Um Anjo (quase) Caído escrita por Gaby Molina


Capítulo 10
Capítulo 10 - Exceções, querido Seeler


Notas iniciais do capítulo

RECOMENDAÇAAAAAAAAAAAAAO O/
CARA
CARA
VOCÊS NÃO IMAGINAM MINHA FELICIDADE :3333 Todos esses reviews lindos, e principalmente as três recomendações!
Jordana, muito muito muito obrigada e esse capítulo vai para você ♥



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Serena

— Você está bem? — Heath me fitou. Seus olhos dourados pareciam faróis na meia-luz da praça à noite. — Certo, pergunta estúpida.

— Como sempre — funguei. — Sai daqui, não quero chorar perto de você. Nem perto de ninguém. Mas principalmente perto de você.

— Por quê?

— Porque você vai fazer piada. Espero que faça, eu mereço.

Ele não respondeu. Apenas ficou em silêncio, fitando a lua crescente e as poucas estrelas.

— Não consegue pensar em nenhuma piada? Eu tenho uma — pigarreei. — "Quando você chora, quase parece que você tem um coração".

— Seja lá o que aconteceu para você ficar assim — ele voltou a olhar para mim. — Não parece ser o tipo de coisa com a qual eu deveria fazer piada.

— E desde quando você liga?

— Eu ligo, está bem? — ele bufou. — Vou negar se você me perguntar amanhã.

— Vou negar ter chorado.

— Eu sei.

Heath

— Quer me contar o que aconteceu? — fitei-a. Seus olhos azuis estavam marejados, e evitavam olhar nos meus. Tá aí uma coisa que nunca achei que fosse ver.

— É uma longa história.

— Tenho tempo.

— Insônia?

Abri um leve sorriso.

— Não é insônia se eu não quiser dormir.

Serena hesitou. Ela tremia um pouco, e por um momento achei que fosse só nervosismo, mas não.

— Está com frio?

Ela fez que não com a cabeça, mas batia os dentes.

— Aqui, toma — joguei minha jaqueta de couro para ela. A garota franziu o cenho. — Veste logo. É basicamente meu dever. Você vai ficar muito mais irritante se estiver resfriada. Não vou fazer canja de galinha.

Serena sorriu e colocou a jaqueta.

— Agora sim parece o Heath Seeler que eu conheço. Você quer mesmo saber o que aconteceu, ou só perguntou por educação?

— Quê?

— Sabe... Depois que disse que não falaria comigo além do dever. Está aqui porque é seu trabalho?

— Talvez seja. Sei lá. Encare isso como uma exceção. E, sim, eu quero mesmo saber.

Ela afastou uma mecha do cabelo louro do rosto.

— É a Patricia.

— Quem é Patricia?

— Aquela mulher que você conheceu quando apareceu lá em casa seminu.

— Eu estava de bermuda — defendi, enrubescendo um pouco. — Sua mãe?

— Então... Está aí a longa história. Na verdade... Ela é minha tia. Irmã mais velha da minha mãe. Só que minha mãe era uma adolescente drogada e meu pai era um bêbado — ela fungou. — Então, eles desapareceram um ano depois que eu nasci. Eu estava com a Patricia no dia em que ela recebeu a notícia de que meus pais tinham morrido num acidente de carro. Meu pai estava dirigindo bêbado. Matou a minha mãe. — ela me fitou. — Já se arrepende de ter vindo?

Fiz que não com a cabeça. Eu não podia nem imaginar o que ela estava sentindo. Era assim que era o mundo aqui embaixo?

— Patricia nunca me contou. Passou dezesseis anos me dizendo que era minha mãe e que Thomas era meu irmão. Até que, há quase um mês, encontrei minha certidão de nascimento sob o assoalho. E umas fotos antigas. Ela era muito bonita, sabe. Minha mãe. Enfim. Eu não quero voltar para lá, Heath. Não quero.

— Você me chamou de Heath.

Ela baixou a cabeça.

— Hum...

— E, por enquanto... Você ainda não precisa voltar para lá. Mas sabe que Patricia fez tudo para evitar, não sabe?

— Evitar o quê?

— Isso — apontei para o rosto choroso dela. — É terrível ver você chorar. Quebra o coração, sério. Nem parece que você é a pessoa ríspida e egoísta que realmente é.

— Já estava demorando — ela bufou.

— Enfim. Patricia ama você, Argent. Ela só queria evitar que você se machucasse.

Foi quando percebi uma coisa, vendo Serena naquele momento tão vulnerável: eu passava tanto tempo impedindo que ela fosse atropelada, que caísse no chão, que fosse violentada, que sofresse qualquer dano físico...

Que nem percebi que palavras a machucavam bem mais.

— Então por que ela mentiu para mim, se me ama tanto?

Não respondi.

— Eu sei por quê. — ela assumiu um tom mais Serena de ser. — Todo mundo mente. Que merda!

Sorri. Agora soava como ela.

—... Patricia é só mais uma.

Eu queria dizer qualquer palavra de conforto, mas não conseguia. Então contei o que achei que ela deveria saber.

— Eu moro no Céu desde os seis anos — comecei, sem saber por que estava dividindo aquilo com Serena Argent. Nunca contara aquela história para ninguém. Damien sabia, mas não tudo. — Minha mãe é um anjo caído. Ela me mandou para lá. Acabei sendo aceito.

— Anjos caídos são demônios, não são?

Ela parecia muito animada com a ideia de que eu pudesse ter sangue demoníaco.

— Não necessariamente. Anjos caem por milhões de motivos. Minha mãe caiu porque se apaixonou pelo meu pai. Mas ela não é um demônio, porque nunca se associou com aquele cara lá de baixo. Continuou fiel ao Céu, mesmo que não pudesse morar lá. Por isso, aceitaram o filho dela. Eu. Ela provavelmente achou que era um jeito de conseguir perdão — suspirei. — Tipo "Olha, meu filho agora comanda todo o exército celestial! Vocês deveriam me aceitar de volta no Céu, afinal, eu só trepei com um mortal, não foi nada demais!". Anjos caídos sempre voltam rastejando por perdão.

— Não sei muito sobre essa coisa de angeologia — ela me fitou. — Mas tenho certeza de que, se você comandasse o exército celestial, não teria que ficar ouvindo uma adolescente em crise na calada da noite.

Sorri.

— Você provavelmente está certa — desviei o olhar. — Um Nefilim à beira de cair. Que orgulho eu sou para a minha família.

Ela percebeu a mágoa em minha voz.

— Você não vai cair. Eu não vou deixar.

— Vai fazer o quê? Discutir com Deus?

— Se for preciso! Quando um anjo cai... Ele vive aqui normalmente, como mortal?

Assenti.

— Ele perde as asas, claro, e todos os poderes. Vive como mortal, absolutamente. Mas... Digamos que um anjo caído tem mais chance de ser acertado por um relâmpago do que por um terremoto.

Ela riu um pouco. Eu já a havia visto rir, sem ser porque estava debochando de mim?

— Como eu disse, vive implorando por perdão — bufei. — Sabe aquelas doações zilionáras anônimas para alguma campanha de caridade? Acha que vem de onde?

Todas elas?

— Bem, nem todas. Mas a grande maioria. O caso é que... tudo o que eu conheço está lá em cima. Eu não tenho nada aqui. Nenhum motivo para viver. Nenhum lugar para ir.

— E seus pais?

— Minha mãe não fala comigo desde que disseram para ela que eu não era um anjo bom o suficiente para comprar a passagem dela de volta ao Céu.

— Isso não deveria ser responsabilidade sua. E seu pai?

— Não falo com ele desde que tinha quatro anos.

— Sabe onde ele mora?

— Sei.

— Onde?

Engoli em seco.

— Deveríamos ir. Está ficando tarde. Você está se sentindo melhor?

— Thomas vai me odiar. Por saber e não contar a ele.

— Claro que não vai. Ele é seu irmão, sempre vai ser.

Ela pensou por um minuto, e então se levantou rapidamente.

— Certo. Estou pronta.

Serena

— Quer que eu acompanhe você até em casa?

— Como meu anjo da guarda? — fitei-o, os olhos ainda um pouco marejados.

— Não. — foi tudo o que ele disse, desviando o olhar. — Mas, se você não quiser minha companhia, me despeço aqui mesmo.

— Sério? Não vai voar escondido, nem invadir meu quintal?

— Não. Vou direto para a minha casa. O que me diz?

Essa ideia me pareceria o paraíso em qualquer outra situação. Mas, ali, eu apenas não estava pronta para ficar sozinha.

— Tudo bem se você for comigo?

Heath pareceu surpreso, mas assentiu. Caminhamos lentamente e em silêncio até a porta da frente de minha casa.

— Vê se dorme — disse eu.

— O mesmo vale para você, Argent. Sua cara está horrível.

— Sua cara é horrível.

Ele abriu um sorriso presunçoso e se aproximou de mim.

— Está mentindo — disse, convicto.

— Continue repetindo isso, talvez assim consiga convencer a si mesmo.

— Não consigo pensar em mais nenhuma pessoa que concorde com você.

— Acho que chamam isso de Charme Angélico — imitei-o, debochada.

Heath

Deixei Serena em casa e voltei para a minha própria. Não consegui dormir. A imagem de Serena Argent chorando ainda me quebrava o coração.

Talvez eu ainda tivesse uma parte angelical dentro de mim, afinal. Só queria ter certeza de que ela estava bem.

E, mais do que tudo, percebi que fazia muito tempo que eu não pensava em meus pais. Não sabia se voltar a me lembrar deles fora uma boa ideia, mas a história simplesmente voou para fora de minha boca.

Pela primeira vez em quase uma década, deitei no quintal de casa e fiquei olhando as estrelas, deixando minha mente vagar por meus pais. Imaginei onde eles estariam. Se estariam olhando para aquele mesmo céu, tentando se lembrar de como era lá em cima. Tentando encontrar nas estrelas algum sinal.

Pensei em minha mãe, que cedera a vida no Paraíso por um cara com o qual ela nem morava mais. Quando cheguei aqui, percebi o quão pouco sabia sobre os mortais; principalmente sobre adolescentes mortais. Eu sabia que minha mãe tinha curiosidade em saber como era aqui embaixo... Só não sabia se ela tinha encontrado o que procurava.

Ela não desistiria de tudo sem motivo, não é? Mas o que diabos ela poderia ter encontrado na Terra que não se podia conseguir no Céu?

Afundei em minhas próprias dúvidas, e por um momento até cogitei encontrar minha mãe. Mas não. Eu tinha explicações demais a dar, e nem sabia onde ela morava.

Em algum momento na madrugada, adormeci.

Serena

Eu sentia o colar de Heath me encarando enquanto me preparava para sair de casa. Peguei-o e coloquei em meu pescoço. Depois da noite passada, eu devia isso a ele. E a ideia de dever algo a Heath Seeler não era nada legal.

Ele não apareceu para me dar uma carona. Damien disse que Heath não estava no quarto quando o louro acordou.

Quando cheguei à escola, uma Audrey Miller muito chocada pulou em mim.

— Essa é a jaqueta do Heath Seeler, não é?

Merda.

— É. Ele esqueceu na aula de Poesia ontem, eu trouxe hoje para devolver.

A expressão cética no rosto dela me fez questionar minha habilidade de mentir.

— E por que você está usando?

Essa era uma excelente pergunta. Por que eu estava usando a jaqueta?

— Estou com frio.

* * *

Só encontrei Heath no terceiro período, com uma baita cara de sono e grama no cabelo. Quando perguntei o que diabos acontecera, ele riu um pouco e disse:

— Você não acreditaria.

— Olha, depois do fato de que estou parada ao lado do meu anjo da guarda, eu acredito até em Papai Noel.

— Fiquei deitado no quintal vendo as estrelas e caí no sono — ele falou bem rápido, como se esperasse que eu não entendesse.

— Já fiz isso umas três ou quatro vezes — dei de ombros. — Costuma ver as estrelas?

— Não, é que... — a voz dele falhou. — Esquece, é bobagem.

— Pode me contar. Sério.

Ele me encarou com aqueles olhos dourados que só eu tinha olhando para mim.

— Achei que tivéssemos deixado a Sessão Compaixão como um acontecimento aleatório num passado não muito distante.

— Encare isso como uma exceção — rebati, imitando-o.

— Certo — ele suspirou. — Eu só pensei que, em algum lugar, meus pais poderiam estar vendo aquele mesmo céu. Como uma conexão. É bobo, eu falei.

— A esperança parece boba, até ser tudo o que você tem.

Ele pareceu surpreso, mas assentiu.

— Pensando nos seus pais?

— Pensando que, mesmo vivendo uma rede de mentiras, pelo menos passei dezesseis anos felizes com a Tia Patricia. Não sei se seria feliz com meus pais, sabe. Já que eles estavam naquelas condições. Quem sabe? — suspirei. — Mas não posso dizer que não me sinto horrível, porque me sinto.

— A verdade é poderosa demais para ser mantida em cativeiro.

— O que aconteceu com a gente? Meu Deus, só está faltando alguém ter câncer para isso aqui virar um livro do Nicholas Sparks.

— Quem?

— O que vocês leem no Céu?!

— A Bíblia!

Fiquei em silêncio por um minuto.

— Certo, isso faz sentido.

— Estamos atrasados para a aula, sabia?

— Você já perdeu metade das aulas do dia, está reclamando de quê? Falando nisso, sua estadia aqui é temporária, sr. Meio Anjo.

Ele desviou o olhar, parecendo estar perdido em pensamentos.

— É...

Saí andando, indo para o terceiro período (e provavelmente saindo com um bilhete de detenção. Isso não costumava ser rotina antes de aquele anjo idiota chegar).

— Argent!

Virei-me.

— Minha jaqueta — ele ergueu uma sobrancelha.

— Ah — corei, mas logo joguei a jaqueta de couro preta para ele.


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