90 Dias escrita por Gaby Molina


Capítulo 6
Capítulo 6 - Angie e Tori


Notas iniciais do capítulo

Buenas tardes :3 Então, eu percebi que os capítulos estavam ficando muito pequenos, então resolvi fazer dois POV's por capítulo o/ Arrumei os outros capítulos que já postei, se vocês quiserem dar uma olhada.



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Angie

We came here on his back

And we caught your eye.

The salty ocean wind

Made the seagulls cry.

— From Finner, Of Monsters And Men

Eu não havia percebido que ainda estava com o moletom de Jem até ele dizer. Continuei com o moletom. Estava com frio, e o moletom era verdadeiramente confortável.

— Coitada de você, se mudou para cá bem no meio desse estresse da formatura — Tori abriu um leve sorriso gentil.

— Não tive muita escolha — dei de ombros. — Além do mais, fico feliz em ajudar.

— Eu não fico nada feliz em ir para a escola no Sábado — disse ela, suspirando. — Mas, bem, fazemos o que temos de fazer.

— Como você e Jem estão na mesma série? — perguntei, e Cassie me lançou um sorriso malicioso por trazer Jem à conversa. Droga, eu só estava curiosa.

— Ele repetiu o terceiro ano — disse ela, baixinho, e desviou o olhar. Ali tinha coisa.

— Ah — soltei sem querer e tratei de falar sobre alguma coisa do trabalho.

Terminamos depois de uma hora, mas ficamos papeando e comendo sorvete quase a tarde inteira. Foi bom.

Até que o assunto voltou para Jem.

— Afinal, como você conhece meu irmão?

— Fazemos Inglês juntos — falei. — Você sabe disso, está na classe também.

— Ah... Verdade. Eu gosto de Inglês.

— Eu gosto daquele professor delicioso — comentou Cassie e enfiou mais sorvete na boca.

— Ele explica a matéria direitinho — disse Tori.

— Qual é! Falando assim, até parece que você presta atenção.

Eu podia dizer que, se Tori prestasse atenção, não estaríamos fazendo um trabalho de recuperação. Mas que bem faria?

Então calei a boca e deixei-as discutir sobre o sr. Harris, que era, de fato, um belo pedaço de mau caminho.

* * *

Sábado chegou rapidamente. Meu pai me deu uma carona até a escola um pouco antes de a Reunião de Pais acabar, para que eu pudesse ajudar todo mundo a montar as barraquinhas.

Jem, Nicholas e alguns outros — demonstrando sua masculinidade — se encarregaram de ficar pregando tábuas e tal.

Apesar de terem ficado muito surpresos por eu ter me oferecido para ajudar a carregar as tábuas do caminhão até a porta da escola.

— Olha o seu tamanho! — Jem zombou.

Peguei três tábuas e propositalmente quase acertei Jem com elas.

— O que dizia?

Ele balançou a cabeça e pegou cinco tábuas.

Homens...

Depois de termos montado tudo, o sr. Harris nos dividiu em grupos para as barraquinhas. Como se fosse perseguição, fiquei na barraca do Caixa com Jem e uma menina morena cujo nome disse ser Naomi.

Ela viera para uma venda de bolinhos com um salto quinze, o que já me dizia muito.

— Estou tão feliz de estar nessa barraca — ela abriu um sorriso afetado para Jem. — E você?

Ela ia mesmo ficar dando em cima dele enquanto trabalhávamos?

— Humm... Claro. É... Angie, quer separar as notas?

— Sinto minha inteligência sendo subestimada — mostrei a língua.

— Quer fazer o quê? Dar o troco?

— Na verdade, sim.

Ele me fitou por um momento.

— Eu sou melhor em Matemática.

— Garanto a você que não é, não.

— Claro que é! Ele é um gênio! — defendeu Naomi.

— Ah, desculpa aí, então — sorri, me divertindo. Encarei Jem. — Eu vou cuidar do troco.

Ele continuava com os olhos escuros fixos em mim.

— Merda, não consigo dizer não para você — revirou os olhos, suspirando. Quando me aproximei do caixa, ele disse: — Vinte e quatro vezes doze.

— Duzentos e oitenta e oito. Apesar de que, com cada cupcake custando dois dólares, não sei quem vai comprar cento e quarenta e quatro bolinhos. Mas em todo caso.

A boca de Jem estava escancarada.

— Você é uma vergonha para as louras do planeta.

— Muito obrigada.

Quando os pais começaram a sair, fiquei bem ocupada com o troco. Jem me dizia o valor da compra e Naomi imprimia o cupom fiscal.

Tínhamos cupom fiscal. Olha o nível!

Naomi puxou uma conversa animada com Jem, que parecia até interessado, mas me fitava de relance às vezes, certo de que eu não perceberia.

Percebi. Depois de quarenta e cinco minutos, permiti-me uma única olhada, que sem querer encontrou o olhar dele e ele se esforçou para não olhar mais.

— Angie? — meu pai me chamou pela terceira ou quarta vez. Pela expressão no rosto dele, com certeza me pegara olhando para Jem. Merda, eu provavelmente encontraria um panfleto sobre sexo seguro em cima de minha cama quando chegasse em casa.

— Calma aí, estou esperando o gênio em ascensão aqui do lado me falar quanto deu a compra — ergui o tom para que Jem ouvisse. Torci para que meu pai caísse nessa, mas ele provavelmente me conhecia bem demais.

— Seis dólares! — disse Jem.

Meu pai me deu vinte e devolvi-lhe quatorze.

— Obrigada, nossa viagem agradece — sorri e ele se afastou, dando uma última olhada em Jem.

Que beleza.

Tori

Now we're torn torn torn apart,

There's nothing we can do

Just let me go,

We'll meet again soon.

— Little Talks, Of Monsters And Men

Minha mãe tinha me ligado para dizer que haveria uma reunião de família mais tarde. Ela não fora à Reunião. Nunca ia.

Fugi da minha própria barraca até a do Caixa. Meu irmão estava olhando para a Angie, mas negaria se eu perguntasse.

— Jem, me dá uma carona até em casa? — pedi.

— Nem dá, vou jogar bola com os caras.

— Mas você é péssimo naquela merda!

— Olha quem fala! Peça para a Cassie.

— Tentei, mas ela está de carona com o Chris.

— Então pegue carona com o Chris.

— Ele mora do outro lado da cidade, e eu mal conheço ele.

— Droga, Tori, então durma na escola! O que quer que eu faça?

— Tá! — bufei e me afastei.

Depois que todos os bolinhos acabaram, passamos uns dez minutos gritando para comemorar, e então me sentei num banco em frente à escola e estava quase engolindo o orgulho e ligando para minha mãe quando ouvi aquela voz grave e rouca atrás de mim:

— Quer uma carona?

Gabriel me fitava com aqueles grandes olhos azuis.

— Está falando sério?

— Sua família convidou a minha para o churrasco. Vou para lá de qualquer jeito.

Claro. Mamãe sempre convidava os Harris. Maldita.

—... E não. Não dá para eu apenas não ir — ele sorriu um pouco. — Qual é, é só uma carona.

— Começa assim.

Ele riu com a minha cautela.

— Nossas famílias são próximas, precisamos resolver isso.

Isso?

— É, quero dizer, nos conhecemos há anos. Não precisa ser estranho.

— Mas é.

Gabriel revirou os olhos.

— Vem, Victoria — e me arrastou pelo pulso gentilmente até seu carro, que estava parado na esquina.

Ficamos em silêncio o caminho todo. Até que ele parou o carro.

— Aqui não é minha casa — constatei.

Era a casa dele. Fazia quase um ano que eu não a via.

— Eu sei, só vou trocar de roupa — ele apontou para o traje social que professores eram obrigados a usar. — Pode ficar no carro, se quiser.

— Vou entrar — decidi.

— Está bem.

A casa de Gabriel era impecável, como ele. Era térrea, bem aconchegante e bonita. Obriguei-me a permanecer na sala de estar enquanto ele ia para o quarto se trocar. A porta se entreabriu em certo momento e não pude deixar de observá-lo sem camisa. Droga, por que ele não podia ser um velho chato e barbudo com barriga de cerveja?

Ele voltou para a sala logo depois e concentrei-me em minha unha, fingindo não ter visto nada.

Fazia algum tempo que eu não o via parecendo... ele. Usava uma camiseta e jeans, além de tênis Converse. Seu cabelo preto curto estava bagunçado, e por um momento até me esqueci de que ele era meu professor.

Mas lembrei antes que fizesse algo de que me arrependeria.

— Muito melhor do que aquelas merdas sociais, certo? — ele abriu um leve sorriso e respirou fundo, parecendo confortável.

Merdas. Professores não falavam isso aos alunos, minha escola tinha uma política bem rígida quanto a palavrões.

Eu podia dizer muitas coisas, mas ao invés disso apenas assenti e ele me acompanhou até o carro.

Chegamos em casa rapidamente. Fiquei sentida por Jem poder faltar ao churrasco e eu não. A tensão entre ele e mamãe devia ter aumentado novamente.

Mas era até bom que ele não estivesse lá. Eu não queria ter de aguentar o quão profissional ele seria com Gabriel, e odiar-me por não conseguir fazer o mesmo.

— Olha só quem chegou! — Tia Diana sorriu, nos abraçando. — Finalmente perceberam que são perfeitos um para o outro?

Foi como um soco no estômago.

Gabriel fez uma cara de ultraje, como se achasse a ideia absurda. Devia ser.

— Victoria é minha aluna, Diana.

— Ah, você se formou mais cedo, não é, querido? Que bom que está dando aulas! É tão bom nisso!

— Sim, me formei mais cedo — ele sorriu e apontou para mim. — Já essa daí, eu corro pelado pela cidade inteira se ela ao menos se formar.

— Ei! — protestei. — Espera, isso é uma aposta? Porque eu te entreguei um trabalho muito bom sobre Um Estudo Em Sangue.

— Um Estudo Em Vermelho — ele corrigiu.

— Issaê.

— Estou ansiosíssimo para ler.

Cada um pegou um pouco de carne e sentamo-nos para comer. Minha mãe começou a falar com Gabriel sobre... aulas.

Todo mundo só sabia falar nisso?!

— Ele é um ótimo professor — falei. — Até me convenceu a ler um livro. Apesar de eu não ter entendido merda nenhuma da segunda parte. É meio mal escrito, a história muda do nada.

— Victoria — Gabriel me fitou, erguendo uma sobrancelha. — A segunda parte mostra a decorrência do crime, as razões e tal.

— E o que os mórmons tinham a ver com a história? Isso é preconceito religioso!

— Sobre o que diabos eles estão falando? — Tia Diana franziu o cenho. Ela tinha lido menos livros do que eu, o que era grande coisa.

Minha mãe deu de ombros.

— Sempre achei que Jem fosse o filho que não fazia sentido.

— Jem é um ótimo garoto — disse Gabriel.

— Meu irmão é, tipo, três anos mais novo que você — disparei. — Você não precisa falar dele como se fosse um bebê.

Basicamente como você fez quando disse que eu não ia passar de ano, pensei. Era quase como se ele quisesse que eu vivesse aquele inferno por mais um ano.

A verdade é que não fazia tanta diferença para ele quanto fazia para mim.

Se fizesse, ele teria se demitido quando entrou por aquela merda de porta pela primeira vez e me viu sentada na segunda cadeira.

Certo, isso não foi justo. Ele tinha contas para pagar e não estava muito fácil encontrar emprego como professor, principalmente sendo tão jovem.

Uma garota estúpida com uma quedinha pelo professor. Era isso que eu era. Era assim que ele me via.

Quedinha. Era isso que se tornara? Que ótimo.

— E você, Gabriel, tem namorada? — perguntou a tia Diana, que parecia muito interessada em não me deixar esquecer da presença de Gabriel.

— Não — ele respondeu calmamente. — Apenas me focando no trabalho.

— Você está mais bonito a cada dia — ela sorriu. Nem me fale, pensei. — Devem chover moças em cima de você.

— Ah, sabe como é — ele abriu um leve sorriso e me fitou por um momento, sem desviar o olhar.

Maldito. Maldito! Ele não fazia ideia do efeito que causava.

Ou talvez fizesse. Talvez apenas gostasse de me ver naquela situação.

— Não consigo fazer isso — balbuciei, e só depois percebi que tinha dito em voz alta. Cruzei os talheres no prato e me levantei, correndo para o quintal.

Gabriel apareceu depois de alguns minutos. Eu estava sentada em um dos balanços que tínhamos no quintal desde que eu tinha cinco anos.

— Vai fazer o quê? Me mandar descer do balanço antes que eu me machuque, Tio Gabriel? — resmunguei, sentida.

— Não — respondeu, sério, e sentou-se ao meu lado. — Você não é criança, Victoria.

— Que jeito estranho você tem de me mostrar isso.

— Certo. Eu sei que é minha culpa — ele me fitou com aqueles grandes olhos azuis. Eu queria muito que ele não fizesse isso. — Conheço você há... Quanto? Cinco anos? E nunca tratei você como criança. Você é muito madura, Victoria, e quatro anos de diferença não são tanta coisa. Mas eu sou seu professor também, o que me coloca, querendo ou não, em outro patamar. E eu não sei conciliar isso.

— Hm.

— Estou sendo sincero aqui. O que quer que eu faça?

— Se eu atrapalho seu profissionalismo — disse eu, ainda sentindo como se tivesse levado um soco no estômago. —, me esqueça. Finja que não me conhece nas reuniões de família. Seja meu professor. E meu professor.

— Não acho que eu consiga fazer isso. Você sempre foi uma de minhas melhores amigas, Victoria.

Aquilo doeu um pouco. Ele não podia só calar a boca? Cada vez que tentava consertar, piorava tudo.

— Você tem que fazer.

Ele me fitou novamente.

— É o que você quer?

Não, não, não, não, não...

— Sim.

Não, não, não, não...

— Tudo bem — ele suspirou e se levantou. — Até a aula, então.

— Tchau, sr. Harris.

Aquilo doeu nele também. Deu para ver. Eu nunca o chamara assim fora da sala de aula. Nunca. Ficamos nos fitando por um momento tão longo que eu provavelmente teria agarrado-o se meu irmão não tivesse aparecido.

— Hora ruim? — Jem sorriu levemente. — Oi, Tori. Oi, sr. Harris.

— Eu deveria ter cursado biomedicina, puta que pariu — Gabriel revirou os olhos e saiu andando.


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