Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina


Capítulo 30
Capítulo 30 - Hallelujah


Notas iniciais do capítulo

Olá ;3 Como vocês vão ler, esse capítulo tem como tema a música Hallelujah, de Jeff Buckley, que é uma das músicas mais fugging incríveis já criadas, então, se você nunca ouviu, deveria ouvir. E se já ouviu, deveria ouvir de novo prestando mais atenção na melodia e na letra.
Para os preguiçosos: http://youtube.com/watch?v=WIF4_Sm-rgQ



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Serena

Eu e Heath não conversamos direito sobre a coisa toda de seu pai. Eu não estava em condições de conversar sobre nada, mas era possível sentir minha relutância e ao mesmo tempo ansiedade na segunda-feira.

Como eu estava suspensa, fiquei em casa assistindo Skins (a versão original britânica, e não a deturpação barata americana) e pensando em como o Sid conseguia ter ainda menos sorte do que eu. Mas quando ele e a Cassie ficaram juntos no final da primeira temporada, soltei um palavrão e desliguei a TV. Eu não estava no clima para finais felizes.

Sabia que estava torturando a mim mesma pensando assim, mas o fato de Heath ter ido para a escola mesmo que eu não estivesse lá parecia um sinal de que ele não planejava ir embora tão cedo.

Meu celular tocou.

— Alô?

— Argent? É o Alan, do Johnny's.

O Johnny's era um bar legal no centro, e Alan era o gerente.

— Ah, oi! Quanto tempo.

— Exatamente o que pensei. Tem um lugar sobrando na apresentação de hoje à noite, quer vir?

— Estou mesmo precisando da grana — mordi o lábio. — Tudo bem.

— Às oito.

— Fechado. Estarei aí.

Desliguei o telefone e fui até meu teclado, pensando em uma música para tocar no bar. Uma me veio em mente e senti um aperto no coração. Era perfeita de um jeito tão melancólico e incrível. Como a minha vida, na verdade.

Heath

Quando cheguei em casa, Serena estava jogada no sofá comendo chocolate.

— Tudo bem aí? — ergui uma sobrancelha.

Ela não desviou os olhos do chocolate.

— Você e suas perguntas idiotas. O chocolate não faz perguntas idiotas. O chocolate compreende.

— Preciso de ajuda em Química.

— Claro. Pegue suas coisas.

Serena

Um pouco antes de anoitecer, fomos até a casa de Frederick. Ele abriu a porta, suspirando.

— Vocês vieram mesmo. Merda, entrem.

Heath entrou primeiro. Quando fui entrar, encarei Frederick.

— Não seja tão babaca. Isso é importante para ele — sussurrei, irritada.

— Já está se arrependendo de ter me encontrado, mocinha?

Ainda não — resmunguei, entrando na casa.

— Afinal, qual é a dos quadros? — perguntou Heath, apontando para os vários quadrados que preenchiam as paredes da sala.

— Eu os pintei. A pintura tornou-se uma pequena fonte de alegria nos piores dias — Frederick deu de ombros, jogando-se no sofá.

— Eu costumava desenhar — contou Heath.

— Oh, pelo menos um de meus filhos herdou o dom — Frederick suspirou, aliviado. — Fred é uma bela merda com desenhos, pinturas, gravuras, tudo relacionado a artes plásticas. Mas é um ótimo músico.

— A Argent também — contou Heath, e eu mentalmente o mandei calar a boca.

— É mesmo? — Fred Júnior sorriu, descendo as escadas. Ele sentou-se ao meu lado. Perigosamente perto. — Deveríamos tocar juntos qualquer hora.

— Ou não — murmurei.

Quando Frederick Pai e Heath engajaram em alguma conversa, Fred Júnior me fitou.

— Deveríamos sair qualquer hora.

— Olha, eu não sei como te dizer isso de um jeito legal... — comecei. Depois parei de falar. — Espera aí, eu não sou legal. Cai fora.

— Não desisto tão fácil.

Ergui uma sobrancelha.

— Eu gosto do seu irmão. Entende isso?

— Mas não me conhece ainda.

E então percebi que sequer queria conhecê-lo. E não era porque ele era irmão de Heath, ou porque era o Fred. Era simplesmente porque ele não era Heath Seeler.

Observei Heath conversar com o pai. Era engraçado, porque havia algo nele que me deixava completamente presa. Ele tirava a graça de todos os outros garotos, ele me tinha tão por inteira que quando eu estava com ele, me perdia de qualquer preocupação, compromisso ou desvio, apenas olhando em seus olhos.

Com o pai dele se mudando para Nottingham, será que ele poderia ter se casado com outra mulher e então Heath não seria um anjo, mas mesmo assim nos conheceríamos? Eu sabia que essa era uma ideia idiota. Ser anjo era parte do que Heath era, ele não seria Heath se não fosse filho da mãe dele. Não, não havia escapatória. A minha salvação seria sempre a minha ruína.

— Por que se mudou para Nottingham? — indaguei Frederick de repente.

— Quando eu e Maureen nos separamos, eu voltei para a Inglaterra. Para Sandsville. Mas, depois de um tempo, coisas ruins começaram a acontecer com as pessoas que me cercavam, e elas eram quase sempre meus parentes ou amigos próximos. Então me mudei.

Heath

— O Céu amaldiçoou você? — franzi o cenho. Frederick deu de ombros.

— Algo nessa linha. Digamos que apenas não me sobrou muita proteção divina.

— Mas por que você foi castigado e eu não?

— Você não vai ser castigado — Serena revirou os olhos. — Anjos não se corrompem sozinhos. Eles são corrompidos.

— Mas eu não sou completamente um anjo.

Ela se levantou, inspirando fundo.

— É suficientemente um anjo para que eu não possa tê-lo. Qual a porra de diferença? — ela encarou o relógio. — Tenho que ir. Você fica, vocês têm muito a conversar.

Levantei-me.

— Não, você não parece muito em condição de andar por aí sozinha à noite.

— Eu sei me cuidar. Não vou ter você para cuidar de mim para sempre, vou? Então me deixe crescer, papai — zombou ela, me dando as costas e caminhando até a porta.

Cheguei antes dela, bloqueando a passagem.

— Você me tem agora. Sequer vou perguntar aonde você vai, só vou acompanhá-la. Quando chegar lá, eu volto para cá.

Ela suspirou.

— Tudo bem.

Despedimo-nos e saímos da casa. Fitei-a.

— Vamos voando?

Ela fez que não com a cabeça e começou a andar.

— Por que não? — perguntei.

— Porque eu não quero.

Ergui uma sobrancelha.

— Está com medo? Eu não vou deixar você cair.

Serena se virou, me encarando.

— Você não entende mesmo, não é?

— O quê?

— Eu já abusei demais do Céu. Não vou deixar que ele seja meu meio de transporte também. Além do mais, essas porras saindo das suas costas me lembram constantemente.

— Lembram do quê?

— Do que você acha?! Que inferno, Seeler! Vamos logo.

Segui Serena rapidamente enquanto ela entrava no ônibus. Eu sabia que era melhor simplesmente calar a boca.

Descemos em frente a um bar.

— Pronto. Tchau — ela me encarou, séria.

— Argent, você vai...?

— Não vou beber. Não se preocupe. Vou ficar bem — ela se aproximou de mim, cravando os olhos azuis nos meus. — Prometa-me que não vai ficar.

Suspirei.

— Não seja atropelada.

Consegui arrancar um sorriso dela.

— Pode deixar — ela beijou minha bochecha. — Até mais tarde.

Assenti.

Serena

Observei Heath afastar-se, e então entrei no bar. Alan logo veio me cumprimentar.

— Bem na hora! — disse ele, me puxando até o palco.

Sentei-me atrás do piano.

— Boa noite — falei ao microfone. — Meu nome é Serena Argent, e esta é uma música que tem muito significado para mim. Suponho que a conheçam. Chama-se Hallelujah.

Heath

Não consegui ir embora quando ouvi o piano. A melodia suave e melancólica invadiu meus ouvidos.

Fiquei parado na penumbra, no fundo do salão, onde tinha certeza de que ela não me veria.

Com a luz branca artificial refletindo em seus cabelos dourados e olhos azuis, ela de certo não fazia ideia do quão linda estava.

Well, I heard there was a secret chord, that David played and it pleased the Lord... But you don't really care for music, do ya?

Eu poderia fechar os olhos e estaria no Céu. Eu conhecera muitos anjos, mas Serena conseguia sobrepor todos eles. E ela sequer precisava de asas.

Mas uma parte em especial me chamou a atenção na música.

Well, your faith was strong but you needed proof (Bem, sua fé era forte mas você precisava de provas)

You saw her bathing on the roof (Você a viu se banhando no telhando)

Her beauty and the moonlight overthrew ya... (A beleza dela e o luar arruinaram você)

She tied you to her kitchen chair (Ela amarrou você à sua cadeira da cozinha)

She broke your throne and she cut your hair (Ela destruiu seu trono e cortou o seu cabelo)

And from your lips she drew the Hallelujah... (E dos seus lábios ela tirou o Aleluia)

E não era somente a letra, era a dor e verdade com a qual Serena cantarolava. Ela cantava para mim, e via a si mesma na mulher da música.

Eu passara tanto tempo imaginando que ela era uma tentação que nem percebi que ela se sentia como se fosse, e aquilo a estava destruindo.

Serena

— Hallelu-u-ujah... — terminei com a garganta já fechando.

A primeira palma veio do fundo do salão. Meus olhos encontraram aqueles orbes dourados e eu agradeci por estar sentada quando minhas pernas tremeram.

Eu o evitei pelo máximo de tempo que consegui, mas Heath veio até mim mais tarde.

— É assim que você se sente? — ele me fitou, parecendo genuinamente preocupado.

Eu suspirei, dando-lhe as costas para arrumar minhas coisas.

—... Argent, eu estou falando com você.

Voltei a olhar para ele, hesitante.

— Você prometeu que não ia ficar.

Ele bufou, com os olhos cravados em mim.

— Tecnicamente, eu não prometi. Mas isso não é importante. Realmente se sente como a música?

Não respondi, o que se tornou uma resposta.

Heath entrelaçou os dedos da mão nos meus e me arrastou para o lado de fora do bar.

— Você não arruinou minha vida, Serena — ele me fitou, sério. — Você a salvou.

Eu inspirei fundo, mordendo o lábio.

— Só compliquei tudo. Meu Deus.

— Tudo sempre foi complicado com a gente — ele abriu um meio sorriso.

— É, mas atingimos um novo nível de complicado recentemente — acrescentei, desviando o olhar. — Sabe, quando você disse que estava apaixonado por mim.

Heath enrubesceu um pouco.

— É, talvez eu não devesse ter confessado isso.

— Uma parte de mim ficou feliz por você ter dito.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Qual parte?

Respirei fundo.

— A parte que está apaixonada por você.

Minha voz falhou, mas consegui continuar falando depois de um momento:

—... Na verdade... Não acho que haja uma parte, exatamente. Só há a parte que não admite.

— Você acabou de admitir, sabe.

— Sei. Criei um novo nível de complicado? — tomei coragem para erguer os olhos.

Ele beijou minha testa.

— Quem liga?

— Na testa, não — reclamei num murmúrio.

Heath me puxou para perto dele antes de finalmente selar nossos lábios. Quando nos separamos, ele possuía um leve sorriso no rosto.

— Pronta para ir para casa?

Heath

Ela me fitou por um longo minuto, e então me abraçou. O abraço mais longo de todos. Quando me soltou, ela assentiu.

— Pronta.

Pegamos um ônibus até a casa da sra. Stewart, que estava um tanto quanto muito irritada por termos perdido o jantar.

— Desculpe — murmurei, sincero, e corri para o meu quarto.

Joguei-me em minha cama e abri o sorriso mais bobo de todos. Eu enfrentaria o mundo no dia seguinte, mas naquele momento apenas fiquei devaneando sobre realidades alternativas onde tudo dava certo. Muita coisa mudaria, mas percebi que não fizera nenhuma alteração em nossa última conversa naquela noite. Talvez fosse apenas porque eu a amava também, mas a declaração de Serena foi tão épica em minha mente que o mundo parou por um minuto para assisti-la.


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Notas finais do capítulo

Claro, totalmente épico. NINGUÉM SEQUER DESCONFIAVA DISSO, SEELER. GRATULEIXON.
Oh, Heath... S2