Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina


Capítulo 26
Capítulo 26 - Inevitável


Notas iniciais do capítulo

RECOMENDAÇAAAAAAAO O/
MUITO MUITO MUITO MUITO OBRIGADA, LITTLE STAR



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Heath

— Existem nove Frederick Seelers em Sandsville — dizia Serena enquanto caminhávamos. — E pretendo visitar todos eles até o fim da semana. Objeções?

— Várias.

— Não importa. Tem um ônibus saindo daqui a cinco minutos, eu chequei... Ah, ali está.

Ela me arrastou até a rodoviária, onde comprou dois bilhetes. Logo estávamos no ônibus.

— Como pretende encontrá-lo? Quero dizer, caso ele ainda more em Sandsville.

— Fiz um mapa — ela mostrou, sorrindo. Era cheio de marcações e rabiscos que não faziam o menor sentido, mas pareciam claros para ela.

* * *

Sandsville era uma típica cidade pequena, com pessoas descansando em suas varandas. A chegada de dois adolescentes desconhecidos provocava um burburinho por onde passássemos. Mas era uma cidade bonita, bem arborizada e com casas antigas bem conservadas.

— Reconhece alguma coisa? — Serena me fitou, esperançosa.

Fiz que não com a cabeça.

— Não costumava vir aqui. Devo ter vindo uma ou duas vezes quando era bem pequeno mesmo. Vivia nos Estados Unidos. Meu pai se mudou para cá quando se separou de minha mãe.

— Por que aqui?

— Porque... — minha voz falhou. — Hã... Porque a família Seeler mora aqui. Uma boa parte.

— Então você é, tipo, metade inglês, metade americano e metade anjo?

— Não que eu seja um gênio ou algo do tipo, mas tenho certeza de que não se pode ter três metades de um inteiro.

— Foi uma piada, Seeler.

— Ah — corei. — É que você nunca faz piadas que não envolvam uma risada debochada no fim.

Ela revirou os olhos, me ignorando.

— Pelas minhas contas, e o Google Maps, o primeiro Frederick Seeler mora naquela travessa ali — ela apontou. E então me arrastou até a casa.

— Serena, eu... Não sei se estou pronto para vê-lo.

— Tudo bem. Espere aqui enquanto eu checo — ela beijou minha bochecha e, depois de me lançar um leve sorriso, correu graciosamente até a porta da casa.

Serena

Um homem barbudo de cinquenta anos atendeu. Ele me analisou de cima a baixo — cara, como eu odiava quando faziam aquilo — e sorriu.

— Você deve ser a garota das seis.

— Como é?!

— Se bem que é um pouco nova demais — ele franziu o cenho. — E está adiantada. Mas entre.

— É, isso não vai acontecer. Eu tenho... algumas perguntas.

— Sobre o que, docinho?

Respirei fundo para não xingá-lo.

— Heath Seeler.

— Eu deveria saber quem é esse?

— O senhor foi casado com uma mulher chamada Maureen?

— Você é o que, a polícia? Não, eu nunca fui casado. Vai entrar ou não?

— Nojento — resmunguei e saí dali, ignorando os protestos.

Heath tentava esconder a expectativa nos olhos, que morreu ao ver minha expressão.

— Não era meu pai?

— Graças a Deus, não. Próximo.

Visitamos mais três Frederick Seelers em Sandsville, e nenhum deles estava sequer perto de quem procurávamos. Já estava começando a escurecer, e ainda faltavam cinco, que moravam do outro lado da cidade. Então apenas voltamos para casa e decidimos deixar o resto para o dia seguinte.

Quando chegamos em casa, joguei-me no sofá, exausta. Heath sentou-se ao meu lado. Seus olhos vagavam o cômodo sem destino, carregados de uma emoção que reconheci: esperança.

— Serena.

— Sim?

— Obrigado por ter me feito fazer isso.

Sorri levemente.

— Sempre um prazer.

* * *

Mal prestei atenção nas aulas, mal dormi. Mas cuidei de não ficar na detenção, porque realmente queria ter mais tempo em Sandsville.

Heath gostou de andar de ônibus. Ressaltei que ele não gostaria do ônibus se estivesse lotado e fedido como em cidades maiores, mas ele não me deu atenção. Apenas sentou-se na janela e observou a paisagem mudar. Senti-me grata por minha mãe não estar em casa. Seria difícil explicar por que estávamos indo para Sandsville dois dias seguidos, mas a sra. Stewart realmente não se importava, desde que voltássemos para o jantar.

Eu podia viver com isso.

— Preparado? — sorri para Heath, entrelaçando nossas mãos.

Ele assentiu, hesitante, e marchamos em direção ao quinto Frederick Seeler. Ele esperou numa praça ali perto. Eu ainda tinha que fazer todo o trabalho.

Um homem alto e magro abriu a porta, me fitando com certa confusão.

— Frederick Seeler? — arrisquei.

O homem hesitou, mas logo disse:

— Sim, eu mesmo.

— Pai de Heath Seeler?

— Não sou pai de ninguém, moça.

— Certeza? Droga, claro que tem certeza. Bem... Obrigada por seu tempo.

Caminhei até Heath com a cabeça bem longe dali.

— Tem algo esquisito — falei, arrastando-o para a casa seguinte.

— O que quer dizer?

— Eles hesitam antes de responder. Isso é estranho, tipo... Cara, vou tirar isso a limpo. Espere aí.

E então me dirigi ao sexto Frederick Seeler. Um homem alto e reconchudo de cabelos pretos me fitou quando abriu a porta.

— Posso ajudá-la?

— Qual o seu nome?

— Quem é você?

— Meu nome é Serena Argent, e aquele é meu amigo Heath — apontei.

— Certo... Bem, não entendo o que estão fazendo aqui. Qual disse que era o nome do seu amigo?

— Heath.

O homem assentiu.

— Meu nome é Frederick Seeler.

— É mesmo? Tem certeza?

— É claro que tenho certeza!

— Suponho que não tenha um filho chamado Heath?

— Não.

— Muito bem, obrigada por seu tempo.

* * *

Se eu acendera a chama da esperança em Heath no dia anterior, certamente a extinguira com todas as minhas teorias conspiratórias de que não tinha como uma cidade tão pequena ter nove Frederick Seelers e nenhum deles ser o pai de Heath.

É, checamos todos.

Heath

Estávamos voltando para casa.

— Eu disse que era uma péssima ideia — murmurei.

— Pelo menos tentamos.

— Certo, que grande consolo.

Foi quando a vi. Dois andares. Laranja claro. Portas e janelas de madeira escura. Uma pequena sacada no andar de cima.

— Argent, eu conheço aquela casa.

— Sério?

— Muito sério. Meu Deus. Ele mora aqui, Serena, eu sei que mora.

Arrastei-a até lá e bati na porta. Bati durante uns cinco minutos, mas ninguém atendeu.

— Está procurando por alguém, querido? — disse uma voz feminina cansada na varanda da casa ao lado. Uma senhora de cabelos bem brancos e olhos muito azuis. Olhos que reconheci.

— Senhora Fitzgerald?! — pisquei diversas vezes, sem acreditar no que via.

— Sim, suponho.

— Sou eu! Heath! Heath Seeler! A senhora se lembra?

Ela me analisou por um minuto, o que realmente não foi uma boa sensação, mas por fim abriu um sorriso gentil e disse:

— James!

— Senhora Fitzgerald! — abracei-a com cuidado. — Esta é minha amiga, Serena.

— Olá — Serena sorriu levemente, acanhada e um pouco perdida.

— A sra. Fitzgerald costumava tomar conta de mim quando eu era criança — contei. — Ela e o Seu Stephen... Ah, Stephen! Stephen está na oficina, senhora?

A senhora hesitou, desviando o olhar.

— Você não vem aqui há um bom tempo, James...

— Sim, mas estou aqui agora. Eu realmente gostaria de vê-lo.

— James, meu marido... Meu marido faleceu de câncer — murmurou ela, um pouco melancólica. — Faz alguns anos.

Serena

Observei o rosto de Heath ficar pálido. Eu queria dizer qualquer coisa que o confortasse, mas nada saiu de minha boca quando tentei falar. Então apenas entrelacei os dedos dele nos meus.

— Sinto muito por fazer a senhora se lembrar disso — murmurou ele, fitando o chão.

— Tudo bem, querido. Afinal, o que você e a garota bonita vieram fazer nessa pacata cidade?

— Nós... Érrr... — ele respirou fundo. — Eu pensei que, talvez, meu pai...

— Ah, querido... — a expressão no rosto da senhora tornou-se rígida novamente.

— O que foi?

— Heath — sussurrei. — Temos que ir.

— Não, Argent, espere. Sra. Fitzgerald, o que...

A senhora apenas continuou calada, enchendo-o de esperança. Odiei-a por isso.

— Heath, seu pai faleceu — falei, sem aguentar mais esperar por aquela velha.

Heath desenvolveu uma espécie de tique no olho. A sra. Fitzgerald assentiu lentamente.

— Como... Como sabia disso? — ele me fitou.

— Seeler, não importa. Vamos.

Como?!

Suspirei.

— Junto com todos os Frederick Seelers que encontrei no Google, havia uma baixa, há alguns anos. Quando nenhum dos Fredericks que visitamos revelou-se seu pai, supus que...

— Você deveria ter me contado.

— Mas era uma chance, no meio de outras nove. Eu só...

— Pare de falar! Você só estraga tudo quando começa a querer justificar tudo — ele bufou.

— Ainda estamos falando só sobre o seu pai?! Heath revirou os olhos.

— Quer ter essa conversa agora? Tudo bem. Vamos ter essa conversa agora. Você estava certa. Sobre aquilo que disse no baile — ele engoliu em seco, parecendo perfeitamente capaz de me jogar na frente de um trem. — A gente nunca daria certo. Essa é a verdade. Se isso tudo é apenas o começo, não vale a pena. Se me dão licença... — e saiu andando.

Mas depois se virou.

— Na verdade... Érrr... Foi ótimo ver a senhora, sra. Fitzgerald.

E então apenas observei-o se afastar. Sentei-me na escada da suposta casa do pai de Heath, inspirando fundo.

— Está tudo bem, querida? — a senhora me fitou de relance.

Soltei o ar.

— Isso deveria parecer certo, mas não parece.

Eu conseguira. Finalmente fora maldosa o suficiente para que ele simplesmente abandonasse tudo, e sequer estava tentando ser.

A vida era tão malvada. Eu fora cruel com ele todo esse tempo, fazendo-o de escravo, descontando tudo... E na única vez em que realmente tentei ajudar, estraguei tudo.

— Finalmente consegui o que queria — murmurei. — Então por que não me sinto bem?

A senhora sorriu.

— Você realmente gosta dele. Posso ver nos seus olhos. E sei que ele também pode.

Fitei-a por um minuto, pensando em por que aquele período me afetou tanto. E então percebi. A sra. Fitzgerald fora a primeira a pronunciar as coisas daquele jeito, e com tanta certeza. Ela não disse que eu estava a fim dele, nem que eu achava ele gato, nem que eu tinha uma queda. Era simplesmente realmente gostar, o que era tão maior em tantas maneiras. E tão mais potencialmente perigoso.

— Eu não tenho tanta certeza — mordi o lábio, observando os poucos carros passando na rua.

Ela riu. Filha da mãe.

Na verdade, bisavó da mãe, ou algo do tipo.

— Mas você fez tudo de forma tão generosa. Deveria voltar para casa.

— Estou com medo, só isso.

— De James? Querida, eu lhe asseguro que aquele garoto é um perfeito caval...

— Não. Não do Seeler. De mim. Esse foi meu único ato altruísta, e estou com medo de que não sido... Sabe... Altruísta.

— Mas você não tinha como saber que ia acabar assim.

— É — concordei, mesmo que aquela não fosse a questão. — Tchau, sra. Fitzgerald. Foi um prazer conhecê-la.

— O mesmo, querida. Boa sorte.

Assenti e caminhei até a rodoviária. Não encontrei Heath lá. Ele provavelmente tinha voado de volta para casa. Eu só esperava que ele não tivesse sido acertado por um avião ou sei lá. Certo, a parte egoísta de mim meio que esperava.

A mesma parte egoísta que queria encontrar o pai de Heath para dar ao garoto mais uma razão para ficar.


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