The Letter escrita por Kisa


Capítulo 1
Único




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“Você não faz ideia de como é difícil vestir o uniforme de Diretor Stark, Steve. Todos os dias eu acordo pensando nas mais variadas formas de me desvencilhar disso tudo que me cerca e voltar a ser apenas o Tony Stark fanfarrão, endinheirado e cobiçado pelas mulheres.

Cada vez que abro os olhos eu sei o que me aguarda. Está a minha espreita a culpa. E eu mereço isso tudo. Mereço mesmo.

O fardo que eu carrego, só eu mesmo para entendê-lo.

Eu queria que tudo tivesse sido diferente. As pessoas, elas não me entendem. Você era o único capaz disso. Por mais que eu pense e queira acreditar que a culpa era do Caveira Vermelha, a verdade vêm a tona me mostrar que ele era só uma parte nesse todo. Ele era só o lado mal da história.

O lado perverso, o responsável fui eu.

Eu sei que você não acredita. A gente se conhece tão bem. Eu conheço você tão bem a ponto de saber exatamente como você se sentiria, como você pensaria e como você agiria.

Eu queria que você estivesse aqui agora. Eu queria que nada disso tivesse acontecido. Queria que aquela lei nunca tivesse sido aprovada e nós nunca estivéssemos, nem por meio segundo, em lados opostos.

Só você me compreendia.

Só eu entendia você.

Eu sei disso agora. Sei que, por mais que fôssemos diferentes, vivêssemos em épocas diferentes e tivéssemos pensamentos discrepantes... por mais que tudo em nós fossem opostos... nós éramos os únicos capazes de nos entender, sem que se precisasse ser dito uma palavra sequer.

Eu conseguia ler todos os pequenos traços e nuanças do seu rosto e você me compreendia por inteiro, só de olhar para mim.

Você entendia quando eu estava em um dia ruim e eu era o único capaz de entender quando você perdia o sono, à noite, por causa de um pesadelo, fruto dos seus anos servindo durante da Segunda Guerra Mundial.

Você me confidenciou tudo o que tinha de mais íntimo e a você, eu desnudei a alma do garoto playboy.

Você era único, Steve.

Eu não consigo imaginar como fazer suas palavras acontecerem. Porque eu não consigo imaginar ninguém mais empunhando o escudo que meu pai fez para você.

E por mais que isso fosse possível, como eu poderia passar a frente o legado deixado por você quando nem eu mesmo superei o que aconteceu?

À noite, quando eu deito em minha cama, a única coisa que vem a minha mente é seu corpo caído na escadaria do tribunal. E eu nem estava lá para protegê-lo!

Você sempre esteve por perto quando eu precisei, mesmo com toda essa história de Civil War. Mesmo com toda a minha canalhice. Mesmo com toda a minha teimosia. Mesmo com todo o meu egoísmo.

Você retirou a sua máscara perante o mundo na esperança de que tudo o que eu comecei terminasse. E que pudéssemos voltar ao que éramos antes.

E mesmo assim, eu não estava lá, para te proteger. Resguardar a vida daquele que me ajudou na minha crise de abstinência, que me fez erguer a cabeça na minha luta contra o alcoolismo.

Você estava lá quando eu mais precisei, mas quando você precisou de mim, eu não apareci.

Quando você estava mais frágil e desamparado... nessa hora você precisava de mim, e eu não apareci. Por pura covardia. Eu achei que não seria digno para você a minha presença naquele momento. Eu tive medo da sua reação quando me visse lá. Eu não aguentaria olhar nos seus olhos e ver a decepção estampada neles.

Mas o que me sobrou foi vinte vezes pior que uma possível decepção.

Não me sobrou nada.

O que farei agora, Steve? Só você tinha as respostas. Só você...”

Havia se passado um mês desde o fatídico dia que os próprios americanos diziam ser “a morte do sonho”. Ainda era possível ver nas ruas do Brooklyn certa comoção por parte das pessoas. Sempre surgiam grupos segurando cartazes e lamentando a morte do mais importante super-herói americano. As pessoas ainda não haviam superado a perda de Steve Rogers.

Na S.H.I.E.L.D., agora sob o comando de Tony Stark, as coisas iam de mal a pior. O moreno tentava organizar a instituição ao mesmo tempo em que investigava os responsáveis pela morte do Capitão América.

Além disso tudo, lutava pela própria vida. Lutava para não ser morto por Bucky, o amigo de Steve durante a Segunda Guerra.

— Para falar a verdade, eu queria que ele tivesse sucesso, Steve. — Tony estava sentado diante da lápide de Rogers, num dos raros momentos que ela estava sem a presença das pessoas. — Eu não mereço estar aqui. Não era para ter sido desse jeito.

O moreno falava olhando para a lápide de Rogers, enquanto segurava em suas mãos uma carta. Durante todo o momento que dividiu com Steve naquele cemitério, ele lançava o olhar ora para a carta, ora para a lápide e entre uma olhada e outra não deixou de derramar grossas, amargas lágrimas.

— Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. E eu queria ter a coragem que você tinha, para poder ser capaz de fazer o que você me pediu. — Stark inspirou profundamente, limpando com as costas da mão direita as lágrimas teimosas, que insistiam em cair. — E mesmo depois desse tempo, a dor de não ter mais você por perto é a mesma. Nada mudou para mim, exceto o vazio que domina a minha existência.

Stark segurou mais firmemente a carta que tinha em mãos. Havia recebido-a das mãos do advogado de Steve, Maurice Greely, em seu escritório poucos instantes atrás.

O envelope tinha escrito, por fora “Apenas para Tony Stark”, na grafia rebuscada, quase desenhada de Steve. Não tinha como ser uma falsificação, era de fato uma carta de Steve Rogers.

Tony já havia lido a carta em seu escritório umas vinte vezes, mas ele não se permitia não lê-la mais. Seria o fardo que ele carregaria, a partir daquele dia.

“Tony,

Se você estiver lendo isto, as coisas foram piores do que nós dois podíamos esperar, e o pior aconteceu. Estou confiando a você duas incumbências: não deixe Bucky se lançar de volta na ira e na confusão. Ele tem chance de levar uma vida nova. Ajude-o a encontrar seu caminho. Salve-o por mim.”

— Vai s-ser difícil, S-Ste-ve — gaguejou o moreno, não contendo as lágrimas que surgiam mais uma vez em seus olhos.

“Quanto ao Capitão América, a parte disto que é maior do que eu – que sempre foi maior – não deixe que ele morra comigo, Tony.

O país precisa de um Capitão América, talvez agora mais que nunca. Não deixe esse sonho morrer.”¹

“Quanto a mim, um mero garoto do Brooklyn, que tinha tudo para ser só um coletor de sucata em 1943... quanto a Steve Rogers... saiba, Tony, que eu nunca o culpei. Acho que você, assim como eu, nunca quis que as coisas tivessem chegado a esse ponto. Saiba que eu não o culpo por nada, e você, não faça isso consigo mesmo.

Existem pessoas que acreditam em você. Elas acreditam no Homem de Ferro. Elas acreditam nesse herói. Essas pessoas, elas precisam de você.

Eu entendo que você, mais do que qualquer outro, vai sentir o golpe com mais força. E pensará em desistir. Mas não permita que esses pensamentos o dominem, nem deixe que alguém o faça crer que o culpado nisso tudo é você.

Nós dois fizemos escolhas diferentes e cada um de nós deve lidar com as responsabilidades provenientes dessas escolhas.

Não desista.

A partir de hoje, desse momento, você precisa lutar, não apenas por você, mas por mim, também. Já peço desculpas por lhe jogar esse fardo. Mas você é forte e determinado, é capaz de superar muitas coisas.

Inclusive a minha morte...”

Stark abraçou os joelhos com os dois braços e tombou. Steve não devia ter escrito aquilo, não para ele, ele não merecia. Por que não escreveu para outra pessoa? Por que não deixou que Tony se afogasse na mágoa e no ressentimento? Por que ajudar aquele que foi o responsável pela sua queda?

Como pode ter existido no mundo alguém tão bom quanto Steve Rogers? E como pudemos esquecer-nos disso?

“Portanto, erga-se, Tony. Você precisa fazer isso, por mim. Precisa fazer por você mesmo. Mas o mais importante: faça por aqueles que acreditam e precisam de você.

Vou repetir mais uma vez: não se culpe.

Não se preocupe, tudo ficará bem, agora.

Seu amigo,

Steve Rogers.”

Era difícil para Tony Stark não acreditar que tudo em sua volta estava desmoronando. O moreno sabia que, sem Steve, mais cedo ou mais tarde, ele iria ser engolido pela avalanche de suas escolhas.

E o mesmo Steve lhe atirava uma centelha de esperança, perdoando-lhe.

O moreno se ergueu, secando as lágrimas do rosto, até que elas parassem de cair e deixassem como vestígio apenas seus olhos vermelhos.

— Eu prometo, Steve. – Stark pronunciou, solene – Vou ser a pessoa que você acredita. E vou fazer o que você me pediu, sem me deixar cair. – o moreno se aproximou, tocando a lápide – Só peço que esteja comigo, nessa missão também.

E saiu, dirigindo-se ao grande portão do cemitério, guardando a carta – agora seu precioso tesouro – no bolso do paletó risca de giz.


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Notas finais do capítulo

¹ Citação retirada da HQ Capitão América: A Morte do Sonho. Editora Panini, edição Marvel Deluxe.

Gente, olá tudo bem. Mais uma vez eu aqui com vocês, postando mais uma fic *---*

Eu não escrevi nada declaradamente yaoi dessa vez, e gostei assim. Espero que vocês também gostem. Só porque não está explícito, não quer dizer que não exista ♥3

Escolhi escrever do ponto de vista do Stark, o que ele sentiu com a morte do Cap. Espero ter passado suficientemente bem e que vocês gostem.

Retirei da HQ uma citação, mas só pra deixar bem claro, ela começa na parte "Tony, se você estiver lendo isso..." e se encerra em "...não deixe esse sonho morrer." O resto da carta do Cap foi de minha autoria, assim como toda a história.

Obrigada por tudo *-----*

Bjo =*