Monólogo Tempestuoso

By Alexei.

A chuva do lado de fora do estúdio continuava desabando torrencialmente. A culpa com certeza era minha, por ter ficado detido. Afinal, se eu não tivesse cochilado no camarim, provavelmente eu não estaria naquela situação, e sim, no meu apê, tomando um gostoso chocolate quente, aquecido embaixo do edredom.

 

- Enganam-se! – enfatizei para o nada, com o dedo indicador em riste - Àqueles que pensam que o Hyoga ator não sente frio como o cavaleiro do gelo de Cisne. – E nesse momento eu me encolhi, devido ao estrondoso e imponente urro de um trovão, que cortara enfático o céu, como se me ordenasse a calar minha grande boca.

 

- Outra coisa... – Lembrei, enquanto fitava o portão de saída há uns quinze metros de distância. - Se eu tivesse deixado o carro no estacionamento do subsolo, como todos os atores normais faziam, e, não tê-lo largado na rua do quarteirão de cima. Provavelmente eu não estaria aqui nesse momento, e sim... no meu apê, tomando chocolate quente ou aquecido embaixo do edredom. – Suspirei profundamente. - Sim... eu me repeti de propósito.

 

Mas eu gostava de deixar o carro do lado de fora e distante, para ter a desculpa de caminhar um pouco. A modernidade nos faz cada vez mais seres obesos e preguiçosos. E se eu continuasse sedentário do jeito que estava, logo, a minha barriga estaria tão grande quanto a barriga de uma grávida... – Fiquei pensativo por um momento.

 

- Será que meus peitos um dia irão cair? – pronuncie assustado, apalpando de verdade meu tórax tentando certificar-me de que eles ainda estavam ali, firmes e fortes! No entanto... lembrei-me de que, não tinha seios, e claro, soltei um suspiro de alívio: – Ufa!

 

Suspirei mais uma vez, entediado.

 

- Daria meu mundo por um copo de vodca! – imperei alto, desejando àquilo do fundo da minha alma.

 

E não esperando que tal pedido fosse concebido em um momento como aquele,  me conformei por hora, em apenas soprar meu próprio hálito para as mãos geladas e quem sabe assim, tentar proporcionar a estas algum calor.

 

- Calor? Se eu não sou o cavaleiro de Cisne... E não sou resistente ao frio. Então, aquele ser de belos olhos esmeráldicos...

 

Interromperei a minha narração neste ponto, apenas para avisar-lhes de que tenho ciência que tal palavra não existe. Todavia, porém, no entanto, ademais... o monólogo é meu - esse autor que voz fala, Alexei Yukida, que também é o personagem desta história. Assim, me dei permissão de inventar essa nova palavra e dar um tom mais poético ao meu monólogo... Onde paramos mesmo? Ah, sim! Nos olhos “esmeráldicos”.

 

 

-... não deve ter o corpo e o cosmo tão quente, capaz de derreter um caixão de gelo produzido pelo o poderoso Cavaleiro de Ouro, Camus de Aquário, o mestre do meu mestre. Digo... – meneei a cabeça em um não, desfazendo-me do engano. – Camus, o mestre do Hyoga, o personagem, o cavaleiro de gelo... Espera, não, de bronze. Quero dizer, de ouro-temporário? Ah! O Cisne! Quem estiver lendo esse monólogo provavelmente é um fã, e assim, sabe muito bem de quem eu estou falando, não é? Balancem a cabeça, sorriam e digam sim! Isso, assim mesmo! 

 

E a chuva continuou caindo.

 

- Hmm... – Estalei os lábios. – Que estranho, senti uma vontade estranha de fumar. E engraçado que eu nunca fumei.

 

De repente, me lembrei que aquela pessoa já fumou e muito! Quer dizer... ainda fumava! Então tive que sorrir idiotamente com a minha facilidade de reverter todos os meus pensamentos... à ele! O que eu tinha haver com os vícios do meu colega de profissão?! O cheiro do tabaco nem sequer me incomodava... E quem vai morrer de câncer um dia será ele e não eu...

 

- Hm... Maldito santinho do pau oco... - resmunguei. - Até essa chuva não seria um incômodo se eu pudesse contemplá-lo correndo entre os pingos, tal como um anjo, que você não é, óbvio, dançando na chuva...

 

Contudo, ao pensar nisso senti meu rosto aquecer. E fora uma quentura de vergonha, tenho que confessar. Pois, apesar de não ter pronunciado o fato em voz alta, a minha imaginação fértil e pervertida, ao desenhar tal cena, não conseguiu materializar as roupas no corpo desse anjo. E então, eu consegui vê-lo desfilando entre as gotas de água cristalina: perfeitamente nu... Sim, correndo sem roupa alguma, apenas com os longos e claros cabelos, cascateando como ondas perfeitas por suas costas.

 

- Ah! – exclamei enfadado e, abrindo os braços para o céu, continuei proferindo: - Oh! Se eu pudesse entrar na minha imaginação! Correria até você anjo desgarrado, arrancaria suas asas e o amaria aqui mesmo... – Apontei para o pátio molhado, o qual começava a se encher de horríveis poças de lama, então, recolhi meu dedo, e repensei: – É, isso nunca aconteceria mesmo.

 

Fechei as mãos na minha camisa – no peito – e tentei conter os meus anseios. Agachei-me rente ao chão tentando me acalmar. Eu havia ficado ofegante, e meu coração disparar fortemente e, tudo isso, só de imaginar aquele belo ser, lindo como veio ao mundo, banhado pela água pura da chuva...

 

Na verdade... eu estava é ficando excitado; tenho que confessar! Mesmo naquela situação... Mesmo em meio ao frio da noite alta e de toda aquela chuva, meu corpo o desejava.

 

-  Que inferno! – me recriminei, mais uma vez. - A minha mente é uma armadilha perigosa, que gosta de me torturar! Se eu estivesse em casa tomando meu chocolate quente, embaixo do edredom, agora eu estaria... batendo uma.

Olhei o relógio.

 

- Onze horas da noite e eu ainda estou aqui. – Observei, cruzando os braços no peito e batendo impacientemente o pé. - Está esfriando mais. Mas se eu tiver que passar a madrugada aqui eu deveria pelo menos, voltar ao meu camarim. Já faz duas horas que estou parado aqui nessa maldita porta, esperando essa bendita chuva passar, e nada! – Esbravejei, batendo o pé no chão como uma criança pirracenta.

 

- Mas do que adiantaria gritar e esbravejar com a chuva? Quem consegue mandar na lei da natureza? E além do mais... eu lá sou feito de açúcar para ter medo de me molhar? Se ao invés de eu ficar aqui imaginando besteiras e falando comigo mesmo, eu tivesse seguido para o carro, agora eu estaria em casa, embaixo do edredom... dormindo! Sim, depois de tomar dezenas de xícaras de chocolate quente, e de fazer justiça com as minhas próprias mãos (1)... com certeza o sono teria me consumido.

 

Senti os joelhos doerem, talvez fosse de tanto ficar em pé esperando a chuva passar. “Maldita velhice!” reclamei em pensamento, óbvio. Não poderia vociferar tal verdade em tom elevado e correr o risco de algum ser noturno, - que gosta de vagar pela madrugada em meio a tempestade - ouvisse tal absurdo. Afinal, eu tenho uma imagem de galã a zelar. Joguei a pasta com os textos para decorar no chão, e sentei-me sobre ela. "Pronto, resolvido! Se vou esperar essa chuva passar que pelo menos seja sentado", sorri com a minha perspicácia.

 

"Velhice..."

 

- Com quantos anos eu estou mesmo? – me perguntei, coçando a cabeça, evitando me prender na resposta. - E quantos anos mais eu vou ficar esperando por ele?! – aproveitei para me advertir, mais uma vez e quem sabe assim, tomar vergonha na cara. - Na realidade eu deveria tomar uma atitude de homem e casar com uma mulher! – Senti um calafrio estranho me percorrer ao pensar naquilo. Não era porque eu tinha aversão de mulheres, era só por que... - Eu me lembrava da minha mãe?

 

 

 "Sim, era isso!" respondi em minha mente. "Todas às vezes que eu pensei em beijar uma mulher, a imagem da minha mãe ou das minhas quatro irmãs, vinham na minha cabeça com força, e... Sinceramente? Beijar a minha mãe, que beijava o sapo do meu pai, deveria ser algo bem nojento! Ou... Imagine eu beijando a Olga, a minha irmã mais velha?! Ela tem bigodes! Por todos os anjos do céu! Eu nunca beijei um homem de bigode, imagine uma mulher?!". Comecei a sentir-me enjoado com meus próprios pensamentos e cheguei a conclusão de que, era necessário – urgentemente – mudar o rumo dos meus pensamentos.

 

 

- Afinal, eu nunca conseguiria me ver beijando a minha mãe ou as minhas irmãs, assim, eu não consigo beijar nenhuma mulher. Como consequência, não posso me casar com uma. Mas... não foi por isso que me tornei gay... Ou foi? – cocei novamente a cabeça. - Porque eu me tornei gay mesmo?

 

"Ah! O professor de artes da escola militar..." sorri ao lembrar-me dele. "Há quanto tempo não pensava nele? Como será que ele estava? Será que havia envelhecido? Ele tinha um nome estranho, como era mesmo? Jasser, Jader, Jaler, Jacker... Ih! Eu esqueci o nome da pessoa que tirou minha virgindade!", gargalhei alto.

 

Interromperei mais uma vez a narração, - prometo ser a última - para dar outra nota explicativa. Naquele momento, como não lembrei o nome do meu estimado tutor, eu o chamei de “Jacker”, foi o nome que achei mais parecido com o real no momento. E olha que não me enganei tanto. Assim que cheguei em casa, vasculhei as minhas coisas e encontrei um velho álbum onde tinham várias fotos nossas juntos, a maioria em desfiles. E a boa parte tinha uma dedicatória assinada por ele: “Para Alexei, com carinho, do seu eterno Alphonse Henrique...” Sim, Alphonse Henrique, muito fácil de confundir com “Jacker”.

 

Retomando a narração...

 

A minha gargalhada prosseguiu, até que a graça daquele fato desapareceu e eu consegui me recompor. Na verdade, não deveria ser engraçado esquecer o nome da pessoa que fora tão especial e pensando nisso: "Será que um dia esquecerei o nome "Shun"?"

 

- Jacker... - inspirei profundamente ao sentir as lembranças retornando. "Ele me ensinou o quanto é bom fazer amor. E eu tinha o quê? Quatorze ou quinze anos? Naquele momento ele ainda era muito jovem, deveria ter uns vinte cinco anos. Artista renomado, professor de artes de faculdade e da Escola Militar da Marinha, onde o conheci. Mesmo assim, ele poderia ser considerado um pedófilo, por iniciar uma criança pura e inocente como eu, no mundo sexual. Isso é claro, se essa criança não quisesse... Contudo, era eu quem o procurava. E eu nunca vi maldade em seus atos, não tinha como, ele era bom no que fazia."

 

Naquele instante, lembrei-me de que Jacker não fora só meu amante, fora meu professor, meu amigo, o irmão que não tive. Ele me tratava tão bem. E sempre fora tão gentil, dócil, sorridente... Talvez... seja por causa dele que eu tenha me apaixonado pelo Shun.

 

Parei pra pensar um momento. "Os dois tinham o quê exatamente em comum?" me perguntei, mas logo cheguei a conclusão, sacudindo a cabeça de um lado para o outro em um “não”: "Nada, absolutamente nada! O Shun ator nunca será delicado! Ao menos... que ele nasça de novo!"

 

Mas, de repente, senti um estalo na testa. Desses, que nos faz lembrar algo repentinamente como uma lâmpada que se acende. Eu lembrei que havia algo peculiar entre os dois:

 

- O olhar de Jacker... O olhar dele se parece com o olhar do Shun. Será que ele ainda estava vivo? A última vez que visitei São Petersburgo ele ainda morava com o filho de um político famoso da cidade. – sorri novamente ao constatar-me daquilo. – É, esse é o Jacker que eu conheço. Ele sempre se envolvera com as pessoas da alta-sociedade. Afinal, era bonito suficiente para ter quem quisesse. Lembro-me de algo que ele dizia:

 

“Requinte, Hyoga. A beleza está nos gestos e no requinte...”

Se ele estivesse morto, e visse o quão relaxado me tornei, com certeza ele estaria se revirando no túmulo nesse exato momento.

 

- A chuva está cessando, ou tive só a impressão? - me questionei, tirando o celular do bolso e consultando: - Vinte para meia-noite. - foi a primeira coisa que vi. Em seguida, vasculhei as chamadas não atendidas. Poderia ter tocado quando eu estava dormindo.

 

- Números que não conheço, provavelmente telemarketings, querendo me vender seguros. Humf! Como se um dia eu fosse morrer... O da mamãe? Mas o que a senhora Natasha quer comigo? - desconfiei  - De qualquer forma, ligo amanhã. É muito tarde. E eu já não lembro a diferença do fuso horário de Tókio para São Petersburgo.

 

E foi nesse exato - quando estava retornando o aparelho para o bolso da minha calça - que algo adverso aconteceu. Eu senti o celular vibrando e, ao virar o display para cima e averiguar de quem era a chamada, vi "aquele nome" brilhando. 

 

Entrei em choque.

 

- Não, não pode ser. É quase meia noite e ele me ligando? - franzi as sobrancelhas, estranhando. - Eu só posso estar vendo coisas! - Foram exatos três toques e o telefone parou. O meu coração que havia acelerado ao ver de quem era a ligação, estancou, para segundos depois, recomeçar as batidas freneticamente. Eu não podia parar pra pensar, precisava saber o que Shun Amamya queria comigo aquela hora da noite; e aceleradamente, retornei a ligação.

 

Mas...

 

Demorou atender.

 

- Mas que diabos! Tocou até a chamada cair! – Olhei par o celular, incrédulo. Como se este fosse capaz de me dar as respostas. Mas, nada. – O que significa isso? – levei a mão até o coração. -Está desesperado. Meu coração é mesmo um tolo, adolescente! Ele ganha vida e força só em pensar nessa pessoa. Coração baka (2)! Porque você pensa tanto nele? Porque me prende tanto a ele? Se eu não posso tê-lo, liberte-me! Deixe-me escolher outra pessoa para amar!

 

Por favor...

 

Sem que eu quisesse, as lágrimas mornas escorreram no meu rosto já gelado. Na verdade, eu já estava exaurido de sentir o que eu sentia por ele. Era maçante, atordoante, irritante. E sempre doía de mais. Apertei o celular junto ao peito, quando senti os choques das vibrações novamente, não pensei desta vez, e atendi quase que em desespero:

 

- ALÔ?! – a minha voz saiu em um grito.

 

- Ainda acordado, Alexei?- ouvi a pergunta dele do outro lado, seguida de um bocejo, era como se eu o tivesse acordado.

 

- E você também... não? – inquiri, arqueando uma das sobrancelhas.

 

- Eu? – replicou a minha pergunta. - Acordei com a sua chamada.

 

- Mas foi você quem me ligou primeiro! – eu protestei.

 

- Eu? Está ficando louco, Alexei? – acusou ele, com àquela voz sonolenta ganhando acordes de quem acabara de ser acordado por um trote, e estava muito mal-humorado. - Eu estava dormindo profundamente, quando ouvi o telefone tocar. Aconteceu algo? – ele quis saber, perguntando rispidamente, já com seu tom comum de impaciência.

 

É, este era o Shun ator. Extremo oposto do jovem e delicado Shun de Andrômeda por quem as fãs suspiravam, chamando-o de "Kawai". Contudo, este é o homem que eu amava incomensuravelmente, desde que o conheci, quando nos juntamos para gravar Saint Seiya. E eu, era somente um molecote, vindo de uma carreira de modelo, com apenas 16 anos, achando que tinha o rei na barriga. Já ele, mesmo com seus 12 anos, era velho de carreira, feições sérias, experiente, dedicado ao trabalho... 

 

Suspirei. E retomei meu foco ao fato daquele momento.

 

"Será? Será mesmo que a minha mente fez isso comigo?", eu pensei atordoado. "Será que eu vi o display ascender, o nome dele aparecer, o telefone chamar, sem nada daquilo estar realmente acontecendo?", estava em estado de total perplexidade.

 

- Alexei, que barulho é esse? - Shun irrompeu, com seu tom irritadiço, fazendo-me despertar do momento de transe.

 

- Chuva. - fui categórico.

 

- Você está na chuva?

 

- Hm...

 

- Por quê?

 

- Eu ainda estou no estúdio. Eu... dormi no camarim. – expliquei. - E quando eu acordei estava chovendo e não consegui sair até agora. Estou esperando a chuva passar.

 

- Você e essa sua mania idiota de dormir depois das gravações. Deveria ir pra sua casa.

 

- Vou esperar a chuva passar, deixei meu carro no outro quarteirão.

 

- E você é feito de açúcar por acaso? – zombou ele. E eu tive que sorrir com àquela observação, que eu mesmo tinha feito há pouco. Ele continuou. - Se você tivesse se molhado um pouco pra ir até o carro, estaria na sua cama agora, embaixo de um edredom... – completou.

 

- Acredite, eu já pensei nisso.

 

- Quer que eu vá apanhá-lo?

 

O meu coração deu um grande salto. E eu tentei forçar a minha mente a dizer que “sim”. Mas ela relutava em me obedecer. “Vamos, idiota, covarde, diga que sim.”

 

- Não precisa... – Ah! Maldita voz traidora, que saiu de mim, sem minha permissão. Era claro que eu precisava! É claro que eu queria! Mas eu era muito burro para admitir. Foi então que o sorriso do outro lado da linha me fez estremecer.

 

- Não meu custa. – respondeu ele, simpaticamente. - Eu moro mais perto. E se você me ligou é porque no fundo, esperava que eu fosse. Você não sabe mentir, Baka. Vou pegar meu guarda chuva. Chego aí em dez minutos.

 

- Shun?

 

- Hã?

 

- Arigato... (3).

 

Ele riu.

 

- Baka...

 

Shun desligou e eu fiquei com o telefone no ouvido até o tom de desligado sumir por si. Era quase como se eu pudesse sentir o cheiro bom e quente dele exalando pelo aparelho. Eu estava enganado. Ele era capaz de me aquecer sim, mesmo não sendo o verdadeiro cavaleiro de Andrômeda. Até sua voz tinha o poder de me incendiar.

 

Senti vontade de arrancar o sobretudo que eu estava usando, tão grande era o calor que eu estava sentindo. Minha face queimava, a pele transpirava e a respiração ofegava. Me senti levemente dopado, tonto. Era quase um estado de torpor febril. Uma febre boa de se sentir. Olhei o celular e busquei as chamadas não atendidas. Os números desconhecidos e o da minha mãe estavam ali, e... não, o dele não estava. A minha mente insana havia realmente me pregado uma peça. Mas... No fundo, estava feliz por isso. Afinal, foi graças àquele momento de loucura, que ele estava vindo me buscar. E eu poderia sentir seu cheiro quente de perto.

 

A tontura e o calor me dominaram, e eu deitei para trás, no chão gelado.

 

- Será que o sono vai me vencer logo agora? - pronunciei desolado, vendo tudo se apagar.

 

E quando parecia que só havia se passado alguns segundos, ouvi àquela voz suave, mas ao mesmo tempo firme, me chamar dentro do meu subconsciente.

 

- Alexei?! – Era o meu nome, ecoando dentro dos meus ouvidos. Os olhos pesados, não queriam se abrir. Então, apenas murmurei em resposta.

 

- Hmm...?

 

- Você está bem? – perguntou a voz preocupada, tocando com sua mão quente em meu rosto. Ah! Como àquela sensação era revigorante. – Está queimando em febre... - Observou a voz. – Não consegue ficar de pé? Eu estacionei meu carro aqui na porta.

 

Abri os olhos e tentei me sentar, mas cambaleei, estava tombando de volta para trás, quando senti braços me envolverem, impedindo o baque.

 

- Alexei?! – a voz agora era mais imponente. - Você ficou muito tempo exposto nessa friagem! Você é mesmo um idiota! – bronqueou comigo. Eu apenas sorri. Será que ele não imaginava que àquela febre não era da exposição do clima e sim, do calor que ele me provocava?

 

Meu nariz se aguçou daquela proximidade. Senti o cheiro quente e doce exalando daquela pele. Abri os olhos forçadamente e então contemplei àquela face de anjo.

 

- Vamos, tente ficar de pé. – pediu ele, com seu semblante angélico contraído - Eu não vou conseguir carregá-lo no colo.

 

Apenas sorri da observação, claro que não, ele era bem menor, e bem mais frágil do que eu. Tentei fazer como ele me pedira.

 

- Eu estou bem. – consegui pronunciar por fim.

 

- Mentiroso. –  ele replicou, pegando um dos meus braços e passando por cima do seu ombro, para me ajudar a andar. Enquanto a outra mão ele abrira o guarda-chuva.

 

Então sorri.

 

- Está agindo como seu eu estivesse doente.

 

- Ah, sim. E você não está?

 

- Posso te provar que não é febre de doença, e sim...

 

- Cale-se! – ordenou ele, me interrompendo. - Você está delirando

 

Mas... Antes de chegarmos ao carro, eu grudei na cintura fina dele fazendo-o perder o equilíbrio e tombar no chão molhado. Claro que a queda foi leve, pois o amparei com os braços evitando baque desastroso. Em seguida, me deixei cair sobre ele.

 

Agora sim eu conseguia sentir os pingos gelados caindo nas minhas costas. Ouvia o barulho das gotas grossas trepidando no chão. Eu aproveitei para contemplá-lo ainda meio desnorteado, afinal, quando ele se recobrasse do susto, me xingaria de todos os nomes feios que conseguisse lembrar e de quebra, me daria um belo murro na fuça. Todavia...

 

Isso não aconteceu, na verdade, ele começou a rir, o que me deixou assustado.

 

- O que foi? Não vai revidar?

 

Ele retirou a mão do rosto e olhou nos meus olhos.

 

- Você faz cada idiotice... – comentou ele, ainda rindo. – Acho que não tomo banho de chuva desde quando era criança.

 

- Para mim, apesar dessa sua pinta de durão, você ainda é uma criança.

 

Ele tocou a minha face com suas mãos, como se tivesse querendo ter certeza que eu estava bem, e ainda sorrindo confessou:

 

- Quando eu te vi caído no chão, fiquei com muito medo... – declarou ele, fungando com força, deixando que lágrimas escorressem dos seus olhos. – Nunca mais, me assuste desse jeito, Alexei. Nunca mais! – bronqueou ele, abraçando ao meu pescoço e chorando como uma criança. Chorando tanto, que até soluçava.

 

Eu realmente não tinha medido o que eu tinha feito. Ele provavelmente pensara que eu havia feito alguma besteira. Ligar tarde, para a pessoa que você ama, a qual não corresponde seu amor, em uma noite fria e tempestuosa como àquela, provavelmente fizera com que ele pensasse o pior.

 

- Perdoe-me? – pedi sinceramente, abraçando-o com força junto ao meu corpo. – Eu não tive a intenção de lhe preocupar, não cho...

 

- Cale-se! – esbravejou ele, me interrompendo mais uma vez. E eu me calei. Ele voltou a olhar nos meus olhos. – Se um dia passar pela sua cabeça uma coisa idiota dessas, eu mesmo o mato com as minhas mãos, entendeu?

 

Concordei balançando a cabeça em um sim mecânico. Em seguida acariciei o belo rosto diante de mim. Eu queria beijá-lo, mas não achei justo lhe dar mais àquele desgosto naquela noite. Era eu quem o amava desmedidamente, ele sabia bem disso, afinal, já havia confessado inúmeras vezes. Mas, Shun era enfático em sua opção. Então, me levantei e o ajudei a levantar. A febre, o coração, até a chuva... tudo estava se acalmando.

 

Ele ainda insistiu para me deixar em casa, mas... o meu medo inicial era de me molhar com a chuva fria. E agora que estava molhado por ela, não tinha mais o que temer. Não valia a pena mais, deixar meu carro largado.

 

- Eu o deixo pelo menos perto do seu carro. – ele ofereceu mais uma vez, já dentro do próprio veículo.

 

- Não há necessidade, eu quero andar um pouco.

 

- Alexei, você me irrita, sabia?!

 

- Eu sei.

 

- Me liga quando chegar na sua casa, então?

 

- Prometo.

 

- Liga do fixo, quero saber se está lá mesmo.

 

- Sim, senhor! – bati continência.

 

- Baka! – foi a última coisa que ele esturrou de dentro do carro. E então eu o vi dar ré, fazer a conversão e sair pelo portão que entrou. Eu segui caminhando para a mesma direção que ele saíra. Não entendia porque, mas eu estava muito, muito feliz mesmo. Era uma felicidade que eu não conseguia compreender, nem descrever. E então comecei a rir. Ele tinha se deslocado do conforto da casa dele, havia chorado e havia sorrido pra mim? Por mim?

 

- Ahhhhhhhhhhhhh! – soltei um berro de alegria. Voltei meu rosto para o céu e deixei as gotas o molharem. A chuva nem estava tão fria como pensei e quase não havia mais nuvens. Até pude ver algumas estrelas...

 

Então, sai pelo portão e avistei meu carro na quadra de cima, com as ruas desertas era fácil encontrá-lo. Caminhei até este e quando o alcancei percebi um farol alto me iluminar e o veículo deste estacionar do meu lado.

 

Sorri de lado, então perguntei: 

 

- Não conseguiu confiar em mim? 

 

- Não iria impedi-lo de se molhar na chuva, mas queria me certificar de que, iria entrar no carro e iria mesmo voltar para casa.

 

Então, movido por uma força que não sabia de onde havia saído, abri a porta do carro dele e o empurrei para dento deste, me debruçando sobre ele. Talvez, ele estivesse realmente esperando àquilo. Afinal, não houve protesto.

 

- Shun?

 

- Alexei?

 

Foi quando fechei meus olhos e aproximei meus lábios da sua boca que senti uma dor enorme deslocar meu queixo. E ao me erguer do susto da pancada recebida, bati a cabeça no teto do carro.

 

- Droga! – praguejei, irritado por minha ingenuidade. - Eu sabia que você estava bonzinho de mais para ser verdade!

 

- Eu não disse que podia tentar me beijar, disse? – ele perguntou, sorrindo de canto. - Eu só queria que você saísse da chuva!

 

- Eu eu saí, não saí?

 

Ele sorriu e segurou meu rosto, fazendo eu parar de me mexer.

 

- Sim, e é assim que tem que ser... – disse ele, suspirando e se aproximando dos meus lábios; me beijando por fim.

 

Meu coração quase enlouqueceu. Bateu, cavalgou, esperneou... Era a segunda vez que nos beijávamos. Entretanto, da última vez, - no ano novo - ele argumentara que ainda não tinha a intenção de ser tornar gay. E que a gente deveria continuar só como amigos. Porém, a sorte havia me sorrido novamente e finalmente, eu estava saboreando seu beijo tão doce de novo.

 

No entanto... nem tudo que é bom dura para sempre, diz o velho ditado. E quando as minhas mãos começaram a ganhar força e passear pelo corpo macio e cheioroso que ele tinha, fui chutado para fora do carro.

 

E antes de ir embora, ele ainda gritou, pendindo para eu não me esquecer de ligar avisando que havia chegado em casa seguro. E desapareceu, cantando pneu.

 

Eu apenas sorri, caído no meio da poça de lama. Se eu não tivesse desejado tanto a presença dele ali, talvez eu terminasse essa história com menos hematomas e em uma situação menos deplorável. No entanto, eu não estaria tão feliz como estava, e nem com esse sorriso idiota e esperançoso que estou agora no rosto, enquanto escrevo...

 

Alexei ergueu os braços depois de escrever essa última linha. Apanhando as páginas de papel e admirando sua escrita escarranchada, suspirou satisfeito.

 

- É... talvez eu seja mesmo um bom escritor. – sorriu ele para o papel, depois de olhar no relógio da escrivaninha. – Já são quatro horas! E... esqueci de ligar!

 

Ele saiu correndo, atropelando os móveis da sala, até alcançar o telefone fixo. Discou o número, que chamou umas cinco vezes, até uma voz sonolenta atender.

 

- Hai (4)...?

 

- Shun, gomena...

 

PLAFT! TU! TU! TU!

 

Hyoga assustara-se com o barulho, e teve certeza: no mínimo Shun arremessara o celular na parede. Repôs o seu telefone na base com cuidado e concluiu irônico:

 

- Delicado... Tal como uma flor. Talvez seja esse o motivo deu amá-lo tanto.

 

O loiro voltou para a escrivaninha do quarto, e terminou de entornar o restante de chocolate quente que havia deixado na xícara. Juntou os papéis e observou o título do seu texto.

 

-“Monólogo...” talvez não combine muito. Afinal, houve alguns diálogos... – Ele sorriu. Largando as folhas de papel sobre a mesa, enquanto caminhava aos bocejos até a cama, que ficava ao lado de uma imensa janela, de onde ainda podia-se vislumbrar o tempo fechado. – Mas o "tempestuoso", foi perfeito. Não só por causa do mal tempo, mas... devido a personalidade tempestuosa daquela pessoa. - ele concluiu sorrindo, se aconchegando embaixo do edredom e soltando um ultimo suspiro: 

 

- Eu só queria dizer: "Oyasuminasai, Shun.” (5)

 

Fim...?

 

Vocês é que pensam, continua...

 

XXX

Vocabulário e Observações

1 Muitos já sabem, mas não custa explicar. O termo “fazer justiça com as próprias mãos”, usado pelo Hyoga, significa “se masturbar”; outro termo também que ele usou mais acima é o famoso “bater uma”. Acredito que os homens têm aversão a palavra “Masturbação”. (Dito :D)

2 Baka – idiota;

3 Arigato – obrigado;

4 Hai – sim.

5 Oyasuminasai - boa noite;

 

N/a: As notas finais que postei aqui embaixo, são as mesmas de quando publiquei a história no fanficnet, em Julho deste ano. Publiquei aqui a pedidos, porque lá, ela está dentro do enredo da fic Os Bastidores. Quem quiser conhecer minhas outras histórias do Saint Seiya, acessem o link do fanficnet que está no meu perfil aqui do Nyah. Obrigado, e deixem reviews!