Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Sejam todos bem-vindos! ♥
Eu costumo tentar fazer com que as minhas histórias se diferenciem muito uma das outras. Com essa não vai ser diferente. Digamos que ela seja mais "americanizada". Será também um tanto dramática, pelo menos nos primeiros capítulos sim. Narrada todo o tempo pela Hayley, personagem principal. Espero que gostem e não se decepcionem comigo. Desde já peço desculpas caso encontrem erros gramaticais.



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                                                 Maio de 2009

As minhas forças se esgotaram.

Eu não tinha condições de levantar da cama aquela manhã desde que soube da terrível noticia. Da noite para o dia meu mundo inteiro se desmoronou em pequenos fragmentos que nunca seriam capazes de se recompor. Nem por mim mesma e nem por mais ninguém. Minha vida nunca fora tão boa desde que o conheci. Fiz dele minha base, meu mundo, meu chão e meu céu. Nada mais importava se eu o tivesse ao meu lado. Já era de se esperar que um dia tivéssemos um fim. Afinal, nada nunca durou por muito tempo na minha vida, em minhas mãos. Estava bom demais para ser verdade. Eu nunca mereci ser feliz. A vida, os céus, o destino, ou seja, lá quem estivesse no comando dessa grande merda. Todos estão contra mim como tem que ser, como sempre foi. Eu já deveria ter me acostumado.

Conheci Brandon em um dos períodos mais difíceis da minha vida.

Eu nunca o mereci. Disso eu sempre soube. Todos estavam sempre deixando muito explicito o quanto eu não o merecia. E eles todos tinham razão. Mas de alguma forma nós ultrapassamos essas barreiras, os bochichos, as más línguas e os comentários. De uma maneira que eu nunca soube explicar: ele olhou pra mim, conseguiu me enxergar, chegou ao fundo no meu coração onde nunca nenhum outro foi capaz de alcançar e passou a me amar da maneira mais bonita que alguém pode amar outra pessoa.

Brandon e eu estávamos sempre juntos. Pra cima e pra baixo, não importava. Fazíamos de tudo um pouco, inclusive nada. Nunca fomos perfeitos e nem o casal mais bonito e invejado. Mas o amor que eu tinha por ele era do tipo que normalmente não se encontra em qualquer lugar. Um amor genuíno, incondicional, infinito, puro e eterno. O amor que eu não acreditava existir até conhecê-lo. Sim, volto a repetir: conhecer Brandon foi a melhor coisa que me aconteceu em toda minha drástica vida. Ele mudou toda a minha concepção do mundo. Fez-me acreditar que o amor existe, a fé e a esperança de dias melhores. Brandon coloriu meu mundo preto e branco e fez de mim alguém melhor.

Estava cansada de ouvir dizer que eu já não tinha mais jeito, salvação ou concerto. Diziam que eu nunca mudaria, por nada ou por ninguém. Meu irmão chegou a dizer que eu não passo de um ato mal pensado e que eu fui um bebê indesejado. O que ele quis dizer foi que eu nunca deveria ter existido, pois não teria feito à mínima diferença. Assim como ele, é claro. Pois somos muito parecidos. O que ele me disse não me afetou, pois sei que meu irmão fala muitas bobagens dá boca pra fora. Ele não é completamente mau.

Para muitos, suas palavras foram cruéis, duras e frias. Mas para mim não passam de certezas e afirmação. Ele teve e tem toda razão. Seria bem melhor se eu nunca tivesse nascido. Eu nunca fui uma boa pessoa.

Acredite: eu já passei por situações piores. Já fui até ameaçada de morte por meu próprio irmão. Não que ele quisesse meu fim, o que ele realmente queria era o bem estar dos meus pais, que já estavam cansados demais para atura-lo e comigo em jogo só ficaria ainda pior. Eu tive raiva dele, apesar dele ter toda razão em querer me descartar. Mas no fundo, mesmo não confessando a ninguém, eu o perdoava e o compreendia. Mas eu nunca, nunca mesmo, pensei em acabar com a minha própria vida. Pois pior que eu fosse, meus pais não mereciam sofrer ainda mais com a minha morte. Porque sei, que mesmo que eles não tenham orgulho de mim, eles me amam, mesmo que não digam, afinal, eu sou a filha deles. E imagino que não seja fácil pra ninguém perder um filho. Mas acima de tudo, eu me importo, porque dentro de mim ainda bate um coração.

E só agora, eu compreendo que realmente, não é fácil, perder alguém que amamos. Não é fácil aceitar que nunca mais veremos esse alguém, nunca mais ouviremos sua voz, escutaremos o som da sua risada e que nunca mais poderemos toca-lo ou senti-lo. Pois a vida o levou. Para um plano melhor talvez. Eu não sei. Não sou de pensar muito nessas coisas. Mas de uma coisa eu sei: alguém como Brandon merece um lugar ao céu, ao lado das pessoas boas que fazem o bem. O tipo de pensamento que me reconforta. Mas que eu sei que é um lugar onde eu nunca estarei, porque não sou uma pessoa boa e nunca serei. Ainda mais agora que o perdi.

Sim, Brandon morreu. Ele morreu na noite passada e só agora eu tive noticias dele. Sua mãe, que nunca foi com a minha cara, me ligou hoje cedo, muito antes do sol nascer. Ela chorava muito e pela primeira vez que disse coisas bonitas que fizessem o mínimo de sentido. Compartilhamos a mesma dor e pela primeira vez nos demos bem.

A mãe de Brandon tinha motivos reais para não gostar de mim. Eu roubei o filho dela. Brandon só tinha olhos para mim, assim como eu para ele. Não queríamos ficar longe um do outro e não ficávamos, mesmo que todos estivessem contra. Fazíamos juntos o que tínhamos vontade. E além do mais, Brandon sempre foi uma pessoa boa, que merece o céu, o paraíso; e eu, nunca cheguei aos pés dele. E sempre soube que sua mãe temia que ele vivesse colado em mim para sempre. É o que tínhamos em mente: o para sempre. Mas não durou mais do que oito meses. E ele se foi, o que me faz acreditar que sua mãe por mais triste que estivesse por perder seu único filho, acredite que ele ter morrido foi o melhor para nós dois. Já que sempre fomos imbatíveis.

Pelo que ela disse, Brandon morreu acidentalmente em uma batida contra uma carreta de combustível em umas principais interestaduais. Ele morreu no mesmo instante dentro do veiculo que pegou fogo. E uma hora e meia depois os socorros chegaram, mas já era tarde demais. Estavam todos os quatro mortes. Ele e mais três amigos.

Brandon passava boa parte do tempo comigo. Se não o dia inteiro, quase inteiro. E quando não estávamos juntos ele preferia aos muitos amigos que abandonou por mim. Enquanto ele estava com os amigos, eu estava fazendo minhas coisas de sempre. Coisas erradas. Naquela noite que ele disse que iria sair para se divertir, eu pressenti no mesmo instante que algo ruim iria acontecer. Não sei de que forma, mas acho que consegui enxergar toda a tragédia no brilho dos olhos cor de âmbar-amarelo dele.

Seus olhos eram tão apaixonantes quanto ele por inteiro. Cor de olhos raros que lembravam a coloração da cor dos olhos de lobos selvagens. Olhos que ele herdou do avô e que todos morriam de inveja assim como eu. Olhos perfeitos. Olhos que eu nunca esquecei nem por um momento. 

Eu nunca acreditei em pressentimentos. Mas naquela noite eu pressenti que algo de ruim iria acontecer. Foi como um sinal que caiu dos céus. Meu corpo estremeceu e meus olhos se encherem de água. Antes dele ir, eu o abracei e o beijei. Mal sabíamos que seria nosso “adeus”.  E pela primeira vez, em toda a minha vida, tremendo de medo, enquanto fumava um cigarro antes de dormir, eu rezei pela vida dele. Mesmo que não soubesse como rezar. Rezei e chorei baixinho. Pedi a Deus que me escutasse uma única vez e que não levasse Brandon de mim, pois ele era tudo o que eu tinha e sem ele eu seria uma pessoa ainda pior.

Acredito que Deus achou que eu o desafiava. E por causa disso Ele levou Brandon de mim. Para que eu aprendesse a me virar sozinha. Acredito que Deus queria que eu mudasse por si só e que não dependesse de ninguém para isso, Deus queria que eu tomasse vergonha na cara e desse o mínimo de orgulho para os meus pais e deixasse de mexer com coisa errada.  E que se não fosse por meus pais, que fosse para Brandon, um anjo nos céus.

Lembrando: eu não tenho problemas com Deus.

Todos os dias eu acordo com a vontade de sentir menos. Mas não adianta. Tudo me atinge, tudo me abala, arrebata, maltrata, afeta de uma forma absurda e intensa. Acho que nasci pra ser intensa e dramática. Por mais que eu tente transparecer o contrário.

Brandon viu em mim o que ninguém mais conseguia ver. E o melhor de tudo é que ele sempre soube quem eu era. E mesmo assim preferiu a mim, por algum motivo, por alguma razão que eu nunca soube qual e ele nunca soube dizer. Brandon me aceitou do jeito que eu era e nunca pediu para eu mudar ou acrescentar nada em mim ou tirar. Acho que foi por essa razão maior que eu o amei como nunca amei nenhum outro. Digamos que ele fosse o lado bom de mim.

Mas mesmo ele me aceitando com todos os meus terríveis defeitos e vícios, eu me sacrifiquei pelo nosso amor. Eu parei de fazer muitas coisas das quais eu não me orgulhava. Tudo por ele. E faria muito mais. Deixei de lado um montão de coisas que eu sempre fiz e gostei. Ele nunca me pediu, mesmo assim eu fiz. Porque queria o nosso bem. Sabia que ele se orgulhava de mim e que algum dia, talvez, eu pudesse ser uma pessoa no mínimo melhor. Pois Brandon fazia com que eu me sentisse capaz de qualquer coisa, tanto por mim, quanto por ele, quanto por nós.

Custei muito para pegar no sono aquela noite. Tive um terrível pesadelo e acordei pela madrugada suando frio. Pensei em ligar para Brandon e ver se estava tudo bem com ele. Talvez assim eu pudesse dormir tranquila na garantia que ele estaria bem e eu o veria no dia seguinte como havíamos combinado. Mas eu não liguei. Porque queria que ele se divertisse com os amigos, por mais ciúmes que eu tivesse. Não queria ser um pé no saco, sabia que ele tinha que ser livre, assim como eu era.

Peguei no sono. Um sono leve e perturbado. Acordei com meu telefone celular tocando na cabeceira da cama. Atendi-o antes que toda a casa acordasse com o barulho. Ao ouvir os choros do outro lado da linha, senti meu peito se oprimir. Já imaginando que o pior tinha acontecido. O que eu não imaginava é que havia perdido tudo. Tudo mesmo. Brandon morreu. E nunca mais vai voltar. Nunca mais.

Fiquei paralisada com a notícia. Alguns flashes dos nossos tantos momentos juntos passaram voando pela minha mente. O telefone celular caiu no chão e a mãe de Brandon ainda falava, mas eu não podia ouvi-la, pois queria ouvir somente a ele. Então, alguns minutos depois a ficha caiu e eu tive consciência do que estava acontecendo. Antes de desmaiar eu quebrei praticamente toda mobília do meu quarto tomada pela fúria e pelo choro. Papai e mamãe me encontraram no chão, cortada, ferida, desmaiada e banhada pelo suor e pelo choro.

Quando acordei, ainda estava em meu quarto. Demorei um tempo para ter certeza de que aquilo não passava de um pesadelo. Toquei em mim, olhei em volta e sentir a ardência no corpo. Então me lembrei de tudo e rapidamente comecei a chorar desesperadamente outra vez.

Mamãe veio correndo até meu quarto, disse muitas coisas das quais não prestei o mínimo de atenção. Achavam que eu estava enlouquecendo. Todos achavam. Pude perceber na maneira como eles me olhavam enquanto eu tentava dizer a verdade e era interrompida por meus soluços do meu próprio choro.

Meu quarto foi todo arrumado outra vez, do jeitinho que era antes do meu ataque de fúria. Mamãe e papai ficaram sabendo algum tempo depois toda a verdade através dos pais de Brandon. Eles nunca se deram bem também. Vivíamos em crise. Muitas outras pessoas, amigos e familiares, vieram até minha casa para dizer coisas que pudessem me fazer sentir melhor. Mas não funcionou. Pois eu sabia que estavam sendo todos falsos, hipócritas e mentirosos. O que eles sentiam de verdade era pena de mim e achavam Brandon um sortudo por ter morrido e se livrado de mim como ninguém conseguiu se livrar.

Eu expulsei todos da minha casa. Ficaram chocados com a minha reação. Eu gritei até minha garganta secar. Meu pai me arrastou de volta pra cama e praticamente me amarrou ali enquanto mamãe tentava me acalmar com água e remédios. Mas tudo que eu sabia fazer era chorar, tremer e me balançar para frente e para trás enquanto pensava em Brandon e tudo que havíamos vividos juntos.

Depois da sua morte eu não sai mais de casa. Tudo que eu tinha pra fazer de errado, eu fazia ali mesmo, no escuro do meu quarto. Não queria mais ver a luz do dia, pois ela já não fazia mais sentindo pra mim agora que eu já não tinha mais Brandon ao meu lado. E passei a ter pesadelos também, me sentia culpada pela morte de Brandon. Como se me meter na vida dele houvesse sido uma loucura. Tudo era minha culpa. Porque eu não havia cuidado dele como ele cuidara de mim desde o principio.

O funeral de Brandon ocorreu três dias depois. É claro que eu não fui capaz de ir. Pois não queria ver aqueles choros forçados, aquele drama de mentira e aquelas pessoas falsas. Elas nem amavam Brandon como eu amei. Eles nem deveria estar ali. Nenhuma delas.

Naquela noite, eu criei coragem de ir até o cemitério onde Brandon foi enterrado. O cemitério já estava fechado e vazio. Um tanto assustador, mas eu não tinha medo. Nunca tive medo de nada, além de perdê-lo. Como ninguém era capaz de me impedir, eu pulei a janela do meu quarto, cai no gramado de frente para minha cara e corri. Corri muito rápido até o cemitério não muito longe dali. Na frente do tumulo de Brandon eu me ajoelhei e comecei a chorar outra vez. Implorei aos gritos aos Céus que o trouxesse de volta pra mim ou que levasse a mim ao invés dele.

Brandon era bom demais para ter morrido tão jovem, antes mesmo de completar seus dezoitos anos. Eu quem deveria ter morrido no seu lugar, pois nunca fui boa e nunca fiz ninguém bem como ele fez. Nada parecia justo. O mundo estava ao avesso. E quando acordei dois dias depois, eu estava em uma cama de hospital sobre tratamentos psicológicos. Estavam todos impedindo que algo pior acontecesse comigo. Que talvez eu pudesse tentar me matar, cometer outro ato de loucura ou talvez destruir ainda mais minha saúde. Eu teria feito qualquer dessas coisas, mas algo dentro de mim me impedia sempre que ousava a pensar nesses absurdos.

Era Brandon.

Brandon queria se comunicar comigo e impedir que eu cometesse uma burrada. Mais uma de muitas. Eu acreditei nisso por muito tempo. Esperei pelo dia que eu o veria em espirito, ele falaria comigo e diria coisas bonitas que pudessem me reconfortar, me fazer mudar de ideia, alegando que ainda viveríamos eternamente juntos em outro plano superior. Mas isso nunca aconteceu. Porque essas coisas não acontecem. E se acontecem, eu não as mereço. E eu nunca mais voltei a ver Brandon. A não ser que fossem por fotografia ou em minhas muitas lembranças de nós dois juntos.

                          


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Notas finais do capítulo

Aguardo pelos comentários. Devo continuar ou não?