistente, porque ela vai ter uma vida muito agitada.

Nos havíamos rido de novo.

Eu estava fazendo a mudança quando Edward ficou doente. Ligou pra mim numa quinta-feira à noite, dizendo estar com uma horrível dor de cabeça. Eu fiquei preocupada. Ele jamais sentia uma dor de cabeça na vida. Mas ele me tranquilizou.

- Não deve ser nada de grave, meu amor. Não se preocupe. Logo, logo, estarei com você. E vamos viver juntos os dias mais felizes de nossas vidas.

Essa foi a ultima vez que eu ouvi sua voz.

No dia seguinte, um colega de Edward o Dr. Sales, me telefonou, avisando que Edward foi hospitalizado com uma febre de quarenta e dois graus.

- Eu volto a ligar se houver alguma mudança no quadro.- ele me disse.

Eu passei o dia seguinte inteiro grudada ao telefone recém-instalado, trêmula e apavorada. Não consegui dormi.

No domingo de manhã, alguém bateu na minha porta. Corre para abri-la e dei de cara com o chefe do departamento, o Dr. Ethan Harris, um médico grisalho e um pouco encurvado. Havia desespero em seu rosto.

E eu compreende imediatamente. Edward estava morto. O homem da minha vida já não existia mais.

Quando o Dr. Sales finalmente me telefonou, ele estava tão nervoso e abatido, que mal conseguia falar. E disse que a ultima frase coerente de Edward foi a respeito da pulseira de prata que eu havia lhe dado de presente de casamento.

- Não deixe que ninguém a tire de mim.- ele pediu sua voz quase um sussurro.

E ele morreu com a pulseira no braço, Sales lhe disse que seria cremado com ela.

No dia que cremaram o corpo de Edward, eu fui até ao quarto que deveria ser ocupado por nós dois e tranquei a porta. Então, guardei a chave no bolso e sai.

Peguei o carro e fui até o lago Michigan, onde passei muito tempo andando por suas margens. Quando a noite caiu, eu tirei a chave do meu bolso a olhei durante um longo tempo, então a atirei na água, o mais longe que consegui. Fiquei durante muito tempo, sentindo o vento batendo no meu rosto.

E foi aí então que eu chorei.


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Notas finais do capítulo

espero que gostem bjus.



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