Peter a encarava esperando uma resposta e Lúcia começou a ficar nervosa. O que diria? Que foi uma rainha em uma terra estranha e cheia de maravilhas? Definitivamente aquilo não deveria estar acontecendo.

–Lembre-se, fizemos um acordo e você vai ter que cumprir com a sua palavra. – Peter deixou claro.

–Nárnia... Nárnia é uma cidade onde passei as férias. – Lúcia gaguejou vergonhosamente.

–Ah é? E onde fica? – Peter quis saber.

–Nos Estados Unidos. – Ela inventou no momento de desespero.

–Eu já estive lá e não existe nenhuma cidade com esse nome. – A cabeça de Lúcia começou a gritar: “Porque ele tinha que dizer isso?”.

–Faz muito tempo e a cidade mudou de nome. – Lúcia não estava mais conseguindo sustentar a mentira, se Peter insistisse ela acabaria falando a verdade.

–Compreendo. – Para sua surpresa Peter não insistiu mais.

Será que ele não havia percebido a mentira? Ou será que havia desistido de arrancar a verdade dela? Seja qual fosse o motivo, ela ficou aliviada.

E pelo resto da aula Peter manteve-se calado, sem encarar Lúcia. Aquilo que começou como uma brincadeira acabou se tornando um muro entre ambos, que os manteve distantes, mesmo que os pensamentos de Lúcia se direcionassem constantemente para o garoto sentado ao seu lado.

***

Susana estava sentada em seu quarto, penteando seus cabelos em frente à penteadeira. Seus pensamentos estavam dispersos. Pensava em sua família e em seu casamento com Augusto, um jovem advogado de carreira promissora que conhecera em um clube ali mesmo nos Estados Unidos. Logo de cara, Augusto demonstrou certo interesse em conhecê-la e mesmo que ela ainda pensasse em Caspian, ela estava em seu mundo e ele em Nárnia, provavelmente já casado, porque o tempo em Nárnia passava mais depressa do que em seu mundo. E afinal, ela precisava seguir sua vida naquele mundo e por isso mesmo alimentou as esperanças de Augusto. O resultado: estava noiva e apenas esperando o dia marcado para o casamento.

Ela suspirou. Tudo seria tão mais fácil em Nárnia, pena que aquela terra de sonhos estava tão distante e inacessível para ela. Presa em seu mundo, era obrigada a seguir as convenções sociais, deveria se casar, constituir família, ter filhos e ser uma boa esposa, como toda boa jovem em sua idade, mesmo que não fosse aquilo que ela sonhara para si, pelo menos não dessa maneira.

Queria tanto ainda ter a idade de Lúcia e simplesmente ser criança, viver de sonhos e esperanças, estar com seus irmãos, porém o tempo é cruel com as pessoas, tira-lhes tudo que a infância representa. Ela agora tinha responsabilidades e já era uma adulta, não poderia desapontar seus pais.

–É preciso aceitar. – Disse para seu próprio reflexo no espelho.

***

Pedro estava chegando ao alojamento da faculdade exausto depois de um longo dia de aulas. Tinha tantos trabalhos a fazer e quase não tinha tempo nem para pensar em se divertir. Mas naquele momento, ele simplesmente deixou os livros sobre a escrivaninha e se sentou na cama de solteiro que ocupava no quarto que dividia com mais um colega.

–Dia difícil, hein? – Comentou o seu colega de quarto.

–Nem me lembre. – Disse tirando os sapatos.

Ele logo estava deitado em sua cama, encarando o teto sem realmente vê-lo.

"Eu estou mais cansado do que depois de todas as batalhas que lutei em Nárnia". Ele não pôde evitar pensar. "Mas pelo menos em Nárnia eu estava com os meus irmãos e não sozinho como agora, enfrentando uma vida de responsabilidades mais difícil do que a que tive como rei. Mas o que eu poderia fazer?"

Conformado, ele fechou os olhos e deixou-se descansar como não fazia a dias.