All In White escrita por imagine


Capítulo 1
Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Há tempos que a ideia pra essa história batucava na minha cabeça, e decidi dividi-la em duas partes pra deixar vocês mais curiosos, hehe. Espero que gostem da primeira parte.

A letra de música em itálico é All In White, da banda The Vaccines.



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Because I will one day shine with you
I'll shine on a faithful few

Na primeira vez em que ele a viu, ela estava inteira de branco.

Percy havia morado em Withby, em North Yorkshire, na Inglaterra, desde que se entendia por gente. Considerando que a cidade era pequena e familiar, não havia ninguém que ele não reconhecesse pelo rosto. Ainda que litorânea e sempre a receber produtos e gente nova de outros cantos do Reino Unido, e até mesmo da França e dos Países Baixos, poucos moravam naquele povoado, e ele sempre procurava conhecer bem as pessoas que o cercavam.

Mas aquela moça... Não. Certamente não. Percy sentiu-se humilhado, procurando no rosto delicado dela algum traço que pudesse servir de gatilho para qualquer lembrança em sua mente, mas não funcionou. A loira de pele alva como a neve e cachos compridos caindo por suas costas, além de usar um vestido justo e branco, era completamente desconhecida, e aquilo o perturbou tanto quando sua beleza angelical.

XXX

Percy gostava de ter assumido o negócio da família, realmente gostava.

A maioria dos jovens de classe média como ele herdavam de seus pais o serviço que os alimentara quando pequenos, e ele não fora exceção. O seu pai havia morrido um ano antes de Sally, sua querida mãe, e logo que estavam a sete palmos do chão, os advogados insistiram que ele assinasse um milhão de papéis que o estabelecessem como o novo dono da farmácia que um dia fora de seus bisavós.

A clientela era constante; a maioria de seus fregueses eram médicos, e como sempre haveriam doentes, Percy nunca precisava se preocupar em passar fome. Sendo um jovem de vinte anos sadio e belo, logo teria de arrumar uma esposa, e o mesmo dinheiro de certa forma abundante um dia sustentaria sua mulher e seus filhos. Em suas curtas e raríssimas visitas à Londres, sua tia Ginger, irmã de Sally, insistia que ele se casasse com Rachel, uma moça da mesma idade que morava próximo ao mar, por seu pai ser pescador. Apesar de ver em Rachel uma companhia agradável nas poucas vezes em que conversaram, Percy não a amava e não nutria qualquer sentimento por ela além de amizade. Não podia imaginar-se casando com alguém pelo qual nunca fora apaixonado, e não o faria. Casamentos arranjados eram mais que comuns, mas até mesmo Leo havia encontrado Hazel apesar de sua natureza aventureira e uma vida de muitas mulheres e ele tinha fé que se o seu malandro amigo conseguira, ele também o faria.

Ele estava colocando vidros de ervas medicinais em uma das centenas de prateleiras que a farmácia comportava quando o sino de entrada pendurado acima da porta tilintou, e Percy retornou para trás do balcão para que pudesse atender o cliente, seja lá quem fosse. Logo que levantou o olhar para dizer bom dia, no entanto, sentiu seu coração acelerar.

Era a mesma moça de alguns dias atrás, a que ele não reconhecera. Desta vez, no entanto, ela usava um vestido verde, ao invés do branco, e carregava uma pequena cesta nas mãos. Seus olhos eram curiosos enquanto viajavam pelas prateleiras de frascos coloridos dos remédios até que encontrassem os de Percy.

— Boa tarde. — A voz dela era doce, mas tão clara quanto as nuvens que pairavam num céu limpo de verão. Ele estava embasbacado demais para responder de imediato.

— B-Boa tarde. — Enfim, gaguejou de volta. Sua presença o encantava e o incomodava, pelo fato de não saber seu nome. Percy sabia quem eram todos na cidade até a chegada da moça à sua frente. De onde ela teria vindo? Quantos anos tinha? Porque havia se mudado para Withby? — Em que posso ajudá-la? — Limitou-se ao cordial cumprimento ao invés de tirar qualquer uma de suas dúvidas.

— Sou nova na cidade... Mudei-me para cá com o meu pai há cinco dias, e ele não tem se sentido bem. — Ela engoliu em seco, olhando para a cesta em seu colo. — Então... Gostaria de um vidro de ácido acetilsalisílico, por favor. De preferência, em gotas.

Percy mal teve tempo de registrar o fato de que ela realmente era nova na cidade quando ela pediu um vidro de ácido acetilsalisílico. Muitas pessoas tinham dores corporais, mas até hoje, todas elas simplesmente haviam lhe pedido um vidro de aspirina, o nome comum da droga.

Ainda parcialmente atordoado, ele pegou um vidro pequeno de aspirina em gotas para ela de debaixo do balcão. Sempre os deixava ali, já que era um remédio que vendia muito. Só então percebeu que provavelmente estava sendo grosseiro; a única coisa que havia lhe dito foi um bom dia, um oferecimento de ajuda e nada mais.

— Aqui está. — Percy procurou sorrir para ela, depositando o frasco na pequena sacola marrom de papel. — Serão quatro libras. — Ela lhe deu uma nota de cinco, e logo depois que Percy lhe deu uma moeda de troco, ele falou com ela antes que pudesse virar-se para sair. — Espero que seu pai se sinta melhor. Withby os tratará bem, tenho certeza. Meu nome é Perseu, mas você pode me chamar de Percy. Eu moro na casa no topo da colina, perto dos grandes pinheiros. — Só então percebeu que agora havia falado muito. Porque ficava tão intimidado por ela? Era apenas uma mulher, pelo amor de Deus. Uma mulher estonteante e lindíssima, mas apenas uma mulher.

Quando ela estendeu a mão para pegar o remédio, Percy notou que seu dedo anelar não trazia uma aliança. Sentiu quase um alívio ao pensar que a moça não era casada.

— Obrigada. — Ela sorriu enquanto colocava o pacote do remédio dentro de sua cesta. — Meu nome é Annabeth, e você tem uma linda casa. Meu pai queria comprá-la, mas logo nos avisaram que sua família é dona dela faz séculos... Então compramos o pequeno chalé perto do riacho. O com os arbustos de flores amarelas. Bom, de qualquer forma... Obrigada novamente. Tenha um bom dia.

Antes que ele pudesse tentar responder com qualquer cortesia, ou ao menos oferecer-lhe um sorriso, a moça já havia desaparecido cidade afora.

XXX

Com as notícias viajando rapidamente por Withby, principalmente pelo fato de ser uma cidade minúscula com muitas donas de casa desocupadas, Percy logo descobriu que o pai de Annabeth estava muito doente.

Aparentemente, ela e o pai, Frederick Chase, haviam se mudado de Londres quando o médico do homem lhe informou que os ares de uma cidade calma e rural pudessem lhe fazer bem. Annabeth não tinha irmãos ou irmãs, e tinha apenas dezessete anos. Por não ser casada, a moça aparentemente dedicava sua vida a cuidar do pai, e Percy não podia esconder seu ânimo todas as vezes que Annabeth entrava na farmácia com longas listas de remédios. Vê-la o enchia de uma felicidade não justificada, e mesmo que a presença dela significasse que o senhor Chase continuava doente, Percy acordava todos os dias imaginando se ela apareceria.

Percy Jackson era muitas coisas, mas não era tolo. Sabia muito bem que estava apaixonado por Annabeth Chase. Já havia se sentido assim por outras mulheres quando fora um pré-adolescente bobo, mas seu coração palpitava de uma maneira dolorida e engraçada todas as vezes em que ela olhava ou sorria para ele, e, diabos, ele não podia mais viver de esperar que uma chance caísse do céu. Precisaria tomar o primeiro passo ele mesmo.

XXX

Ele não gostava de roupas engomadas, e tinha poucas delas em seu armário, mas naquela noite fez uma exceção.

Colocou o conjunto de calça e sobretudo abotoado, ambos azul-marinho, com uma careta. Penteou o cabelo para o lado, como Sally sempre dissera que ele ficava bonito. Ele estava cheiroso de um banho, e mascou um ramo de hortelã enquanto checava o relógio de bolso e o colocava de novo no interior do sobretudo. Olhou o reflexo no espelho antes de sair, satisfeito. Seu pai, o velho senhor Jackson, havia morrido há três anos, mas Percy se lembrava dos conselhos sobre mulheres que ele havia lhe dado, e um deles era surpreender a moça indo até a sua casa sem que ela suspeitasse e a convidasse para um passeio surpresa.

Os comerciantes de Manchester estavam atravessando Withby, e, como faziam todos os anos, trazendo consigo a feira em que expunham suas barraquinhas de teatros, jogos com direito a prêmios e mágicos, que encantavam crianças, adultos e idosos com seus truques. Percy sabia que Annabeth já deveria ter visto um milhão de coisas mais interessantes em Londres, mas ele esperava que ela apreciaria uma noite de descanso em meio a tantas outras passadas cuidando de seu pai e se mergulhando em preocupação.

As fofocas na cidade continuavam a correr; as donas de casa logo descobriram que muitos outros homens haviam tentado cativar Annabeth desde que ela chegara lá, mas a moça sempre os recusava. As notícias fizeram pouco para incentivar Percy, já que ele estava um pouco inseguro. Não sabia se ia conseguir continuar a tendo como cliente se ela recusasse o seu convite, pois ficaria muito envergonhado. De forma ou outra, um homem ocupado como ele não podia mais lidar com as dores de um apaixonado em seu peito sem que tomasse atitude alguma, portanto, tentaria sua sorte.

Os lampiões da entrada do pequeno chalé em que Annabeth e Frederick viviam estavam acesos, e as luzes do segundo andar, apagadas. Era pouco mais que sete da noite, e Percy esperava que ela não estivesse ocupada, por mais que parecesse um milagre estar ocupado em Withby.

Depois de dar um grande suspiro para tomar coragem, Percy bateu três vezes na porta e esperou que ela atendesse. Ele ouviu passos na madeira do chão do chalé, e, logo depois, a porta foi aberta. Ele tinha quase certeza que ia infartar de ansiedade.

— Oh. — Annabeth parecia surpresa quando viu que se tratava dele. Os seus bonitos cachos dourados estavam presos em uma bagunçada trança, e havia um xale azul envolvendo seus ombros. — Perseu. Eu... Desculpe. Não estava esperando visitas. — Ela parecia envergonhada, mas também estava calma. Era realmente óbvio que outros homens já haviam feito a mesma coisa muitas vezes antes.

— Eu que peço desculpas. Apareci sem aviso. — Percy rapidamente se adiantou, brincando com os dedos das mãos enquanto falava. Sua testa suava, e oh, meu Deus, ele estava fazendo papel de idiota, não estava? — E, por favor, me chame de Percy. — Era a milésima vez que ele a pedia para que o chamasse pelo apelido, mas ela insistia em sempre dirigir-se a ele por Perseu. — Mais uma vez... Peço perdão por ter vindo sem avisar, é que... Eu... A feira dos comerciantes está na cidade, e, bem... Eu estava pensando se você não gostaria de...

Quando Percy tomou coragem para olhar para Annabeth de novo enquanto balbuciava, a moça parecia tentar não soltar uma risada. Ao contrário de como ele pensava que seria, no entanto, ela não sorria de desdém, e sim, de curiosidade.

— Eu adoraria.

— O q-quê? — Percy estava demasiado surpreso para proferir qualquer outra palavra. — Q-Quer dizer, que ótimo! Posso esperar você se arrumar, quer dizer, não que você precise se arrumar, você está fantástica assim, q-quero dizer...

Desta vez, Annabeth riu, encolhendo o corpo contra o xale.

— Me dê apenas um instante para procurar meus sapatos, está bem? Pode ficar a vontade para entrar, se quiser. — Ela piscou para ele antes de deslizar para dentro do chalé, deixando a porta entre aberta. Percy estava tão pasmo que mal conseguiu dar um passo para frente. De todos os homens que a haviam convidado, ela havia o aceitado? Meu Deus. Será que ela estava brincando com ele? Será que o deixaria esperando na porta por horas? Será que...

Antes que ele pudesse concluir seu raciocínio, Annabeth pisou para fora do chalé. Os seus pés estavam calçados em pequenas sapatilhas beges, e ela havia se livrado do xale bordado em azul. Ainda usava o cabelo em trança, e o seu vestido era azul claro e simples. Ela trancou a porta com uma certa dificuldade e enfiou suas chaves em uma bolsa pequenina da mesma cor que suas vestimentas. Antes de saírem andando a caminho da feira, Percy ofereceu o braço a ela, que o aceitou com um sorriso.

Durante a feira, Annabeth se mostrou menos tímida do que ele pensava que ela fosse. Ela agarrava o seu braço com animação todas as vezes que o mágico fazia algo interessante e dava pequenos pulinhos de alegria quando acertava as argolas no alvo certo nos jogos de barracas. A noite acabou cedo demais, pelo menos para ele, e logo ele se pegou acompanhando-a de volta para casa.

— Eu me diverti bastante hoje. — Annabeth sorriu, mordendo seu lábio inferior quando os dois pararam na frente da porta de madeira do chalé mais uma vez. — Obrigada, de verdade. Eu estive enfurnada nesta casa por muito tempo, e foi bom ter uma noite só pra mim.

— E eu agradeço sua companhia. Mande lembranças ao seu pai por mim. — Percy tentou sorrir de volta, mas ele estava demasiado ansioso para fazê-lo. Havia conseguido tirá-la para sair com ele, mas será que ela havia aceitado de coração? Será que só aceitara como uma maneira de agradecer pelos remédios para o pai dela que Percy havia lhe vendido? Ou será que ela sentia pena dele?

Ao invés de entrar, Annabeth olhou fixo para ele e, ao invés de virar-se e ir embora, Percy olhou fixo para ela.

Ele a beijou na frente do chalé instantes depois. Suas mãos encontraram as bochechas macias de Annabeth assim que ela retribuiu o gesto, e ele sentiu-se derreter contra os lábios rosados e macios dela. Seguraria o rosto em formato de coração dela perto do seu para sempre, se pudesse. O céu limpo, as estrelas derramando sua ternura ao sorrirem para os dois, o cantar dos grilos escondidos atrás dos arbustos, a maneira como ela o beijou novamente logo após que se distanciaram por um breve instante para tomar fôlego.

Estranha, e finalmente, as coisas estavam exatamente como deveriam ser, e Percy havia acabado de encontrar o que nem sabia que estava procurando.

XXX

Break me on the thirty-seventh hour
Tout me, doubt me, show me all of your power

Após aquela noite, houveram muitos outros encontros.

Encontros românticos, é claro. Os dois continuavam a se ver todos os dias na farmácia, mas era óbvio que algo havia mudado. Ficavam extremamente tímidos quando havia uma terceira ou quarta pessoa dentro do estabelecimento, mas quando estavam sozinhos, trocavam beijos sobre o balcão. Nos fins de tarde, Percy a levava para caminhadas agradáveis na trilha da floresta de eucaliptos próxima da casa dele, e durante as noites de feira, ele a trazia pelo braço para que toda a minúscula cidade de mil habitantes visse que a garota mais bonita e mais amável de todo o planeta era dele, e de ninguém mais.

Mais cedo do que nunca, dias viraram semanas. As risadas e beijos entre Percy e Annabeth deram espaço para coisas mais profundas. Eles conversavam sobre tudo. Ele só a conhecia há alguns poucos meses, e ainda assim, parecia que ela havia estado lá sua vida toda.

Ele falava muito de Withby, e sobre como havia sido crescer dentre enormes pinheiros e uma costa enfeitada de navios. Lhe contava sobre sua mãe, e como sentia falta dela e dos suéteres que tricotava para ele todo o Natal; contava sobre a irmã que nascera morta do útero de Sally, e como a perda do bebê mudou os seus pais para sempre. Contava sobre o seu pai, o senhor Jackson, e como ele sabia tudo sobre Farmácia, mesmo não sendo médico ou químico, e como havia lhe ensinado tudo antes de morrer.

Annabeth lhe falava sobre Londres. Contou sobre seus tempos no internato para meninas, e como o pai insistira que ela fosse educada numa escola católica até que ela confessara a Frederick que pensava que Deus estava além de freiras, cruzes de madeira e carteiras alinhadas. Falou sobre sua mãe, que morrera no dia em que lhe dera a luz, e como só a conhecia por retratos. Falou sobre livros, e sua enorme paixão em passar horas tocando piano. Mas, principalmente, falava sobre Frederick Chase. Percy já havia ouvido falar nas palavras "edema" e "pulmonar", mas nunca em sua vida elas pareceram tão assustadoras quanto juntas.

O tempo voou, e, conforme ele aprendia mais sobre ela, e ela, mais sobre ele, Frederick Chase ficava mais doente, e a Europa, tensa. Havia conversas de boteco e de beira de barracas sobre uma guerra, e sobre como não era seguro viajar para o império Austro-Húngaro.

Ele não entendia muito de guerra, ou de impérios, ou de neocolonialismo, seja lá o que aquilo fosse. Também não sabia muito sobre edemas pulmonares, ainda que tivesse o remédio para amenizar os efeitos da doença. No entanto, Percy havia se tornado especialista em Annabeth Chase. Ele tinha um anel, e estava certo de queria dá-lo à ela. E também sabia que ela estava pronta para aceitá-lo.

XXX

Depois que Percy a pediu em casamento, a vida deles se ajustou a um modelo confortável.

Annabeth ainda morava com o seu pai no chalé debaixo da colina, pois os dois só morariam juntos após o casamento. À primeira vista, Frederick não ficou muito satisfeito ao saber que sua única filha ia se casar com um homem que havia conhecido fazia pouco mais de quatro meses, mas, ainda que cético, ele logo aprendeu a aceitar Percy no círculo familiar. Ele sempre passava na casa dos Chase depois dos longos dias de trabalho na farmácia, e com o passar das semanas, ele e Annabeth ficavam mais próximos. Só se beijavam quando ela o visitava durante o trabalho ou quando ela ia despedir-se ele. Não queriam aborrecer ainda mais Frederick, cuja doença não auxiliava no humor.

Estavam próximos de começar a planejar os detalhes da cerimônia quando a Grande Guerra estourou na Europa.

Era 1914, e o assassinato do herdeiro ao trono do Império Austro-Húngaro desencadeou a formação imediata do conflito entre países que mataria muita gente nos anos seguintes (ainda que muitos dos europeus acreditassem que ia ser uma simples batalha). As notícias chegaram a Withby rapidamente, e os homens começaram a tomar suas devidas posições. Jovens vestidos de uniformes de guerra verdes eram vistos nas ruas dizendo adeus às suas mães, esposas e filhos, e o medo subia à garganta de Percy a cada vez que presenciava um de seus amigos se despedindo. Até mesmo o malandro Leo já havia se alistado e, eventualmente, o momento da verdade chegou.

Percy recebeu um uniforme, um chapéu e um certificado depois que se alistou como um soldado britânico em honra ao seu país; noites atrás, quando mostrara à Annabeth a carta que tinha recebido do Exército exigindo seus serviços para defender sua nação, ele ganhara um tapa na bochecha e, logo depois, lágrimas da moça que tanto amava em seu ombro. Fez tudo o que deveria fazer: prometeu ter cuidado, prometeu voltar, e pediu que ela escolhesse uma data para que se casassem antes que ele partisse.

— Não. — Annabeth murmurou chorosa, desconectando-se de seu abraço e fungando. — Eu não me casarei com um soldado. Já querem tirar meu noivo de mim, não vão tirar o meu marido.

— Annabeth... — Percy segurou a mão dela, pronto para protestar, mas ela levantou e se afastou dele. Tinham que falar baixo, já que Frederick dormia no quarto ao lado, enquanto eles estavam nos aposentos dela. Percy estava sentado na cama de casal dela sobre uma colcha de flores enquanto ela cambaleava de um lado para o outro na frente dele.

— Não, Percy, não. — Annabeth balançou a cabeça em protesto. — Você não consegue ver... O quão absurdo é isso?! Eu ter de me casar com você porque velhos desocupados e ricos resolveram mandar os homens de seus países para perder braços e pernas? — A voz dela aumentou em volume, mas ela ainda falava baixo e rápido. Seus olhos estavam inchados, e os lábios, trêmulos. — Eu quero me casar com você porque o amo, não porque nosso tempo juntos pode estar acabando.

Percy deixou que as palavras de Annabeth fossem absorvidas por ele. Não tinha parado para pensar naquele tipo de argumento. Ele podia morrer. Uma bala, uma granada, um segundo. Tudo que seria necessário para que ele nunca mais respirasse. O pensamento fez com que seu coração se acelerasse. Annabeth tinha razão; o amor compartilhado entre eles deveria ser celebrado quando ele voltasse efetivamente, e não por simples apreensão de que ele não mais voltasse.

XXX

Frederick Chase faleceu numa madrugada fresca de verão.

Ainda faltavam algumas semanas para que Percy fosse deportado para o serviço militar, e ele e Annabeth tentavam manter todos os detalhes da maneira que sempre foram. Ele ainda trabalhava na farmácia e ia visitá-la durante o fim da tarde e à noite. Eles não conversavam sobre a guerra, ou sobre o que aconteceria depois dela. Notícias sobre terríveis mortes já corriam soltas pelo país, mesmo que o combate só tivesse se iniciado há pouco mais de um mês.

Era domingo, e Percy não abria sua farmácia naquele dia da semana. Logo após o café da manhã, colheu algumas flores para presentear sua noiva e fez sua usual caminhada até o chalé em que os Chase viviam. Normalmente, haveria fumaça saindo da chaminé indicando a lareira acesa, pois Annabeth sempre acordava cedo, mas desta vez, nem as luzes estavam acesas. Percy assumiu que ela ainda estivesse dormindo. No entanto, ele a viu parada em frente a porta, encarando o chão de madeira com olhos vazios.

Um arrepio de preocupação passou pelo corpo de Percy.

— Annie? — Ele franziu o cenho enquanto se aproximava. As bochechas alvas dela estavam manchadas de lágrimas. Annabeth só havia chorado uma vez desde todo o período que eles se conheciam, e havia sido quando ele lhe contara que iria para a guerra.

Ela não respondeu, mas quando os braços trêmulos de Annabeth envolveram o torso dele e ela soluçou por minutos, nada precisava ser dito.

O buquê de flores que ele lhe trouxe foi abandonado numa mesinha de canto da sala de estar antes que o alvoroço começasse.

Assim como todos os outros, Annabeth vestiu preto no velório. Ela chorou tranquila e silenciosamente contra um pequeno lenço de renda bordado e agradeceu à presença dos poucos que compareceram educadamente. Os amigos de Frederick moravam em Londres e precisaram ir embora tão cedo quanto chegaram, e as pessoas de Withby não conheciam realmente o homem, portanto foi uma cerimônia vazia e rápida.

Percy realizou seu luto em silêncio. Gostava de Frederick; ele era um bom homem, mas grande parte de sua tristeza se deu ao fato de que Annabeth havia perdido a pouca companhia que tinha na cidade. Percy contava inteiramente com o apoio que Frederick daria à ela quando ele fosse para a guerra, mas agora, ela estava sozinha, realmente sozinha, e ele se sentia terrivelmente culpado.

Annabeth depositou um copo-de-leite em cima do caixão antes que os coveiros começassem a cobri-lo de terra.

— Eu o amava. — Annabeth fungou, e a mão de Percy segurou a dela, apertando-a forte. — Eu o amava muito.

— Eu sei. — Percy continuou a segurar sua mão enquanto os dois assistiam aos pequenos montes de terra serem jogados para dentro do buraco ao chão.

Ele só conseguia pensar no quanto era errado que uma moça de dezessete anos estivesse usando preto (ainda mais porquê ele a conhecera quando ela vestia branco) e o quão injusto era que o tecido escuro envolvia seu corpo porque seu pai havia falecido.

As coisas não eram como deveriam ser.

XXX

Perseu Jackson partiu para a guerra numa manhã agradável de Setembro.

Já fazia algumas semanas desde que Frederick havia falecido, e Annabeth lentamente se recuperava. Os dois visitavam o túmulo no pequeno cemitério de Withby todos os domingos. Algumas vezes, ela chorava. Nas outras, sorria e depositava um copo-de-leite recém colhido do jardim ao lado da lápide.

O casamento foi marcado para 11 de Dezembro daquele mesmo ano, já que Percy receberia uma licença no começo do mês para o Natal. Annabeth vendeu o chalé e mudou-se para a casa dele, onde, num futuro próximo, seria aonde eles construiriam sua família (ou, ao menos, ele rezava para que isso chegasse a acontecer. A incerteza interpretava um papel tão grande na vida de Percy naquele momento que ele só podia contar com um pouco de esperança que ainda residia dentro dele).

Por pura sorte, Leo também estava no mesmo recrutamento. Haviam poucos soldados, já que a cidade era pequena, mas assim que chegou com uma expressão cansada, Percy notou que Leo não estava muito melhor do que ele. Havia olheiras roxas debaixo de seus olhos, e ele beijou a mão de Annabeth para se apresentar. Quando Percy lhe perguntou sobre Hazel, ele retrucou que ela estava chorosa demais para vir se despedir dele na saída da cidade e se retirou para dar privacidade ao casal.

– Eu vou esperar por você. - Annabeth prometeu, dando-lhe um abraço sufocante. Ele se perguntava como era possível que uma mulher tão magra tivesse tanta força dentro de si, tanto física quanto emocional. - E é melhor você não morrer, seu desgraçado. - Ela cutucou o peito dele com uma pequena risada. - E não se esqueça de mandar cartas, pelo amor de Deus.

– Está bem. - Percy sorriu, deu-lhe um demorado beijo e partiu.

Observou da pequena janela no fundo do veículo que os levava embora pela estrada até que Annabeth se tornasse apenas um pontinho dentre árvores.

Seu coração se partiu ao pensar que poderia ser a última vez que ele a veria, e que podia ter sido a última vez que ele encostaria seus lábios nos dela.


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Notas finais do capítulo

E aí, sim ou não?
POR FAVOR, me deixem suas opiniões sinceras. Elas me incentivam a trabalhar nos meus erros e tentar escrever no meu melhor potencial possível para vocês.
Devo postar a segunda parte semana que vem, e não se preocupem, porque já tá escrita!
Beijos!



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