A Question escrita por Lacking World


Capítulo 9
Visions and Objects


Notas iniciais do capítulo

E aê povo? Tudo de boas? Vortei!



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Os pingos de chuva batiam freneticamente contra o vidro, desordenados, e deslizavam por ambas as janelas, tortamente, seguindo o sentido do vento forte. A sombra de tais pingos, iluminados pelas lâmpadas dos postes, sombreava os rostos das garotas. A aquela hora da noite, uma delas estava dormindo em sua respectiva casa, despreocupada e tranquila. Se não fosse pelo ar, que entrava e saia fracamente pelos lábios entreabertos e que movia seu peito para cima e para baixo, ela não pareceria viva, mas uma boneca que tinha uma expressão serena como a de um Buda.

Numa diferente casa, a outra garota, a mais alta, não fazia o mesmo. Com os olhos cansados e um tanto avermelhados ela fitava o teto escurecido, sem ter nada para fazer. Yomi não conseguia dormir com todo aquele turbilhão de pensamentos, memórias, arrependimentos e vontades que seu cerne passava. Ela tentava obedecer a seu lado racional, que dizia que ela estava fazendo tempestade num copo d’água e que deveria deixar tudo isso de lado e voltar a dormir, mas quando seus olhos fechavam-se, as visões vinham à tona, atormentando-a ainda mais. Não eram sonhos ou pesadelos, eram reles pensamentos, ou melhor, travessuras de seu cérebro para sair da seriedade do dia-a-dia. Tudo vinha como ondas de um tsunami e a atingiam em cheio, desesperando-a e puxando-a para as profundezas de um mar escuro. Era sufocante e ninguém vinha para segurar sua mão e puxa-la. Era uma situação em que ela deveria sair sozinha, e que só sairia se estivesse disposta a acreditar em sua própria vontade, pois ela não tinha coragem para contar a ninguém.

O rosto de Mato veio à sua cabeça no meio da confusão. Havia um tempo que ela percebia que a guria estava surgindo mais em sua mente e que a afeição que sentia pela outra estava um tanto fora do normal. Sua obsessão, seus ataques de ciúme e sua dependência, que eram um grande incômodo, estavam mais recentes e fortes ultimamente. A mesma frequência ocorria para o prazer, a felicidade e aquele calor que sentia quando estava ao lado da garota, algo diferente de tudo que ela já havia sentido e que deixavam com a alma leve e desligada do resto do mundo.

Porém, o que realmente a preocupava era aquela sede sem fim pelo toque. Antigamente, ter Mato ao lado dela já era suficiente, mas agora a situação havia mudado. Tinha um desejo sôfrego para que elas segurassem mais do que só a mão da outra, que os abraços fossem mais apertados e demorados, e o mais estranho e aterrorizante ainda: que as bocas se tocassem. Às vezes era difícil desviar o olhar daqueles lábios, contorcidos num sorriso. A pergunta “Como seria beija-la?” tomava sua mente nesses momentos e passava o anseio louco para experimentar, e em seguida, imagem das duas se beijando a assombrava, como acontecia agora. Não era somente embaraçoso, mas deixava Yomi repleta de culpa, repulsa e raiva de si mesma. “Como pude desejar Mato dessa forma? Não era para ser assim!”, apertou mais o travesseiro contra seu peito com a questão.

Além de tudo, estava com medo. Mas não era medo do que as pessoas achariam disso. A sociedade mudava, em passos lentos, e tornava-se mais receptiva, e se ela estivesse com Mato ao lado, ela não ligaria, pois a outra lhe dava forças. Era medo de si mesma. Era medo de estar se tornando alguém como a antiga Kagari. Não queria ser para Mato a garota obsessiva que estragou uns bons anos de sua vida, que a prendeu em sua própria casa e deixou-a praticamente incapaz de se relacionar com outras pessoas, que fez que o retorno ao lar fosse uma coisa que preferia evitar, que a marcou de todas as formas possíveis, que fez com que o temor virasse uma rotina e que queria que fosse a única e exclusivamente “amiga” dela. Era medo que Mato não aceitasse o que sentia e odiasse-a com todas as forças. Era medo que o que sentia não fosse algo, como posso dizer... Passageiro? Era medo que fosse algo mais forte que uma queda ou uma atração normal pelo fato de Mato ser a primeira e verdadeira amiga que teve, mas o início de algo assustador e poderoso, algo que atraia muitos problemas e mudanças. Algo conhecido como amor.

Só com a ideia, o nervosismo tomou Yomi a ponto de fazê-la enterrar o rosto no travesseiro. Se fosse verdade, teria de tomar o máximo de cuidado para não deixar que Mato descobrisse. Se fosse para poder continuar ao lado dela, vendo o sorriso dela, podendo compartilhar o que sentiam, já era o bastante, mesmo como somente amigas.

Talvez fosse para isso que as imagens surgiam, para prepara-la a guardar o que sentia, treinando-a para suportar as tentações que surgiriam na manhã seguinte. Um pouco mais calma e determinada, ela retirou o travesseiro da cara e fechou os olhos.

#

No meio das grandes poças de sangue escuro e embaixo das rochas havia os corpos, moribundos e duros, das gurias falecidas, vítimas da batalha contra a guerreira. A cobiça por poder e a vontade de vingar as aliadas, antigas e perdidas, foram despertadas pelos boatos da recente fraqueza de Black. Não sabia como a notícia se espalhou, mas aconteceu. Presentemente, a paz que Black tanto desejou havia se desfeito, quebrou-se como um frágil vaso de cerâmica, e as flores, “outro-lado” de longa data, que ali permaneciam morreram ao poucos, e seus botões recém-nascidos, as recém-chegadas “outro-lado”, quase que imediatamente se separam do caule para logo morrerem.

Os cadáveres jaziam por baixo da “tumba” já estavam se desfazendo, tornando-se um amontoado de cinzas. Os espaços ganhos pela mudança de estado possibilitou que o vento entrasse e levasse as cinzas consigo, e oxigênio para um corpo vivo. A remanescente acordou pouco depois, com arrepios cursando toda sua consistência, como aquelas aranhas que se mexem mesmo depois de mortas, e não demoraria muito para que se juntasse às outras perecidas. O corpo inteiro doía devido aos músculos distendidos e exaustos, ossos quebrados e carne perfurada, exceto pelas pernas, cuja presença ela não sentia mais. Um refluxo subia a garganta, já conseguia sentir o gosto azedo da saliva inundando sua boca e a pressão da goela aumentando. Aflita, a sobrevivente seguiu os instintos e começou a se arrastar em direção à luz, não aguentando mais a escuridão e o aperto angustiante da “caverna” onde estava.

Os olhos fecharam-se imediatamente quando foram recebidos pela iluminação forte. Foi levantando as pálpebras pouco-a-pouco para se acostumar, mas mesmo assim a pupila ardia. Contudo, os olhos semicerrados conseguiram vislumbrar uns objetos estranhos adiante, lá nas poças, sobre os corpos das garotas acabadas que ainda teriam mais um tempo antes de virarem cinzas, e que assim como todas as outras que despareceram, lutaram bravamente até o fim, diferente dela, que fugiu no meio da batalha assim que teve chance, mas não conseguiu escapar do pandemônio. Os objetos estavam rolando, indo para apenas um deles, ao centro da carnificina, como se estivessem seguindo um chamado, e no fim uniram-se, virando um só.

Fatigada, alternando a visão entre cegues e lucides, ela utilizava os braços e usava as mãos para agarrar os cadáveres e o chão para chegar até o objeto. Estava ficando cada vez mais difícil chegar até lá, ainda que fossem poucos metros, e sabia que não perduraria muito, todavia preferia morrer com a curiosidade saciada.

No meio do caminho, a ânsia chegou ao ápice, e mais uma poça do líquido negro umedeceu o chão, expelida pela boca da “outro-lado”. Seu estômago torcia-se, seu pulmão parecia estar no meio de uma inundação e seu cérebro parecia estar sendo amaçado por duas mãos, com forças direcionadas para sentidos opostos. Olhando para o próprio corpo, sabia que faltava pouco para se tornar incapaz de se mover, e atrás dela, viu o rastro que havia deixado e que suas pernas haviam sido arrancadas da metade da coxa para baixo, a ponto que podia ver o osso cortado à mostra. Sentindo o enjoo novamente, pôs a mão em frente à boca para segurar e evitar mais uma perda de sangue.

Ainda mais terrificada, ela chegou finalmente até o objeto na esperança de que fosse algo útil. Tal coisa cabia na palma de uma mão, estava sobre o ventre de uma garota, e tinha a cor do tom mais escuro que já tinha visto, o preto absoluto. Sua visão estava turva, entretanto identificou ser uma esfera, com aros brancos dentro dela e que uma chama da cor referente tamborilava ao redor da mesma.

“Será um olho como o daquele monstro?”, pensou.

Assustada, tentou se afastar só de pensar que podia ser mais um legado da criatura, mas assim que tentou se mover, uma grande dor percorreu sua coluna, sem dó nem pena. Uma paralisia estava subindo sua carcaça, mas a dor era presente. Sentia a dificuldade para respirar ainda maior, provavelmente porque seu pulmão havia sido atingido pela doença.

Estava incapaz de se mover, de fugir, de respirar, de fazer qualquer atividade básica, e até de desviar o olhar do objeto. A última que queria era morrer dessa forma dolorida, nessa amostra de inferno que a esperava.

Até que ouviu sussurros.

Surpreendida, virou os olhos para todas as direções, já que mover a cabeça ou o pescoço doía muito, em busca das donas das vozes, a espera de socorro, ou de um fim rápido. Contudo, para acabar com suas esperanças, não havia ninguém além dela, dos objetos, e os cadáveres até onde ela pode perceber. Voltou ao objeto, continuava igual, e não desviou o olhar do mesmo, alarmada.

Não demorou muito para os sussurros retornarem. Eram várias vozes lentas, impiedosas, roucas, e abafadas, como se estivessem gritando para ela a quilômetros de distância. Eram hipnotizantes, faziam-se o tópico mais importante, não importava o que estivesse acontecendo. Falavam ao mesmo tempo coisas estranhas e desconhecidas, que nunca foram ouvidas nesse mundo, mas assim que o som entrou em seus ouvidos sangrados quando a remanente prestou maior atenção, o significado ficou claro como o céu do momento.

“Devora-me.”

Obediente, a garota ergueu o braço até o objeto e agarrou-o. Era quentíssimo. Quando a mão estava próximo da boca, a pele já havia derretido e a carne estava escurecida e assada, mas o transe era a maior autoridade, e levou o objeto até os lábios. Sua língua e dentes foram torrados logo após tocarem-no, e seu corpo encurvava-se e era debelado por espasmos enquanto a esfera era digerida. Logo a chama aumentou, devorando o corpo da guria insaciavelmente, de dentro para fora.

Quando a chama havia tomado todo o corpo, a sobrevivente parou de se mexer, como um morto.

“Recupera-te.”

As partes de fora da consistência que já haviam sido transformadas em carvão foram expulsas rapidamente, revelando o corpo da guria renascido, sem nenhum corte ou arranhão. Todavia, seus olhos não exibiam mais a mesma cor de antes, e sim, a da esfera.

“Vinga-me.”

A renascida levantou-se com velocidade e agilidade. A espada-curta da falecida onde a esfera jazia sobre ainda estava num bom estado, então a apanhou e depois, numa correria, seguiu o caminho que o monstro havia feito.

#

Meio cansada, Black Rock Shooter espichou seus braços para frente e enlaçou os dedos, que estralaram. O “crac, crac, crac” saiu bem alto, mas era natural, suas mãos ficaram fechadas com força e por bastante tempo. Aquela ­dorzinha chata de antes já não a incomodava mais, contudo os punhos clamavam por mais atenção. Até sua arma ter sido levada, ela nunca tinha os utilizado tanto quanto agora. Ainda que o resto de seu corpo já houvesse se curado sem muitos problemas, exceto por um hematoma superficial lá e ali e um ou outro arranhão que se recuperariam até a chegada, as cicatrizes permaneciam, de tão bem feitas.

Faltava muito pouco para chegar ao seu destino, a ponto de já poder enxergar, pequena no horizonte, aquela igreja. Estava prestes a caminhar de novo quando sentiu um arrepio percorrer a espinha. Olhou para trás, e compreendeu que algo ruim, ainda muito distante dela, se aproximava devagar, no entanto reconhecia a importância do tempo, e acelerou a marcha o mais rápido que pôde.

#

Sentada despreocupadamente, de pernas cruzadas e com a espada em mãos e a foice apoiada no lado de fora do trono, estava Dead Master. Séria, ela analisava, à luz que saia da janela do teto, o fio da espada negra, procurando qualquer imperfeição. Entretanto foi uma perda de tempo, pois a espada fora muito bem cuidada por Black.

Voltou o olhar às enormes portas que rangeram, anunciando a vinda da convidada.


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Notas finais do capítulo

Gente querida do meu kokoro! Eu tenho que trocar uma palavrinha com vocês.
Eu estarei viajando nessas férias, ou melhor, hoje (15/12/2014), já estarei fora de casa e só voltarei no início de fevereiro de 2015.
"Mas que diabos isso quer dizer?"
Eu estou dizendo isso porque é uma má notícia, pois assim como no ano passado, eu não poderei levar o computador. Sem computador, sem capítulos escritos.
Peço milhões de desculpas, mas é que não há como.
Gostaria de dar mais explicações, mas é que agora, enquanto escrevo isso, estou com umas coisas pra resolver. Em todo caso, para mais esclarecimentos, ou só pra jogar conversa fora, me enviem uma mensagem privada ou algo assim kkkkkkk
Obrigada por terem lido! E novamente, desculpe por isso.
Boas férias, boas festas e feliz ano novo adiantado kkkkkkkkkk Que a força e a Dead estejam com vocês!
Até logo!



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