A praga escrita por BubblesChan


Capítulo 1
Corpo e alma à mesa


Notas iniciais do capítulo

Hey povo lindo, como estão?
Bom, essa é mais uma fanfic nossa, que pelos meus cálculos irá superar minhas fics anteriores, em vários quesitos...
Esperando que gostem... Edson Alca e BubblesChan.



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Estremeci. Um leve arrepio percorreu a minha espinha ao sentir o carro frear. O motorista virou o rosto para mim, mas nada disse, apenas sorriu, indicando que já havíamos chegado. Respirei fundo, ajeitei meu cabelo e esperei que ele abrisse a porta do carro para mim. Não que eu não pudesse o fazer, mas esses eram os costumes de minha família desde que eu me lembro.

O tempo nublado não me deixava alegre, apenas piorava a sensação de que tudo daria errado. A coloração morta do céu era sinistra, parecia engolir a enorme escola a minha frente. Mesmo já estando na metade da manhã, ainda não conseguia ver meu precioso sol. Caminhei cautelosa por ladrilhos avermelhados até chegar a uma enorme escada de mármore. Virei-me depressa quando escutei o carro partir. Agora todo aquele medo se ampliou, não havia vozes ou qualquer coisa reconfortante por ali. Segui pelas escadas enquanto o vento frio que parecia tentar me derrubar, cortava minha pele.

Ao chegar no segundo andar, me deparei com um corredor vazio e aparentemente infinito. Ótimo, mal cheguei e já iria me perder. Não sabia exatamente pra onde deveria ir, minhas pernas se moviam livremente por entre aquelas portas fechadas. Até que uma delas se abriu à minha frente, rangendo alto.

— Oh, você finalmente chegou! — Um senhor saiu do quarto, trajando uma batina. Sorria para mim com uma empolgação sem igual.

– Desculpe se me atrasei. – Tentei sorrir com a mesma empolgação, mas mal pude disfarçar meu nervosismo.

– Não está atrasada, por favor, entre. – Gesticulou com a mão apresentando o caminho.

A sala tinha os ares de um escritório improvisado, assim que entrei pude notar um grande crucifixo branco na parede, que se destacava entre os móveis envelhecidos.

— Fico feliz em lhe receber, Srta. Couch. Há muito tempo sua família ajuda esta Instituição, é uma grande honra ter sua presença efetivada aqui. — Engraçado. Não simplesmente “ajudávamos” essa Instituição, meu pai praticamente fundou tudo que existe aqui, não era surpresa pra ninguém que mais dia ou menos dia eu teria de estudar neste lugar.

– Ah, sim, obrigada. Fico feliz em estar aqui. – Menti. – Espero que cuidem de mim. – O velho senhor me encarava com extrema felicidade, como se eu fosse uma divindade que acabara de descer dos céus.

– Você está segura aqui. – Os olhos caídos do senhor libertaram meu rosto quando ele os atirou para uma janela com grades. – O tempo está estranho hoje, não?

Tivemos uma curta conversa a respeito da temperatura irregular nessa última semana. Padre Alberto era um homem alto, com finos cabelos grisalhos que se envolviam ao redor de seu rosto. Explicou-me todas as regras e regimentos da Instituição em poucos minutos, e elas eram tantas que acabei desviando minha atenção para os móveis da sala no meio de sua fala.

— Agora, se me permite, gostaria de lhe mostrar o seu quarto. — Levantou-se, indo até a porta.

Seguimos caminhando por aqueles corredores frios e vazios, ultrapassando o breu ao chegarmos a uma porta iluminada. Observei o padre tirar do cinto um grande molho de chaves, rapidamente destacando uma dourada entre as incontáveis chaves prateadas.

– Este é seu local de repouso. – Ele me olhou sorridente, esperando minha reação.

Entrei calmamente e logo me deparei com uma enorme cortina vermelha, quase cintilante. Meus olhos arderam ao encara-la por um longo tempo. Reparei em seguida que havia apenas duas camas, o que significava que eu dividiria o quarto com apenas mais uma menina. Pelo que sei esse não era o padrão da escola. Deixei de lado meus pensamentos e voltei a encarar a atormentadora cortina. Movi-me do centro do quarto para abri-la. Os vidros perfeitamente quadrados formavam um crucifixo em forma de janela. O sol que antes estava escondido, refletiu lindamente em meu rosto.

— Espero que se acostume com o vermelho, pois o verá muito em sua estadia por aqui. — Me virei para ele e sorri levemente, mesmo sem entender muito bem aquela frase. — Bom, eu tenho que organizar seu jantar de boas vindas — Que gentil. — para esta noite. Por agora, lhe deixarei a sós para que fique mais à vontade. — Me lançou um sorriso acolhedor e fechou a porta com cuidado.

Notei que minhas malas estavam em cima de uma das camas, a qual ficava mais próxima da janela. Quando olhei para a segunda cama achei estranho ela não estar arrumada, o lençol estava bem desgrenhado, como se alguém tivesse se esquecido de arrumá-la ou acabado de se levantar. Sentei-me em minha nova cama e abri minhas malas, retirando minhas roupas e colocando-as sobre o colchão. Fui até o armário e assim que o abri, pude ver duas repartições. As roupas do lado esquerdo, assim como a cama, não pareciam muito bem dobradas. Pelo visto, minha colega de quarto não tinha muita paciência com arrumações. Mas não que eu me incomodasse com isso.

Guardei minhas roupas no espaço vazio, que parecia ter sido destinado a mim, e logo voltei para a cama. Era um quarto bem vazio, as paredes eram pintadas em tons pastéis, assim como eram as cores dos lençóis. Passei certo tempo encarando a cama desarrumada, com o sol que batia sobre o colchão, imaginando como seria minha única colega de quarto.

– Eu sei, tá tudo desarrumado. — A dona da voz riu ao ver meu espanto. Nem mesmo notei a porta se abrir. Ou teria ela feito barulho nenhum ao entrar? — Você deve ser a Couch. — Fechou a porta, foi até minha cama e se sentou de frente pra mim. Tinha os cabelos longos e aloirados, os olhos em um castanho bem escuro. Sorria, ao mesmo tempo em que não mostrava os dentes — E sim, só sei seu sobrenome porque... Bem, você deve saber por que, né? — Assenti. Não era a primeira vez que eu era reconhecida como a filha do Sr. Couch.

— Anitta. Meu nome é Anitta. E o seu?

— Nicole. — Estreitou os olhos com o reflexo do sol que batia em seu rosto. — Droga... Quem abriu essas malditas cortinas? — Levantou-se e foi até a janela, fechando os malditos pedaços de pano vermelho.

Os poucos minutos que fiquei a sós com minha colega de quarto, pude constatar que ela é o oposto de mim, e isso pode não ser bom. Sempre fui muito sozinha e calma, acostumada a organizar minhas coisas e principalmente acostumada com os raios de sol da manhã. Seria Nicole algum tipo de teste em minha vida?

Ficamos algum tempo conversando sobre coisas gerais enquanto eu terminava de arrumar minhas roupas. Foi então que o sino tocou, cinco batidas estridentes, suavizando os estrondos a cada badalar.

– Almoço? – Minha voz inocente e curiosa foi rápida.

– É, almoçamos cedo aqui, tipo agora assim, umas onze horas. – Ela sorriu ao ver meu rosto assustado.

– Devo trocar de roupa? – Ela abriu sua boca como uma criança risonha, gargalhando.

– Que trocar de roupa o que, vamos logo.

Nicole era tão espontânea e despreocupada que me causava certa inveja. Fui criada com tanta seriedade que ainda tenho medo de cometer erros mínimos e ser corrigida rigidamente. Mas com ela parece que nada é sério, isso me deixa leve, e me fez sorrir pela primeira vez verdadeiramente essa manhã ao ser arrastada pela mão.

Os corredores que antes eram escuros, agora estavam sendo devastados pelo sol. Diminui a velocidade dos passos quando avistei o refeitório, cautelosa soltei a mão de Nicole e a segui lentamente, olhando para os lados, atormentada.

— Relaxa. — Nicole olhou para mim. — Todos já ouviram falar de você aqui, não é como se fosse passar despercebida, né? — Concordei, indo com ela em direção aos pratos e bandejas. Olhares curiosos pousados intensamente sobre nós.

Sentamos o mais afastado possível, bem no canto do enorme refeitório. Não era uma mesa muito habitada pelo que pude perceber, já que a parede onde ela era encostada tinha manchas de infiltração e mofo. A riquinha Couch sentada na mesa podre, foi o que eu ouvi ao me sentar.

Nicole não parecia incomodada com isso, deve estar habituada. Desde que apareci, não me apresentou a ninguém no lugar, talvez não tivesse muitos amigos. Era estranho o fato de ela ser a única menina que não tinha três colegas de quarto ao mesmo tempo. Ou talvez teria sido a única a ter um quarto só para ela, até minha chegada?

– Sabe, tipo, não liga pra elas. Eu diria que em cada local dessa escola elas usam uma personalidade diferente. Hoje é seu jantar de boas vindas, vamos ver que máscaras elas vão usar. – Sorriu maliciosa afastando do prato uma espécie de legume verde.

– Elas costumam falar das pessoas? – Indaguei sem encara-la, movimentando a pouca comida em meu prato com o garfo.

– Quase não falam dos outros, falam mais de mim mesmo. – Ela riu. – A Nicole solitária, Nicole não sei o que, sou quase uma estrela nessa escola. – Não pude deixar de rir ao ver a breve atuação dela.

— Mas o que exatamente falam de você? Te ofendem? — Ela riu, dando de ombros.

— Se for ofensa, nem tô. Só sei que inventam muitas coisas nesse lugar, — Me encarou. — e comigo isso não seria diferente.

— Muitas coisas? — A questionei, mas logo a vi levantar com o seu prato vazio, como se não tivesse me escutado. Olhei em volta e as outras alunas já estavam se dispersando. A segui, imitando seus passos até a saída do refeitório.

Voltamos para nosso quarto em silêncio.

— Assim, você provavelmente vai ter que usar o nosso uniforme. — Só então pude reparar a roupa que Nicole usava. Assim como sua cama, os botões desalinhados e tecido amassado se repetiam. Ela realmente não dava a mínima pro que pensavam dela, e eu achava isso muito intrigante. — Então, eles vão passar aqui uns minutos antes da aula pra te entregar ele, não tem problema se atrasar uns minutos no seu primeiro dia. — Disse, já se afastando e indo até a porta. — Eles chegam rapidinho e depois já levam você até a sala, tá? — Fechou a porta, me lançando um último sorriso.

Agora eu estava sozinha, e mais calma. Ter Nicole por perto forçava-me a usar o péssimo hábito da perfeição, aquele que foi aperfeiçoado em mim pela minha amável família. Logo meu uniforme chegou, pendurado do lado de fora da porta. Vesti a saia preta e a blusa social branca, hesitando ao ter que colocar um colete vermelho sangue.

Ao sair do quarto assustei-me ao encontrar uma jovem séria a meu aguardo. Vestia o uniforme padrão da escola, provavelmente uma colega de aula que veio buscar-me. Ela apenas me olhou e seguiu caminhando. A segui como fiz com Nicole, e como teria que fazer com todos até ter a capacidade de não me perder nesse labirinto nebuloso.

Ela abriu a porta e entrou na sala, indo diretamente para seu lugar, ignorando o fato de que eu estava em seu encalço. Respirei fundo ao ver a professora, assim que entrei na sala, fechei a porta atrás de mim. A senhora me deu um sorriso e sinalizou para que eu me aproximasse ao seu lado na frente.

— Classe, deem as boas-vindas para a Senhorita Anitta Couch. Ela irá nos acompanhar neste início do ano letivo e dentro da Instituição. — Todas ficaram em silêncio após suas últimas palavras. Algumas garotas se entreolharam até seguirem o coro de “Seja bem-vinda” que uma das alunas da frente iniciou. Limpei minha garganta antes de falar.

— Obrigada. — Troquei olhares com a professora, esperando suas próximas instruções.

— Você pode se sentar à frente da senhorita Abrahão. — Meus olhos vasculharam a sala, todas as carteiras estavam preenchidas. Com exceção de uma. A que ficava à frente de Nicole.

Ela sorriu fraco pra mim quando me sentei, retribuí o sorriso e voltei minha atenção até a professora, que já começava a dar seguimento em sua matéria.

A tarde passou lentamente, mal conseguia me movimentar com medo de cair da cadeira ao algo do tipo. Eu realmente não tinha confiança. Porém resisti, meu interior estava firme e concentrado nas aulas.

Meu precioso sol morria aos poucos, mas o entardecer era lindo, vívido no estranho céu nublado. Nicole e eu voltamos para o quarto, exaustas com o primeiro dia de aula. Contudo tinha algo naquela menina que a despertou e a curou de todo cansaço.

– O jantar! – Ela quase gritou. – Temos que nos arrumar, tipo assim, não tem nenhum homem né, mas todas aquelas meninas fofoqueiras... Ai! – Gritou. – Seu vestido deve ser deslumbrante.

– Calma. – Sorri. – Não fui eu que escolhi o vestido, e na verdade o achei meio exagerado.

— Ah, é? Quem escolheu seu vestido?

– Meu pai. – Nicole tomou um leve susto. – Assim como todas as minhas outras coisas.

— Ai, sério? E mesmo assim achou muito chamativo? — Assenti. — Credo, se fosse meu pai que escolhesse o meu, seria tipo uma burca. — Rimos juntas.

O tempo foi veloz, porém suficiente. O sino tocou e já estávamos prontas. Nicole estava trajando um simples vestido preto e longo, com um corte abaixo da cintura, mostrando parte de sua perna. Os braços expostos, desprotegidos do ar congelante. Assim como o vestido dela, o meu também era longo, extenso, caído e condenado a ser arrastado por mim durante toda a noite. O branco profundo dos tecidos era ultrajante, afinal, eu não era uma noiva, nem mesmo estava comemorando algo tão especial que justificasse tal vestido. Mas para meu pai, básico e simples era inaceitável.

Não sei dizer quantas meninas havia naquele salão, mas, ao que parece, nenhuma delas deixou de comparecer. Talvez fosse obrigação, ou até mesmo consideração, mas acho que de qualquer modo aquele evento seria uma ótima forma de se divertir.

— Vem, dá pra gente beliscar alguma coisa enquanto eles não te chamam lá na frente.

— Nicole pegou em minha mão, já me levando para a mesa de aperitivos.

— Me chamar... Na frente? — Ela assentiu.

— Eles vão fazer isso, tipo o que aconteceu na sala de aula. Acontece com todas as alunas transferidas pra cá, então você não vai estar sozinha. — Apontou com o queixo para outras alunas novas no canto do salão.

Eu estava encurralada. Nicole deixou-me sozinha, vulnerável no meio do salão enquanto deliciava-se na enorme mesa de jantar. Parece que eu teria que me apresentar a toda a escola, eu realmente não estava pronta para isso. Logo notei que todos estavam se agrupando a frente de um majestoso altar, e em cima a minha espera, Padre Alberto.

Respirei fundo, como tantas outras vezes, e segui a multidão. Um grupo de meninas enfileiradas ficava na parte baixa do altar, decidi me misturar entre elas. Tudo ocorria bem, os olhares que me lançavam não eram intimidantes, talvez um pouco mais acolhedores. Eu estava, aos poucos, conseguindo relaxar. Mas aquela sensação boa durou pouco, pelo menos até escutar um grito.

Aquilo arrepiou minha espinha completamente, a música parou de tocar, todos se olhavam, tentando descobrir quem havia gritado. Uma pequena multidão se formava em volta da mesa, todos corriam até lá. Mesmo que eu não quisesse me aproximar, fui quase arrastada pelas meninas que se amontoavam, se eu não fosse pra lá, provavelmente seria arrastada.


Quando me deparei com a situação, senti que poderia vomitar a qualquer momento. Uma das freiras, aparentemente, havia desmaiado e caído em cima da mesa de jantar. Seu olhar estava vidrado, a boca entreaberta, metade do rosto mergulhado na jarra de ponche. Muitas meninas ainda gritavam, o padre corria de um lado para o outro. Senti uma sensação ruim tomar conta de mim, não só o enjoo, mas agora um medo estranho. Não conseguia tirar os olhos do rosto daquela mulher, mas eu precisava. Tinha que me afastar daquela multidão, não tive alternativa a não ser correr para fora daquele salão.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?
De presente por terem lido, dou a vocês o nome do próximo capítulo...

—-------------- Marionete!



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