90 Dias escrita por Gaby Molina


Capítulo 4
Capítulo 4 - Angie e Tori




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Angie

"There's an old voice in my head that's holding me back"

"Well, tell her that I miss our little talks"

— Little Talks, Of Monsters and Men

[Nem vem, Jem, eu vou contar essa parte] Cheguei ao colégio dez minutos antes da aula de Matemática começar.

Ah, ali estava meu armário. E ali estava Jem, encostado nele.

— Fora — ordenei.

— Bom dia para você também, raio de sol.

— Se não estou enganada — encarei-o. — E eu nunca estou enganada, esse aí é o meu armário.

— Provavelmente. Como está Phoenix?

— Ficando pior à medida que você continua parado aí.

— Alguma teoria nova?

— Uma, na verdade — fitei-o, tentando não parecer animada. As pessoas nunca se interessavam pelas minhas metáforas, mas os olhos escuros de Jem me observavam atentamente. — Certo. Acho que entendo por que se chama Phoenix. Aqui é muito quente. Então ocorrem as queimadas naturais. E tudo pega fogo, mas se reconstrói. A cidade está sempre se refazendo das cinzas, como as fênixes.

— Você acaba de fazer alusão a uma criatura mitológica e relacioná-la ao clima de uma cidade, e... — ele continuava me fitando com um olhar que não identifiquei.

— Pare de me olhar assim.

— Assim como?

— Essa cara boba de admiração.

— Eu só... nunca tinha pensado nas coisas assim — ele não desviou o olhar. — É isso. Está decidido.

— O quê?

— Quer sair comigo?

Acho que ele não esperava que eu ficasse tão surpresa quanto de fato fiquei, mas não pude evitar. Nunca pensei que olhos escuros pudessem ser tão interessantes, mas os de Jem eram. O jeito que olhavam para mim — como se não houvesse nada que pudesse fazê-lo desviar o olhar...

Ele mal me conhecia. Essa era a verdade. Mas gostava do pouco que conhecia. Eu não conseguia ser assim.

Obriguei-me a falar a verdade.

— Jem...

— Lá vem.

Eu geralmente não me sentia culpada por dispensar garotos, mas Jem era Jem. Eu só não sabia se isso era bom ou não.

— Eu acabei de sair de um término muito conturbado — contei, baixinho. — Eu não...

— Ah, a desculpa do término — ele suspirou. — Certo. Eu não deveria ter feito isso. Esqueça que eu disse qualquer coisa, está bem?

— Não dá para mudar a história, James.

— Claro que dá. Quem vai saber, exceto você e eu? — ele sorriu e, como se a expressão de desapontamento nunca tivesse tomado seu rosto, foi para a aula.

Passei a aula inteira pensando nele. Não exatamente nele, mas no quanto ele merecia uma explicação melhor. Foi basicamente por isso que pulei em cima dele na hora do intervalo e o arrastei até o telhado do celeiro.

— Você ainda vai me fazer ser suspenso — ele sorriu, se sentando.

— E você não parece muito desapontado.

— Enfim. Por que me trouxe aqui? Duvido que tenha sido para dividir a merenda.

— Certo — dei uma mordida em minha maçã. — Chad Houston. Esse é o nome dele.

— O nome de quem?

— Do meu ex-namorado. Quer saber por que terminamos?

— Não é da minha con...

— Eu estava prestes a me mudar. E ele me disse que não queria tentar namoro à distância, porque tinha "necessidades" que não seriam saciadas se eu estivesse longe — arranquei outro pedaço da maçã, fingindo ser a cabeça de Chad. — Ele nem estava errado, sabe. Acho. Mas, digamos... Trinta minutos depois, talvez? Eu o encontrei beijando uma amiga minha na minha frente.

— Que babaca.

— É, ele estava saciando as necessidades dele.

Jem me fitou por um momento, e depois estendeu a mão:

— Amigos?

Sorri.

— Amigos. Mas eu gosto de abraços — e então o abracei, sentindo o cheiro de suéter e colônia.

Ficamos algum tempo sem falar nada. Jem ficava confortável no silêncio, e eu também.

— Espera, vire — ele me fez virar para o outro lado do celeiro, onde podíamos ver a cidade se estendendo. — Me ensine a fazer aquilo que você fez ontem.

— O quê?

— Achar a parte bonita das coisas. Foi fascinante.

— Não foi grande coisa — defendi. Fitei a paisagem urbana por um momento. — Hummm... Ah, bem ali.

Fiz a moldura com quatro dedos.

— Aquele ponto ali em cima daquele prédio. A luz do sol reflete no pássaro que está no topo dele, e desse jeito aqui podemos capturar a árvore que está atrás.

Antes que Jem pudesse dizer qualquer coisa, ouvi uma voz levemente conhecida:

— Finalmente achei você, sua maldita!

Cassie Wittson.

— Ah, oi Cassie — acenei levemente, um pouco irritada por ter sido encontrada.

— Fomos descobertos — Jem sussurrou como se fôssemos agentes secretos.

— Ah, olá Jem! — Cassie acenou. — Angie, desça logo aqui!

Suspirei.

— Ceeerto... — e desci.

Antes que eu pudesse protestar, ela me arrastou para longe.

—- Primeiro: — ela ergueu uma sobrancelha. — O que você estava fazendo lá em cima com Jem?

— Eu não estava fazendo nada.

Ela sorriu.

— Quer que eu acredite que você fugiu para o meio do mato com Jem Lightbody e não estava fazendo nada?

— Sim. Na verdade, é exatamente isso.

— Tá, que seja. Eu te chamei porque... Droga, cadê a Tori?!

— Quem?

— Ela deve estar na sala de aula. Sempre está na sala de aula. — dito isso, saiu andando e me puxou junto.

— Então ela é... estudiosa?

Cassie soltou uma risada alta.

— Nem um pouco.

Tori

Don't listen to a word I say

The screams all sound the same

Cause though the truth may vary...

— Little Talks, Of Monsters And Men

[Você vai mesmo me fazer contar essa parte, Angie? Droga, eu devia ter desconfiado que a sua gentileza não vem de graça].

— Eu fiz alguma coisa? — Gabriel ergueu uma sobrancelha depois da aula de Inglês. — Você parece chateada.

— Eu tenho uma vida, sabia? Minha chateação pode ter milhares de causas.

— Então, por que está sendo grossa? Ainda sou seu professor, não pode falar assim comigo!

— Eu seibemque você é meu professor, sr. Harris! — cerrei os dentes. — E você? Já caiu a ficha?

— Está bem, então! Quer ser profissional? Vamos ser profissionais! — ele jogou uma pilha de dever de casa na mesa. — Ou você começa a entregar seus trabalhos direito, ou alguém aqui vai ficar de recuperação.

— Tomara que seja o Jem — resmunguei.

— Certo, Victoria... Srta. Lightbody — ele corrigiu rapidamente. — Vou ter que fazer o que faço com todos os alunos. Um trabalho em grupo para levantar a nota. Aqui está o tema — me entregou um pedaço de papel. — Sei que vai querer fazer com a srta. Wittson, e tudo bem. Mas quero que incluam Angie Brooks no trabalho, ela está bem atrasada na matéria.

— É para quando?

— Amanhã.

Bufei.

— Você está de implicância comigo!

— Merda, Victoria, cresça — ele revirou os olhos. — Eu peço esse trabalho para todos os alunos com média baixa, e sempre peço para o dia seguinte. Você não queria ser tratada como os outros? Então, bem vinda ao mundo real.

Revirei os olhos, peguei o papel com o tema e bati a porta atrás de mim.

— Tudo bem aí? — Cassie ergueu uma sobrancelha.

— Fabuloso! — foi quando percebi que a novata também estava ali. — Angie, não é? Eu sou a Tori.

— Prazer.

— Vocês duas estão no meu grupo do trabalho de Inglês sobre... — fitei a folha. — Um Estudo em Vermelho.

— Eu já li esse livro — Angie comentou.

— Sério? — meu olhos brilharam e eu a abracei. — Minha salvadora!

— Afinal... Parecia uma conversa bem intensa lá dentro — Cassie comentou.

— Isso se dá ao fato de que o sr. Harris pediu esse trabalho para amanhã.

— Ele sempre pede o trabalho de recuperação para o dia seguinte.

— Você vai jogar isso na minha cara também?! Inferno! — bufei. — Certo, desculpe. Não é um bom dia. Enfim. Vocês estão livres hoje?

As duas assentiram.

— Certo. Minha casa?

— Só que não tem como eu dar carona para as duas — disse Cassie. — O teclado da Tori está no banco de trás.

— Ah, é... Eu posso pegar carona com o Jem — ofereci.

— Tudo bem. Angie, pode voltar para onde estava escondida, tenho certeza de que estava muito mais legal do que aqui.

A loura enrubesceu levemente.

— Hã... Vejo vocês depois.

E saiu andando.

— Do que está falando? — fitei Cassie, confusa.

Ela abriu um sorriso enigmático.

— Acredite em mim, você não quer saber.

O sinal tocou.

— Aula de Inglês com o sr. Gostosura — Cassie sorriu.

— Hm.

— Quantos anos será que ele tem?

— Vinte e dois — disparei. Logo depois completei, tentando soar descontraída: — Eu acho.

— Não é muita diferença.

— Pois é.


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