Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 52
Culpados


Notas iniciais do capítulo

O ano letivo nos Estados Unidos é muito diferente do Brasil. Varia muito de estado pra estado. E como eu nunca fui pra lá e não tenho conhecimento, andei fazendo algumas pesquisas pra poder escrever. Lá as aulas iniciam em setembro/agosto, as férias são em julho/agosto e as aulas terminam em junho/julho. Essas são algumas informações básicas - pra quem não sabia como eu - pra ficar claro o que vai acontecer a partir de agora na vida da Hayley e dos outros personagens.



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"Coisas negadas, coisas não ditas, coisas escondidas e disfarçadas."

No dia seguinte, durante toda a aula, passei o tempo todo pensando no que será que tinha acontecido entre o Jesse, a Alexa e a família dela e nem prestei a atenção em mais nada. Ele não apareceu na aula, em nenhuma delas. Os meninos da banda também não souberam dizer nada, ou prefiram não dizer o que é muito compreensível. Eles são todos amigos.

Almocei com o Tyler e tive muita paciência para ouvi-lo tagarelar no meu ouvido sobre coisas muito banais sem que eu fosse grosseira com ele e o mandasse se calar. Ele jamais poderia entender. Ninguém entenderia tamanha minha preocupação com o Jesse.

Onde, afinal, ele havia se metido pela amanhã?

— Jesse! – gritei por ele quando o vi no corredor. Passei depressa entre todo o pessoal, até mesmo ignorando as risadinhas da Alana e suas amiguinhas. — Jesse! O que aconteceu?

— Ela terminou comigo. – ele balançava a cabeça negativamente, parecia inconformado. — Disse que eu era muito pra ela, que eu não merecia passar por isso também, que eu não deveria ter motivos para se preocupar tanto, que sou jovem e tenho uma vida inteira pela frente e muitas garotas boas para conhecer que não fossem como ela toda “problemática", disse que eu fiz muito por ela mas que eu não merecia conviver com isso... Disse muitas outras coisas.

Engoli em seco. Talvez a Alexa disse mesmo razão. E eu concordo com ela. O Jesse não parecia passar por isso. Nem com ela e nem comigo que sou tão “problemática” quanto ela. Ele é ótimo! O melhor. Não tem porque ficar se preocupando atoa com garotas como nós.

O problema é que jamais conseguiria desistir dele. Não assim tão facilmente. Eu o amo. Amo mesmo não sendo boa o suficiente para ele.

— E tá tudo bem com você? – tentei desviar o assunto.

— É, acho que sim. Poderia estar melhor.

Acho que no fundo ele já esperava por isso. Nem parecia tão decepcionado, ou aborrecido, ou chateado, muito magoado. Naquele estado depressivo que a gente se encontra quando termina com alguém que muito amava. O que ele sente por ela é realmente preocupação. Algo natural que a gente pode sentir por um amigo por exemplo. Ou eu estava mesmo fantasiando pro meu lado.

— E ela, vai continuar estudando aqui?

— Sim por enquanto, até descobrirem quem são os culpados de terem vendido drogas pra ela. Já que ela, no caso a vítima, não está disposta a dedurar ninguém.

Fiz como quem entendia. Mas não entendia. Pois agora, mais do que nunca, acho a Alexa uma verdadeira idiota. Não seria bem mais fácil pra ela se tratar se falasse logo quem vendia essas coisas pra ela?

Eu jamais entendia essa garota.

— Quer minha companhia?

— Não, na verdade não. Obrigado. – ele me deu um forte abraço. Agradeci por ter conseguindo sentir o cheirinho dele. — Viu ficar um pouco sozinho. Preciso pensar no que eu posso fazer pra... Ajudar.

Eu dei o tempo que ele precisava.

Dois dias depois do nosso último encontro, na aula de educação física, me senti à vontade o suficiente para entrar em um time sem que o professor tivesse que me forçar a isso. Joguei voleibol com as meninas no lado oposto da quadra. E mesmo fazendo parte do time da Alana e suas amigas e com todos nossos atritos acabamos vencendo.

Muito cansada e suando fui direto para o vestiário. Tomei um banho gelado e tirei aquelas roupas ridículas da aula. No almoço me encontrei com a minha turma: Oliver, Amy, Natalie e Eric.

— Parem com isso agora mesmo! – tentei relevar o fato deles estarem apaixonados. Mas não dava pra comer enquanto os dois casais ficavam se beijando bem na minha frente. — Eca.

Todos riram de mim.

— Porque você não chama o seu namorado pra almoçar conosco? Assim, vocês dois também podem namorar, se beijar, trocar carinhos...

Para a Natalie tudo parecia tão simples.

— De jeito nenhum! – foi só tocar no assunto que o Oliver desgrudou da Amy para me fuzilar com os olhos. Respirei fundo e tentei manter a calma. — Não quero aquele babaca se misturando com a gente. Já basta ter que aturar esse namoro de mentira de vocês.

— Namoro de mentira? – franzi o cenho completamente assustada. Do que meu irmão estava falando? Apesar de ter mudado bastante, ele ainda é um garoto enigmático, muito cheio de mistérios.

— Hayley, irmã querida, você pode enganar a todos não a mim. – ele sorriu, dando um último beijinho na Amy. Levantou-se com sua bandeja vazia em mãos e saiu, distanciando-se de nós.

— Mas que merda esse garoto tá querendo dizer? – não foi uma pergunta direta. Também já tinha terminado de comer e com a minha bandeja fui atrás do Oliver que ainda estava no refeitório. — O que você quis dizer com aquilo? Meu namoro com o Tyler não é de mentira!

— Claro que é. Não precisa fazer ceninha pra mim. – ele estava sendo estupidamente sarcástico. — Não é dele que você gosta. E quando duas pessoas estão juntas é necessário que haja uma envolvimento das duas partes. O que não é o caso de vocês. Já que só o Tyler ama você.

Suas palavras foram como uma tapa na minha cara.

— Diga o que quiser. – dei de ombros, depositando minha bandeja sobre as outras na bancada. — Sua opinião pouco importa. Mas tem outra coisa que você disse que eu gostaria de entender.

Ele parou pra poder me olhar. Engoli em seco meio apreensiva.

— Pergunte.

— Quando você a Amy discutiram feio na frente de todos, você disse que só tinha se aproximado dela, no início, porque ela era a mais próxima de mim. O que sempre foi verdade. Mas você disse também que eu estava precisando da sua ajuda. Eu não entendi. Em qual sentido?

Oliver soltou um risinho desviando o olhar, mas quando voltou a olhar pra mim estava completamente sério outra vez.

— Pensa comigo, Hayley. Quem você acha que escreveu aquele bilhetinho falso pra você na festa de Halloween fazendo se passar pelo Tyler quando na verdade era pra você encontrar o Jesse por “acaso” atrás do ginásio? – ele me deu alguns segundos para pensar a respeito. — Ou, quando saímos de férias de inferno, lá em casa, quando a Amy ainda gostava do Jesse. Porque você acha que eu fazia de tudo para deixar vocês mais à vontade tirando ela todo o tempo de perto? Naquela época, eu não gostava tanto dela ainda. Eu fiz tudo isso e muito mais por você. Você precisava da minha ajuda o tempo todo só não sabia como pedir. E eu também nem era um bom irmão, mas mesmo assim me preocupava com você. Eu nunca gostei do Tyler e nunca vou gostar. Os motivos? Você vai saber em poucos dias. Eu só queria que você ficasse o mais longe possível daquele garoto. O Jesse sim é o garoto certo pra você. E me desculpe se parece egoísta da minha parte ter me metido na sua história. Eu não me arrependo disso e faria de novo. Mas eu não poderia simplesmente ficar parado de braços cruzados vendo a minha irmã preferida se envolver com o cara errado quando na verdade o certo estava bem ali todo o tempo.

Sem dizer mais nada ele se foi. Eu estava tão paralisada com todas aquelas informações que mal consegui sair do lugar. Então, o meu próprio irmão esteve todo o tempo por trás disso? Mesmo quando ainda não era o irmão perfeito ele tentava me ajudar em segredo. E se ele não tivesse me dito todas essas coisas agora, eu nunca teria percebido e nem imaginado que o tempo todo ele só queria o meu melhor.

Mas algumas coisas ainda me deixam intrigada. O que o Tyler tem de tão ruim que o Oliver não o suporta? Como assim eu vou saber os verdadeiros motivos de tanto ódio em poucos dias? E como o Oliver sabia ou sabe que o Jesse é o garoto certo pra mim e não qualquer outro?

Meu irmão é muito mais misterioso do que eu imaginava. E eu não poderia odiá-lo por ser tão intrometido. Mas deveria ama-lo ainda mais por ter ajudado em muitos momentos. Talvez muitas coisas teriam sido diferentes – pra pior - se ele não tivesse dado uma forcinha por trás.

— Tudo bem ai? – a voz do Jesse me despertou do meu “transe”. Tentei sorrir ao máximo pra ele. — Quer dá uma volta comigo?

Precisei contar a ele tudo que meu irmão havia relevado. O Jesse ficou tão assustado quanto eu. Quase como se não pudesse acreditar que o Oliver estava ao nosso favor, mexendo os pauzinhos por nós.

— Fico feliz em ter um aliado. – ele disse sorrindo, quebrando qualquer tensão que até pouco tempo estava entre nós.

— E porque não teria? – sorri de volta. Pousando a minha mão sobre a dele. Estamos no jardim entre as arvores. O sol ainda brilha no alto. — Você é maravilhoso em tudo!

A ideia do Jesse está solteiro, mesmo que ainda não muito bem com o caso da Alexa, era tentadora. Confesso que tive muita vontade de jogar tudo pro alto, deixar tudo pra trás e sair correndo em direção a ele para que finalmente pudéssemos viver nosso romance.

Mas o nosso romance já tinha começado desde o momento em que nos conhecemos. E cada página vem sendo escrita dia após dia. Afinal, nem todo romance vive só de amor. Há também os desencontros, as dificuldades, as intrigas, os problemas que só fortalecem o nosso amo. E me deixa com a certeza de que estamos preparados pra qualquer coisa desde que estejamos sempre juntos.

— Hayley, acorda. – a Amy me sacodia como toda sua força naquela manhã de sábado. Um dos únicos dias da semana que eu tinha pra dormir até tarde sem qualquer restrição.

— O que foi Amy? – tentei me sentar sobre a minha cama. Olhei pela janela o dia estava começando a clarear. — Só espero que você tenha um bom motivo para me acordar as – olhei no relógio. — oito e meia da manhã!

— Você não vai acreditar. – ela sentou-se comigo, tocando meu braço com uma expressão desolada. — O Tyler e o Jake foram expulsos!

— O quê? – praticamente soltei um grito de espanto.

— Isso mesmo que você escutou. – a Amy parecia muito calma. Acho que pra não me assustar ainda mais. — Eram eles, Hayley. Os culpados por essa confusão. Era o Tyler quem fornecia a droga para a Alexa. E o Jake quem a seduziu. E pra piorar...

— E dá pra ficar pior?

— Só me escuta. – ela segurou minhas mãos. — O Jake... não só seduzia a Alexa a comprar a droga só com palavras... Eles ficavam! – ela viu minha expressão de incredulidade. — Isso mesmo. Eles tinham um caso!

Eu sabia! Eu deveria ter suspeito desde que os flagrei duas vezes muito próximos um do outro. Logo quando a Alexa começou a ficar muito estranha. Eu não pensei que chegariam a tanto! E pra pior, eles tinham um caso, envolvendo pegação e drogas, enquanto ela namorava o Jesse.

Ainda com o pijama no corpo – que chega a ser um tanto indecente – saí do quarto correndo sem lavar o rosto amassado. Pensei seriamente em qual caminho percorrer. O do Jesse ou do Tyler. O Jesse certamente precisaria de mim se ele já soubesse de toda aquela história. Que a Alexa não é tão inocente assim. E o Tyler foi expulso, mesmo depois de mentir pra mim, eu me importava! Ele se foi, e não pudemos nos despedir.

— Pelo visto, você já está sabendo. – virei-me para trás. E lá estava o Jesse se aproximando. Naquele momento eu já tinha escolhido um caminho: queria ter mais detalhes da expulsão do Tyler com a direção.

O Jesse me olhou de cima a baixo. Foi então que me lembrei do meu pijama curto, do meu rosto amassado, meu cabelo desalinhado e provavelmente meu bafo horroroso. Aquele não era um bom momento para ele me ver naquele estado. Fiquei complemente envergonhada.

— E como você está? Em relação a tudo isso.

— Por incrível que pareça... Eu já esperava.

Não ousei a perguntar nem como e nem porquê.

— Srta. Collins, queria falar comigo? – viro-me para trás depressa dando de cara com a Sra. Beaufort. A diretora zangada. — E você Sr. Henckel, o que faz aqui? Pensei que nós já tivéssemos conversado...

— Desculpe, a senhora tem razão. – o Jesse não pareceu intimidado com o mau-humor da velha. — Eu já vou indo. Nos falamos depois, Hayley.

Entrei na sala da senhora diretora e me sentei enfrente a sua mesa enquanto ela ocupada seu posto. Ela não fez nenhum comentário quanto ao meu pijama, por isso, tive coragem o suficiente para fazer todas as perguntas que eu tinha em mente, e ela as respondeu calmamente.

— Então, não vou poder falar com ele outra vez? – ele, o Tyler. — Nem mesmo para me despedir?

— Não dentro dessa instituição. Fora e longe daqui vocês fazem da vida de vocês o que bem entenderam.

O que seria de nós? Digo, eu e o Tyler. E o nosso relacionamento? Como ficaria o nosso namoro? Eu queria ao menos poder falar com ele por algumas horas. Mesmo que no caso parece imperdoável por ele ter mentido pra mim. Mentido pra todos nós! Eu queria ouvi-lo se explicar, se justificar, contar o seu lado da história. Ao meu ver, o Tyler nem foi tão errado assim. O Jake foi o principal culpado. Seduziu a garota, provavelmente a induziu a se drogar para ficarem juntos as escondidas...

— Mas e a Alexa, não vão expulsa-la também?

— Isso não é do seu interesse, Srta. Collins. – ela levantou-se, apontado para a saída com seu olhar. — Agora vá. Troque essa roupa. Não quero ver você circulando por aí com trajes indecentes.

Então quer dizer que a Alexa – no ponto de vista da maioria – era a coitadinha, a enganada, a prejudicava, a inocente. Se eu esbarrasse com essa garota pelo corredor, juro, que não responderia por mim.

— Porque você não tenta ligar pra ele? – Amy sugeriu.

— Já tentei de tudo! – zanzava impaciente de um lado pro outro dentro do quarto. — Não atende nem o celular, nem o telefone de casa.

Precisei desistir. O Tyler, depois de tudo, estava incomunicável. E eu só queria saber o que seria dele agora. De nós. Mas principalmente como ele estava se sentido. Se ao menos sentia-se arrependido por ter feito parte daquilo.

O mês de maio passou em um piscar de olhos. Estávamos na reta final do último ano letivo. Já que as aulas acabam definitivamente em junho, e depois disso, adeus colégio. Fica só quem quer fazer algum curso preparatório superior para entrar na faculdade no final do ano.

No meu caso, já conversei com meus pais. Quero passar o meu um mês de férias de verão em casa. Por isso, me dediquei ao máximo nas provas finais, entreguei todos os trabalhos e tentei ser ao máximo uma boa aula de bom comportamento dentro da sala de aula. Não queria ficar estudando nas férias. Ainda assim, tive que prometer a minha mãe que me estudaria em casa, mesmo nas férias e mesmo contra a minha vontade, para conseguir uma vaga em uma boa universidade.

Eu não pensava em fazer faculdade, mas as coisas mudaram.

Na primeira semana de junho tivemos as últimas provas. Eu mal falei com o Jesse desde a última vez. Nos encontramos algumas vezes na aula, pelos corredores, ou até no refeitório. Mas não parávamos para conversar por muito tempo, já que ambos estavam com o tempo muito corrido.

O internato inteiro, todos os alunos do ultimo ano, estavam em clima de despedida já que em dentro de alguns meses cada um seguiria um rumo diferente de suas vidas. Eu particularmente não estava tão triste por finalmente me ver livre daquele lugar, que algumas vezes mais parecia uma cadeia do que uma instituição. Mas também não poderia me esquecer que foi ali que encontrei meus amigos e conheci o Jesse. Foi ali onde tive momentos maravilhosos e também os difíceis que me fizeram crescer e evoluir, hoje tornando o que eu sou.

Vou sair daqui uma pessoa completamente diferente de quando eu entrei.

Quando eu tinha um tempo disponível ficava horas e horas falando dos planos para o meu futuro com a professora de artes, Elisa. Eu confiava nela, gostava dela e me sentia confortável perto dela pra falar sobre isso. Já que pra mim ela é a melhor professora do internato e dava a matéria pela qual eu mais me interessava.

— Hayley, você é uma das minhas melhores aluna! Vou sentir muito a sua falta querida. – ela me abraçou. Tive que retribuir. — Oh, desculpe. Acho que você não gosta muito desses carinhos íntimos...

— Não tem problema, professora.

— Sabe no que andei pensando? – não foi uma pergunta direta. Nem precisei responder. Claro que eu não sabia. Elisa voltou a se sentar atrás de sua mesa mudando completamente de assunto. — Na sua carta de recomendação. Já sabe o que quer fazer na universidade?

— Sim. Eu já tomei a minha decisão. – sentei na única cadeira de frente pra mesa dela. — Vou fazer Artes Plásticas.

Estava louca pra poder conversar sobre esse assunto com ela. Tomei essa decisão noite passada. Não foi tão difícil. Foi exatamente o que ela fez quando mais jovem. Queria poder ouvir suas experiências, as dificuldades que encontrou ao longo do caminho, saber de algumas curiosidade, da identificação com o curso e fazer muitas perguntas. Sentia algo muito forte dentro de mim dizendo que estava seguindo o caminho certo.

Queria muito poder confiar nisso. Confiar em mim e na minha intuição.


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Notas finais do capítulo

Comentem! E até a próxima.



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