Há coisas que julgamos eternas, como uma promessa ou um hábito nosso – que podem ser quebrados no dia seguinte sem aviso prévio.

 Veja bem,                       

é só que é muito fácil acreditar que algo não mudará nunca. É uma coisa humana, sabe?

 Como quando Leo sentava-se no chão do dormitório que dividia com Elliot, mais um livro deitado em seu colo e aquela expressão plácida em seu rosto.

 Ele parecia tão tranquilo que você nem imaginaria que perturbá-lo em sua leitura seria o mais fatal dos erros, sério.

 Elliot deitaria em sua cama nesses dias, ainda não tão inclinado á fazer o dever de casa quanto o nobre estaria daqui á dez minutos.

 Então ele admiraria Leo simplesmente porque ele podia.

 O moreno não cuidava o mínimo da própria aparência, como seus cabelos negros desgrenhados e os óculos fundo de garrafa que na verdade não eram mesmo necessários.

 Um desperdício. Os olhos dele tinham uma cor tão bonita que por vezes Elliot só queria assistir as luzes douradas que jurava ver dançando na íris escura do garoto o resto de sua vida.

 Levaria isso para o túmulo, mas considerava sua própria aparência – com seu cabelo loiro palha e olhos azuis apagados – muito sem graça em comparação a do amigo.

 Não entendia porque Leo tentava se esconder tanto do mundo.

 Mesmo que dissesse que não é que escondesse, mas que preferia não ver. E Elliot entendia isso muito bem, não querer presenciar os horrores do mundo.

 Achava que não era essa de toda a verdade, mas nunca o pressionou mais afundo. Porque Leo é…

“Elliot”

 O que havia procurado sua vida inteira. Alguém com quem pudesse conversar, mais especificamente, alguém que conseguisse falar com ele, Elliot - e não com Elliot Nightray.

 Em resumo, um amigo.

Algo tão imutável, verdadeiro e irritante quanto ele.

 “O que há?”

 Leo sempre parecia fazer as coisas em seu próprio passo, e por isso nem mesmo fez menção de levantar o olhar de seu precioso livro. Ele virou uma página.

 Elliot poderia jurar que viu o menor dos sorrisos se formar nos lábios do rapaz. Mas não, devia ser apenas impressão.

 “Hm? Absolutamente nada.”

 Elliot estalou, sentando-se bruscamente na cama.

 “HAH?!”

“Silêncio, por favor. Não vê que estou tentando ler? Esperar-se-ia um comportamento melhor do filho de um nobre.”

“QUAL O SEU PROBLEMA?! VOCÊ CHAMOU O MEU NOME!”

 Aquele sorrisinho cínico que não – definitivamente não – era só impressão sua ainda estava ali. O que apenas parecia servir para irritar Elliot ainda mais.

 Ah, se o olhar matasse…

 “Eu estava apenas o encorajando. Você me olhava há mais de quinze minutos, então achei que gostaria de dizer alguma coisa… mas agora acredito que aquela cara de idiota era por estar sonhando acordado ou qualquer motivo estúpido…”

Foi isso.  A gota d’água. Elliot saltou da cama e apontou um dedo acusatório para o amigo de cabelos negros.

 “COM QUEM VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FALANDO?! EU SOU O SEU MALDITO MESTRE E VOCÊ ME DEVE RESPEITO E… NÃO! EU NÃO ESTAVA OLHANDO PARA VOCÊ POR QUINZE MINUTOS EUESTAVA PENSANDO NUMA COMPOSIÇÃO NOVA E FITAVA A PAREDE O MUNDO NÃO GIRA AO SEU REDOR LEO E MESMO QUE ESTIVESSE VOCÊ NÃO SABERIA SE NÃO TIROU OS OLHOS DESSE LIVRO DESDE QUE SAIMOS DA BIBLIOTECA E O QUE TEM DE TÃO INTERESSANTE NISSO MESMO? APOSTO QUE NÃO CHEGA AOS PÉS DE HOLY KNIGHT!”

 Elliot precisou levar uma mão ao peito, de repente sem fôlego pela velocidade com a qual vomitou as palavras. Ele repetiu para si mesmo que não, não estava vermelho até que soasse convincente o bastante para seu corpo acreditar também.

 Vermelho de raiva, claro.

 Não que tenha dado certo.

 “Eu teria que discordar.” Leo fechou o livro e gentilmente o guardou no topo da cabeceira.  A voz sempre calma. “Deixando isso de lado, esse seu comportamento explosivo precisa ser corrigido… e acima de tudo, é necessário que aprenda a mentir convincentemente.”

 “O QUE?!”

 “Infelizmente, alguém em sua posição precisa ser capaz de mascarar suas intenções acima de tudo.”

 Alguém de sua posição. Ele quis dizer como um nobre; um Nightray, sem dúvida.

 Não lhe agradava nem um pouco o prospecto de agir desonestamente.  E era exatamente o que esperavam dele.  Na corte eram todos desse jeito; sorrisos e mentiras doces, puxando cordas nos bastidores e fazendo as coisas com seus próprios objetivos egoístas.

 Nesse tipo de mundo eram poucos aqueles que realmente podiam ter alguém valido de confiança.

 Era apenas o esperado.

 E não gostava de quando Leo o lembrava disto.

 Obrigou-se a sentar na cama de novo, um semblante sério e, se fosse honesto, levemente desolado no rosto.

 “Sabe, Leo. Ás vezes eu acho que você gosta de fazer as nossas posições um tanto quanto claras demais.”

 Justo quando já se tornou tão borrado que eu não preciso mais ver.

 “Eu considero que é de vital importância que você não se esqueça, Elliot. Eu sou seu amigo, mas também sou seu servo.”

 “É mais meu amigo do que jamais será meu servo.”

 Leo sorriu, e era um sorriso verdadeiramente gracioso.

 “Obrigada, embora eu ainda acredite que esse tipo de atitude não lhe fará bem.”

 “Agradeço a sua preocupação,” Elliot deixou claro em seu tom que não apreciava nem um pouco esse tipo de preocupação vinda dele.

 Depois se permitiu sorrir um pouco, cruzando as pernas e tomando uma postura altiva. Havia toda uma áurea de superioridade que só o próprio poderia transmitir.

 “Mas escute, e escute cuidadosamente, Leo. Eis que já tomei minha decisão; e o que eu disse foi a mais pura verdade que há. Eu não pretendo me tornar mais um imbecil de moralidade duvidosa da corte, e tampouco carregar meus atos com más intenções e desonestidade. Usarei o nome de minha família como sempre fiz, com um orgulho inabalável, e com esta minha convicção devo seguir até o dia em que a morte chamar meu nome – e por tal razão digo que você não deve se preocupar.”

 O loiro ergueu ainda mais o queixo e cruzou os braços, pensando em como estar de pé e segurando o cabo de sua espada teria sido melhor para a dramaticidade do momento.

 E foi mais ou menos nesse instante em que Leo começou a gargalhar, debruçando-se no chão mesmo e apertando os braços contra o estômago.

Não seria um exagero dizer que mais ou menos quando lágrimas começaram a brotar dos olhos do moreno, Elliot já estava de pé e com o dedo na cara do garoto enquanto demandava saber o que era tão engraçado.

 E a resposta só veio vários segundos depois, quando, de alguma forma , o servo pode se acalmar.

 “Elliot, você… realmente… é um idiota, não é?”

 “DIGA ISSO NA MINHA CARA!”

 O sorriso cínico resurgiu ao rosto de Leo e uma vontade misteriosa de cometer um assassinato perpassou a mente de Elliot.

 “Perdão, acreditava estar falando ao lado correto. Será que você teria, então, a delicadeza de virar-se para que eu possa ver o seu rosto e-“

 “COM QUEM VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FALANDO?!”

 Era só mais um dia, daqueles tempos que não pareciam se extinguir.

 Existem aquelas coisas que parecem que são eternas;

 Então essas coisas, as coisas eternas… elas devem existir. Não, existem.

 Como o fato de que os olhos de Leo tinham o tom mais lindo, e o fato de que ele era a pessoa que sempre esperou…

 Algo que nunca muda. Statice. Ele desejou que aqueles dias fossem eternos.