Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 8
Quadros


Notas iniciais do capítulo

Ainda não sei se capítulos longos são positivos ou negativos para o leitor.
De qualquer forma, me desculpem. Eu me empolgo bastante.



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"Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar."

Amy está muito quieta lendo um livro – um romance qualquer - sobre sua cama com as costas encostadas na cabeceira do beliche. Já Natalie está terminando um exercício de física que será visto na próxima aula e também está muito calada, concentrada. Eu estou deitada em minha cama, completamente estendida, devorando uma maça.

Hora olho para Amy tentando fazer ela me notar ou olho para Natalie na esperança que ela tenha terminado seu dever e possa conversar. Estou muito impaciente e tediosa. Lá fora há muitas coisas para fazer em mais um dia de sol. Mas penso muito na frase que Jesse deixou pairar pelo ar depois de sairmos da aula de geografia. Quero muito poder dizer isso a alguém.

— Hoje mais cedo conversei com Jesse. – digo, mesmo sem que ninguém tenha perguntado. — Ele me deixou muito intrigada. Fico me perguntado o porquê dele estar aqui nesse internato.

— Ué – Amy finalmente deixa seu livro de lado e me nota. Só porque falei do Jesse, é claro. Tudo que se relaciona a ele é do interesse dela. Já Natalie não move um músculo, concentrada. Como se tivesse se desconectado do mundo. — normal. Ele deve ter lá seus motivos.

— Isso eu sei. – abro um largo sorriso, depois de dar uma ultima mordida na minha maça.

— Então qual é o problema? – ela me encara. Desvio o olhar. — Ele é perfeito demais para ser um rejeitado como nós?

— É quase isso. – tento sorrir. Perfeito mesmo era Brandon. Mas como ele se foi, não existe ninguém como ele.

— Por exemplo você – ela se endireitou na cama. Mantendo a postura ereta. — nunca antes nos falou o porque de você está aqui. Esse parece o momento ideal para se abrir. O que acha, Hayley?

— O quê? – me sento, sobressaltada. — Quer que eu conte a vocês os motivos de estar aqui nesse internato? – Amy assente, tranquilamente. Indiferente a minha irritação. Acho que ela se acostumou. — Não! Não! Não quero falar sobre isso. É algo particular. Meu.

Não sei ao certo o quanto soei rude e grosseira. Também não me importo. Não gosto que ultrapassem os meus limites. Se bem que eu provoquei, tocando no assunto. Amy não tem culpa. Mas eu tenho. E para disfarçar minha culpa, saio do quarto.

Ouço alguém me chamar. A voz vem lá de trás. Do fundo. Um depois mais outro grito chamando meu nome. Estou brava demais comigo mesma para dar ouvidos. E continuo a andar como se não ouvisse.

— Tá nervosinha? – sinto-o me abraçar por trás. Impossível não sorrir ao sentir seus lábios roçarem meu pescoço. — Vem cá que eu dou um jeito nisso.

Viro-me de frente para ele. Sorrio entre nosso beijo. Tyler está com as mãos firmes em minhas costas e eu acaricio o curto cabelo de sua nuca.

— Parem já com isso vocês dois! – ouvimos alguém romper nosso momento. Paramos de nos beijar. Endireito a roupa amarrotada. — Nada disso pelos corredores. Se quiserem se pegar, façam isso escondido.

Rachel é minha inspetora favorita. Ela é sempre divertida com todos e mesmo quando tenta falar sério soa em tom de brincadeira. É o jeito dela e por isso todos gostam dela. Rachel tem um bom coração e quer sempre ajudar aos outros como puder.

Ela é baixinha, rechonchuda, os cabelos claros vivem presos e seus olhos são escuros. Ela tem cheirinho de algodão doce. Está na casa dos vinte e cinco anos. Não tenho certeza. Não tem família. É sozinha. E nós, alunos e escola, somos tudo pra ela.

— Oi Rachel. Como vai? – a abraço, logo depois de dar-lhe um beijo estalado na bochecha rosada e gorducha.

Lembrando que, eu não sou muito de afetado. Mas por algumas pessoas, as que eu realmente gosto, eu me supero.

Tyler me arrasta até o nosso cantinho, atrás do ginásio, fumamos e nos beijamos o tempo todo. Hoje ele está caloroso e tento resistir ao máximo ao seu charme selvagem. No final, me sinto bem melhor. Não estou mais irritada e estou pronta para uma próxima rodada.

— Hayley, que bom que te encontrei – Amy se aproxima com sua bandeja com o jantar. Ela cumprimenta o Tyler e seus amigos. Parece menos tímida agora. — Me desculpe por hoje mais cedo...

— Não. – interrompe-a. — Não se preocupe Amy. Eu já estou bem melhor agora. – troco um sorriso com Tyler. — Não precisa se preocupar. A culpa não foi sua. Eu sou o problema.

Todos acham engraçado.

— Janta conosco? Senta ai.

Percebo que, durante o jantar, Jake, o melhor amigo de Tyler, fica se engraçando por lado de Amy. Porque ela é nova entre nós. E ele, assim como muitos, prefere a novidade. Ela fica sem jeito a cada piadinha dele e percebo que ela cora quando ele fala algo. É bonitinho. Porém, sei que Jake não é tipo certo de garoto pra ela. Ele é legal, divertido, mas, não quer algo sério por muito tempo. Pelo menos é isso que ele transmite. Eu posso estar enganada, mas sei que ela só tem olhos para o Jesse. Assim como eu só tinha para Brandon, mesmo havendo milhões de opções a minha volta.

Mais tarde, aproveito o tempo sozinha, para contemplar as estrelas que parecem sorrir na imensidão do céu escuro daquela noite.

Fecho meus olhos deixando-me embalar. Suspiro profundamente.

Não sei se é possível, mas sinto o perfume amadeirado de Brandon por perto. Tenho vontade de abrir meus olhos e conferir se ele realmente está ali ou se estou ficando louca. Provavelmente eu esteja ficando ainda mais louca. Sei que ele não está ali e se eu abrir meus olhos tudo pode desaparecer em uma fração de segundos, assim como eu o perdi.

Eu daria tudo só pra ouvir o som da voz dele.

Me ponho a imaginar o que teria sido de nós, caso os dois, estivessem aqui trancafiados nesse internado. Se ele ainda fosse vivo. Se eu teria conhecido toda a galera, feito essas mesmas amizades e se teríamos sobrevivido a tudo isso.

Não há como duvidar. Se Brandon ainda estivesse vivo teríamos sobrevivido a muitas coisas. Desde que estivéssemos juntos. A morte foi à única coisa capaz de nos separar.

Sinto-me vazia. Imaginando mil e uma possibilidades caso ele ainda estivesse aqui. Ao menos segurando minha mão. Sinto uma vontade imensa de chorar com tais pensamentos. Porque sei que ele não está. E mesmo rodeada de amigos, colegas e todo o resto da galera do internato; sinto-me sozinha, falta um pedaço de mim. Brandon o levou com ele assim que morreu, deixando-me a beira mar.

Quando dou por mim estou chorando baixinho. E quando abro meus olhos e volto a encarar o céu escuro repleto de estrelas sentindo o vazio pairando pelo ar, percebo que uma das minhas mãos, solta ao lado do meu corpo, está fechada, como se eu estivesse segurando uma das mãos dele, como sempre fazíamos. Uma mão imaginária.

Você só pensa naquele garoto! Mas ele já morreu. Ele se foi.”

A voz de Oliver, meu irmão, ecoa em minha mente.

Prefiro limpar as lágrimas antes que alguém me veja chorando. O jardim do colégio, nem mesmo a noite, é um lugar totalmente seguro. Ao fundo, ouço alguém tocar uma... Gaita. Sim. O som é bastante familiar a uma gaita. Não tenho certeza. Não sou boa pra saber dessas coisas. Olho para os lados e não vejo nada. Está meio escuro. Então, não posso me certificar mesmo que seja uma gaita. Mas não importa. O alguém que a toca é muito talentoso. E assim como eu, parece estar triste. Ou é o que deduzi pela sua melodia. Talvez eu esteja enganada também.

— Você está bem? – ouço alguém sentando ao meu lado, no gramado, distante da movimentação.

— Não finja que se importa. – não ouso nem olha-lo de frente, às vezes sinto ódio do meu próprio irmão. Mas o amo acima de tudo.

— Só estou perguntando. – ele dá de ombros, soltando um riso. A brisa da noite movimenta seus cabelos curtos, negros como as trevas.

— Afinal, o que você quer aqui? – finalmente resolvo olhar pra ele. — Está aqui, todo preocupado com sua irmãzinha, só porque seus amigos não estão por perto? É isso?

— Não seja estupida! Ainda somos irmãos – ele revira seus olhos também muito negros. Sua pele pálida parece brilhar ao luar. Oliver é extremamente bonito. — Esqueceu-se?

— Eu não! Mas parece que você sim – passo os dedos finos e tortos entre os fios do meu cabelo azul. — você nunca agiu como se fosse meu irmão mais velho. O único irmão homem que eu tenho!

— Você não sabe o que diz – ele se levanta, com um cigarro penso entre seus lábios enquanto me encara. — mas um dia saberá.

Oliver se vai, tão rápido, quanto chegou.

Pra minha infelicidade, o alguém da gaita, também parou de tocar sua suave melodia melodramática. Agora só me resta o brilho das estrelas e o cantarolar dos grilos entre a vegetação.

Detesto a aula de química, a primeira aula do dia seguinte. Mal consegui dormir, pois tive outro pesadelo com Brandon. Por sorte, agora tendo Amy e Natalie para me acalmarem.

Sinto-me no fundo da sala, na fileira encostada na parede onde há janelas voltadas para o ginásio. Vejo garotos e garotas se divertindo lá fora em mais um dia de sol. Me sinto presa em uma jaula.

— Substâncias covalentes possuem pontos de fusão e ponto de ebulição variáveis; elas não conduzem corrente elétrica, exceto...

Olho para o lado depois de terem acetado um objeto não identificado em mim. É Amy. Ela sorri enquanto ajeita os óculos no rosto. Amy está tão bonita hoje de manhã com seus cabelos negros amarrados, deixando a vista seu pescoço magro e esguio.

— O que foi? – sussurro, curiosa.

— O bilhete. Olhe.

Me abaixo para pegar o pedaço de papel amassado que ela me acertou em cheio. Se fosse outra pessoa em outra ocasião eu teria virado uma fera. Mas é só Amy querendo conversar.

No bilhete ela diz: O J não está lindo hoje?

Confesso que não tinha reparado Jesse na mesma sala que nós, sentado da primeira carteira da primeira fileira do lado oposto da sala. Ele presta atenção na aula. Está centrado e ereto anotando algo em seu caderno. Fico imaginando quais serão seus pensamentos.

— Não sei se posso te afirmar isso – digo em alto e bom tom.

Amy não contém a risada.

A professora, a bruxa da Jenna, parou com sua explicação e fez com que todos na sala se voltassem para o fundo. Para nós. Jenna, uma senhorita baixinha, magra e chata, coloca as mãos na cintura e parece levemente irritada apesar de tentar manter a calma. O que acho um exagero da parte dela. Como sempre. Detesto-a. Química já não é legal e só piora quando não se tem uma professora que não sabe colaborar.

— O que as duas mocinhas estão conversando? – ela nos pergunta. Timidamente Amy abaixa a cabeça corando. — Deve ser algo muito importante para atrapalharem a minha aula.

Cerrando meus punhos, amasso o bilhetinho de Amy.

— Não querem compartilhar com toda a turma?

Jenna é desafiadora.

Não resisto. Não suporto que batam de frente comigo.

— Não. Não queremos. – olho-a friamente.

Todos na sala, como sempre, ficam chocados por eu ser tão respondona. Mesmo quando devo respeito aos mais velhos.

— Eu não gosto de você, Srta. Collins. Você é grosseira, indelicada, ignorante e descortês. E está induzindo uma de suas colegas, a Srta. Miciano, a seguir ao mau caminho. Eu deveria puni-las por isso.

— Não se preocupe professora. – já estou recolhendo meu material sobre a carteira. — Eu faço o favor de me retirar. Também nunca gostei de você mesmo e nem da sua aula.

Não dou tempo para que ela me diga mais nada, não sei se eu suportaria calada ouvi-la me insultar diante de todos. Saio da sala, deixando a todos boquiabertos e surpresos. E enquanto caminho livremente pelos corredores vazios das salas de aula, penso o quanto muito dos meus colegas de turma gostaria de ter a minha coragem.

Sente-me no pátio, razoavelmente movimentado pelos alunos mais vadios, entre eles o grupo de amigos do Tyler, esperando o tempo passar. Encolho minhas pernas junto ao peito e as abraço encostando minhas costas na parede fria. Estou com meus fones de ouvido no ultimo volume.

— Você é sempre tão ousada? – ele se senta perto de mim. Sorrindo mais do que eu costumo me lembrar.

— O que faz aqui? – tiro meus fones, olhando as horas. — Ainda está no horário de aula.

— Eu sei. É aula de física. Aquele professor não sabe explicar nada da maneira que eu possa entender. – ele ainda sorri. Bonito. — Decidi sair no meio da aula. Cansei. – Jesse balança os ombros.

— Por acaso, você não está seguindo meus passos está?

— Claro que não! – ele ri. — Não se sinta tão ilustre.

Também rio.

— Estou com fome. Vamos almoçar?

— Claro!

Jesse gosta de falar. Praticamente não tenho que fazer perguntas para que ele diga o que eu quero saber a seu respeito. A conversa entre nós flui naturalmente. Gosto disso. Gosto mais ainda de poder ouvir o som da voz dele. Já que o refeitório quase não há ninguém.

— Porque está me olhando assim? – ele pergunta timidamente, despertando-me dos meus devaneios.

Já terminamos de comer há um tempão. De repente, tudo parou e eu não conseguia mais nem ver ou ouvir ninguém. Estava olhando para Jesse deslumbrada com a cor de âmbar de seus olhos impecáveis. Foi como poder mergulhar dentro deles em uma imensidão infinita onde eu não saberia aonde chegar. Talvez ficasse ali perdida pra sempre.

— Desculpa. – balancei a cabeça de um lado pro outro, despertando-me. Onde é que eu estava com a cabeça? Agora o garoto vai me achar uma louca completa. — Desculpa... Mesmo.

— Tudo bem. – ele riu, sem jeito. — Estávamos conversando e de repente foi como se você tivesse apagado. Tá tudo bem mesmo?

— Está. – levantei-me atordoada, como se tivesse acabado de levantar de um tombo. — Desculpe. Eu preciso ir.

Corri. Corri não sei por quê. Como se precisasse fugir de mim mesma para um lugar que eu não sabia qual.

— Ei, calma ai. Para onde está indo com tanta pressa? – ele afaga meus cabelos. Estava correndo até bater de frente com o peito musculoso e bem definido de Tyler. Ele está molhado. Mas ainda bem que é ele.

— Não quero falar sobre isso. – forço um sorriso, dando-lhe um rápido beijinho. — Onde estava indo?

— No meu quarto. Ia trocar de roupa. – ele pega minha mão. — Estava jogando com a rapaziada. Quer me acompanhar?

Sei que não deveria, mas aceito mesmo assim.

— Ei, mocinhos – alguém grita de trás. Viramo-nos. — onde pensam que estão indo juntinhos para a ala masculina?

Abraço e cumprimento Rachel. Fico feliz que seja ela.

— Rachel, por favor, deixa eu ir? – imploro, fazendo beicinho. — Prometo que não vamos fazer nada demais. Lá é o único lugar que posso conversar com Tyler em particular.

— Vocês juram que não fazer nenhuma besteira? – não sei se Rachel é ingênua demais ou ela só se faz. Gosto mesmo assim. — Se eu for pega permitindo isso, posso ser demitida.

Agradeço enchendo o rosto dela de beijinhos. Tyler e prosseguimos o caminho até o quarto que ele divide com os amigos. Pra minha sorte, ou não, estamos sozinhos. Ele tranca a porta e sai em direção a uma muda de roupa limpa. Observo a minha volta. Não é a primeira vez que estou ali com ele, sozinhos. É um típico quarto de garotos: bagunçado, falta de organização, coisas fora de ordem, postes de bandas e mulheres sensuais pelas paredes, videogame e roupas e meias espalhadas pelo chão. Não que eu me importe. Até gosto.

Espero Tyler. Ele tira a camisa e troca por outra. Observo com atenção seu abdômen bem definido flexionado. Brandon não era tão forte, mas também tinha um corpo avantajado.

Depois que ele se veste, sorri com doçura, caminha até mim vagarosamente sorrindo. Estou esperando. Sei o que ele quer.

Ele me empresa na parede vazia do seu quarto. Entreolhamo-nos animados e logo depois vem o beijo. Um beijo daqueles de arrancar o folego. Não sei onde Tyler consegue tanto pique. Ele nunca se cansa e sempre está preparado para qualquer coisa.

Suas mãos deslizam por minhas costas por baixo da camiseta. Sua temperatura é quente e entre em combustão com a minha. Estamos em chamas e não há nada a fazer além de aproveitar aquele momento intimo.

Mas então... Alguém bate a porta.

— É claro que eu não iria ser boba ao ponto de deixar vocês aqui sozinhos sem a minha supervisão por muito tempo. – ela sorri brincalhona.

Rachel.

Alana está sempre rodeada de suas tantas amiguinhas. Talvez por proteção. Todas as amigas mais ou menos do tipinho dela. As mesmas roupas, a maquiagem o cabelo e todo o resto. Tudo muito exagero e enjoativo. Acho que ninguém gosta delas além delas mesmas.

Gosto de provoca-la, tira-la do sério, pois sei que ela gosta de fazer isso comigo também. Mas no meu caso, eu sou dez vezes pior. Acredito que ela seja a única pessoa em todo o internato que eu não aturo nem por dois minutos que já logo quero explodir a cara dela.

Não sei dizer exatamente o que mais me irrita nela. Se são seus cabelos loiros claríssimos, sua maquiagem exageradamente cor de rosa, suas roupas provocativas, as amigas Maria-vai-com-as-outras ou a voz fina e melosa de garota antipática.

Confesso que, muitas vezes, tenho que me segurar pra não voar em cima dela. Eu passaria por cima de todas suas amiguinhas se fosse preciso e lhe arrancaria os dentes.

No momento, observo de longe, inevitavelmente, Alana dando em cima, explicitamente, de um dos amigos do Jesse. O cara legal. Da voz bonita e vocalista da banda: Andrew. Ele é bonito, talentoso e cheio de estilo. Difícil não notar. E mesmo que eu não tenha nada a ver com isso diretamente, digamos que, ela não serve pra ele. Afinal, ela está dando mole pra um novo carinha a cada dia.

— Detesto aquela garota! – digo, assim que o vejo sentar ao meu lado no banco. Estava sozinha, até ele chegar.

É finalzinho de tarde, o sol vai se escondendo atrás do mar de montanhas no horizonte. Alguns poucos e fracos raios solares refletem no cabelo dourado de Jesse, deixando-os ainda mais claros, quase como palha e seus olhos nunca foram tão intensos.

Do ângulo que estou, ao lado dele, poderia tirar uma boa foto dele, assim de perfil, sei que ficaria perfeita. Seu rosto em destaque em constaste com a paisagem no fundo.

Tive uma ideia!

— Ela parece ser uma garota legal. – ele comentou, sabendo exatamente de quem eu estava falando.

— Você está enganado. Ela não é – sorrio amarelo, levantando-me em seguida. — Vem, tive uma ideia.

Ando rápido e pelo canto do olho vejo que Jesse tenta ao máximo acompanhar meus passos.

Como a noite não há aulas, a sala de artes está vazia, completamente silenciosa e por sorte não estava trancada, o que já era de se esperar. Entramos juntos e tranco a porta para não sermos visto e interpretados mal.

— O que viemos fazer aqui? – Jesse pergunta olhando para todos os lados, muito surpreso. Até parece que é a primeira vez dele ali.

As paredes são recobertas por quadros. Obras de todos os tipos e pra todos os gostos. A proposito há uma arte minha junto à parede. Algo bem abstrato que pintei em um dos meus dias ruins. Mas que a professora adorou e pendurou ali junto com todos os outros.

Os cavaletes estão enfileirados com suas telas. Há pinceis variados e todos os tipos de tinta e cores no estojo ao lado de cada um. E todo o resto de material necessário para pintar.

— Você já me mostrou e já me disse o que gosta de fazer. – eu me refiro à música. — Agora é minha vez de mostrar um pouquinho de mim. – me aproximo de uma das telas e pego um pincel. — Mas não se acostume, pois geralmente não tenho o hábito de falar de mim. Mas com você me parece justo – soltei um riso, ele sorriu.

Mergulho meu pincel na tinta vermelha e começo a desenhar livremente na tela branca. Sem direção, sem rumo. Apenas deixo fluir. E o que tiver que sair, será.

Jesse não saiu do lugar onde está desde que entrou ali.

— Pintar me liberta. É uma das poucas coisas que eu aprendi a gostar quando eu mais precisei. – continuo pintar, sem olhar pra ele. — Quando eu pinto, posso enxergar o mundo a minha volta de outra maneira e não necessariamente como ele é. É como colocar pra fora coisas reprimidas, que fica aqui, entalada no meu coração. Sinto-me livre como um pássaro, capaz de qualquer coisa. Digamos que... Posso ser eu mesma sem precisar ouvir julgamento. Apenas me expressando.

— Engraçado – ele se aproxima finalmente, olhando para o chão e com um sorriso bobo. Continuo pintando. Agora mudo de vermelho para azul-escuro. Desenho linhas livres e soltas. — faço de mim suas palavras quando se trata de música.

Ficamos em silêncio. Continuo pintando, mas agora com o amarelo e logo depois troco para o verde. E Jesse ainda está atrás de mim, calado apenas observando meus movimentos. Sinto sua respiração bem próxima ao meu pescoço. A essa altura, o céu escuro já ganhou vida.

Ouço a típica movimentação constante, de outros alunos em horário livre, vagando pelos corredores com seus respectivos grupos de amigos.

— Vamos! Vai ficar ai parado apenas observando? – mergulho um dos meus pinceis sujo na água para limpa-lo, depois enxugo. — Pinte também. Qualquer coisa. Não tenha medo. É bom!

Ele ri.

— Não sei se sou bom nisso. – me contenho em dizer que duvido, apenas o incentivo com um olhar.

Jesse vai até o cavalete ao meu lado, encara a tela branca e vazia, e depois o jogo de pinceis de tamanhas e formatos diferentes.

— Pense em algo, ou não pense em nada, apenas deixe fluir. Suas mãos saberão exatamente o que fazer. Elas farão todo o trabalho sozinhas.

Ele se empolga, e escolhe o azul claro, cor do céu.

No final, assim que termino minha arte, observo-a por um tempo. Sentindo-me aliviada por ter me expressado. Como se tivesse conseguido descarregar tudo que estava preso na minha garganta. Olho para o lado e vejo que Jesse também finalizou a dele. Ele retira a tela do cavalete para me mostrar. Ele pintou o céu e as nuvens. E pra quem disse que não era bom nisso, até que se saiu muito bem. Talvez melhor que eu.

— O que é exatamente a sua pintura? – ele confere mais de perto, voltando a olhar pra mim logo depois. Evito o contato dos seus olhos.

Analiso minha tela pela ultima vez antes de falar.

— Bom, parece tuneis coloridos. Tuneis entrelaçados. Que significa que há diversos caminhos a se percorrer, mas que todos eles, chegam a um só quer lugar: o lugar onde que você quer estar.

Acho que foi a coisa mais bonita que eu já disse em toda a vida.

Normalmente eu não teria tido criatividade suficiente para dizer algo assim tão expressivo. Mas olhando para a tela e olhando para dentro dos olhos cor de âmbar de Jesse, algo me impulsionou a dizer, como se fosse outra pessoa usando minha boca para falar. Foi um impulso, algo de momento. Não foi como se eu tivesse tido aquilo.

— Quero que fique com o meu quadro. - Retiro-o e entrego a ele. — E eu, posso ficar com o seu?

— Claro! – ele estende o seu. E eu o pego com cuidado. — Pra mim, olhar para o céu é como olhar dentro dos olhos de quem se ama. Parece surreal, mas é como poder enxergar o céu dentro dos olhos da outra pessoa e isso mostra o quão o amor é forte ao ponto de nos fazer enxergar muito além do que realmente podemos ver.

Pendurei o quadro de Jesse entre meus postes na parede no meu quarto. Fiquei por muito tempo olhando aquele quadro e imaginando mil e uma coisas. Inclusive sobre o que ele disse assim que me deu.

Não sei exatamente, porque que é que quando olho para o quadro, sinto que ele é verdadeiramente significativo. Afinal, eu mal conheço o garoto e já gosto tudo nele.

— De quem é isso? – Amy pergunta ao entrar para dormir. — Quem te deu esse quadro lindo? – ela passou os dedos.

— Não importa. – resmunguei, tentando fugir do desconforto. Puxei o cobertor até a cabeça e me cobri.


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Notas finais do capítulo

Comentários só aumentam ainda mais a minha inspiração ♥



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