Pov. Austin

Estava chovendo.

Fazia sentido, já que era mesmo um dia sombrio. Como o universo pode cooperar tanto comigo ?

Eu tinha falado com Emma mais cedo, ela disse exatamente o que eu esperava ouvir: "Só fique calado e tente ser gentil, ok ? Se você orar bastante enquanto engole a comida, o jantar pode passar mais rápido e acabar sem o sangue de ninguém no chão."

Fazia sentido se tratando dela. Minha irmã era como o elo de paz da família que por pura ironia, não era exatamente uma pessoa calma, bondosa e cheia de paz interior. Ela era completamente maluca. Mas sabia nos manipular, o que era bem inteligente.

Henry chegaria em poucos minutos. Eu teria que aguentar ele agindo exatamente como nosso pai o jantar inteiro. O herdeiro perfeito.

Acredito eu, que a única pessoa mais nervosa para esse jantar idiota era a minha mãe. Meu irmão era filho do primeiro casamento do meu pai, então, tecnicamente era meu meio irmão. Isso não incomodava a minha mãe, de jeito nenhum, mas ela sabia perfeitamente sobre todos os problemas que eu tinha com ele. E bem, isso sim a incomodava.

Eu me recusava a ter que colocar uma roupa especial por causa de um jantar de família. Minha mãe tinha falado alguma coisa sobre Henry trazer um amigo junto e talvez esse também seja o plano para escapar de todo o drama dele. Estou fazendo a mesma coisa com a Ally.

E bem, a mesma estava agora sentada na minha cama me olhando curiosa enquanto eu só conseguia mirar a janela.

Não sabia se ela queria dizer alguma coisa, ou se não sabia o que dizer. Mas ela continuava ali, e eu me sentia bem com isso.

– Você nunca mais falou sobre o futebol - ela comentou, como se estivesse mesmo interessada naquilo. - E quanto aos treinos ?

– Não ligo pra isso. - Falei, e era mesmo verdade. Estar ou não na porcaria do time de futebol da Marino High School era mais ou menos a última coisa na qual eu poderia pensar em meses.

– Você precisa de atividades extracurriculares para pôr na inscrição da faculdade, lembra ?

Ah, tinha isso.

Com a metade do ano letivo já completa, sendo que já estávamos no último ano, teríamos que começar a planejar o futuro, e isso incluía ter um bom currículo para enviar á uma boa universidade para que conseguíssemos a chance de um futuro digno.

Alguma professora comentou sobre isso na aula.

Era verdade, e eu precisava me preparar pra isso, e não ficar pensando no quão estranho vai ser quando meu irmão chegar.

Existem coisas piores, não existem ? O mundo podia estar desabando, o sol poderia cair sobre nós, queimando toda a população da terra. Mas como um idiota, eu estava preocupado apenas com uma visita estúpida e irrelevante.

– É, eu sei.

Dei um longo suspiro finalmente me virando de volta pra ela.

– Sabe, eu não consigo aceitar que toda essa sua rincha com seu irmão seja só porque ele seja um idiota - ela estreitou os olhos, parecendo me avaliar -, tem que ter mais alguma coisa.

Murmurei algo enquanto passava as mãos nos meus cabelos e cobria meu rosto de um jeito imbecil, demonstrando que aquilo me deixava desconfortável.

– Não é tão importante - falei, baixo.

– Então tem mais alguma coisa ?

– Talvez.

Ficamos nos encarando por alguns segundos, como uma guerra de olhares, aonde ninguém ganharia. Certas coisas seriam mais fáceis se fossem simplesmente deletadas, mas todos tem um passado, algo de que se arrependem ou que gostariam de mudar, mas já não é possível.

Entre mim e Ally, acho que eu não gostaria de mudar nada. Estávamos nos dando tão bem nos últimos dias, acho que isso não acabaria por causa de qualquer besteira, e ela tinha confiado em mim para muitas coisas e muitas vezes ...

– Anda - ela disse. - Me fala.

Suspirei mais uma vez e comecei a andar em volta das minhas guitarras - praticamente abandonadas ali á algumas semanas.

– Tudo bem. Quando eu tinha 16 anos - comecei, meio confuso se aquele deveria mesmo ser o início da história - , eu conheci uma garota, e bom, eu meio que gostava dela. Gostava muito. E a gente meio que saiu algumas vezes ...

– Meio que gostava dela ? Meio que saíram algumas vezes ?

– Eu gostava dela, e a gente saiu algumas vez, tá legal ? - Sentei na cama ao seu lado. - Só que é estranho falar sobre minha paixão do passado com a minha paixão do presente e que eu espero que seja a do futuro também, ok ? - Ela riu, passando uma das mãos no cabelo no seu mesmo gesto nervoso que eu ainda achava sexy. - Continuando ... Henry chegou na cidade, ele ia passar um tempo com a gente e na época, isso não tinha nada de mais. Quer dizer, ele ainda era chato e quase um robô do meu pai, mas eu aceitava isso simplesmente porque ele ainda era meu irmão. Mas isso foi num verão e eu realmente comecei a namorar com essa garota, mas ele conseguiu destruir isso ...

– Espera, - ela falou, gesticulando as mãos tragicamente e parecendo surpresa - Tudo isso começou por causa de uma garota ?

– Não começou por causa dela, mas foi quando tudo explodiu, sabe ? Eu já estava cansado dele.

– Então seu irmão roubou sua garota ? Tão fácil assim ? - Ela perguntou, sua expressão estava confusa.

– Não sei dos detalhes! - Exclamei. - E nem quero saber.

– Se foi tão fácil pra ela trocar você por ele, assim, do nada, ela deveria ser uma vadia. - Ally disse, parecendo sincera. - Desculpe se isso te ofende.

– Não, não me ofende. Depois de um tempo nem era mais pela garota que eu fiquei bravo, era só pela ... pela capacidade dele de fazer isso. Eu ...

Eu ia falar que realmente não entendia qual a necessidade de Henry de tirar tudo o que era meu, de ser sempre melhor do que eu e de querer jogar isso na minha cara. Mas minha mãe entreabriu a porta do meu quarto, devagar, provavelmente com medo de estar atrapalhando algo.

– Seu irmão chegou. - Avisou. Essa era a hora em que eu deveria me levantar da cama disposto a rever ele. Em vez disso, retorci meu rosto e Ally riu, se levantando e me puxando pela mão.

– Tenho a sensação de que isso não vai ser agradável. - Ela sussurrou em meu ouvido, para que Mimi não ouvisse.

– Eu nunca imaginei que fosse. - Sussurrei de volta.

Minha mãe seguiu na frente. De vislumbre, pude ver suas mãos tremendo. Tinha muita pressão em cima dela desde o dia em que ela se casou com meu pai. E sinceramente acho que ela não merecia isso.

Dobramos o corredor em direção á escada - na qual, minha mãe já estava descendo -, Ally apertou minha mão mais forte e gesticulou lá para baixo.

– Aquele é seu irmão ? - Ela perguntou, parecendo surpresa, como se já o conhecesse. Assenti enquanto também o olhava. Estava com uma roupa social, o que é a cara dele quanto está fingindo ser o filho perfeito para meu pai, e mantinha a expressão séria. O cabelo preto muito bem penteado e os fios nem mesmo pareciam se mexer.

Ally parecia estranha enquanto o observava. Já estávamos descendo a escadas. Mas a parte mais bizarra foi quando duas pessoas chegaram ao seu lado, ao mesmo tempo, numa perfeita sincronia. Um cara de cabelos castanhos e com um sorriso de escárnio no rosto e uma garota loira, com um vestido formal e um sorriso que eu não sabia identificar se era falso ou verdadeiro.

Quase parei no meio da escada quando me dei conta de quem era e Ally parecia ter tido o mesmo choque. Ou pior. Mas diferente de mim, ela não olhava para a garota e sim para o garoto.

Minha mente parecia mais lenta quando chegamos ao fim dos degraus, mas eu ainda podia ter a certeza de que aquilo não seria mesmo agradável. Era quase o Halloween alguns dias antes. Ou pior.

"Advinha quem veio para o jantar ?"