A vida fora dos dormitórios de treinamento era tão diferente. Havia agitação, pessoas novas, e havia o palácio. Eu sempre ficara nos dormitórios beeem abaixo do palácio e subir de nível (no sentido real e no literal) era algo extraordinário.

A começar pela vista. Da janela do meu antigo quarto tudo que eu via era neve, um cenário branco e monótono; o mesmo todos os dias. Da varanda do palácio? Eu via as montanhas, cheias de neve também, mas ela parecia um cobertor pálido e fofo que se estendia por muitos quilômetros, nas montanhas e vales ao redor. Isso era se eu olhasse para fora. Dentro, era outra visão de tirar o folego.

A tapeçaria fina cobria cada centímetro do chão na maior parte dos ambientes, até nos corredores. Tons de azul, roxo e vinho se entrelaçavam com os fios prateados em combinações únicas. Nada estava fora do lugar. Cada sala, cada ornamento, cada peça no seu lugar. Eu estava deslumbrado.

Lou, o chefe da guarda real e meu atual mentor, me levou numa espécie de tour, falando sobre o que eu ia fazer e quais eram os lugares permitidos, etc. Não que eu não estivesse me esforçando para prestar atenção, mas é que-...

- Allen você pode focar por cinco minutos? Vai passar o resto dos seus dias por esses corredores, vai ter tempo de sobra para ver tudo. Vai enjoar desse lugar. – Ah, eu achava muito difícil. Mas fiz um esforço e dirigi meus olhos para ele. Fiz uma expressão séria e concentrada.

- Desculpe, senhor. – Ele me olhou com um sorriso compreensivo.

- Tudo bem garoto, escute. Esse aqui é seu novo quarto. Vou dar um tempinho para você se ajeitar aí, me encontre no hall da frente em dez minutos. Consegue se lembrar onde é? – Assenti com convicção. Era um lugar fácil de se chegar, afinal. Era um dos lugares mais bonitos.

Depois que ele se afastou, respirei fundo e virei a maçaneta. Quase não acreditei. Apenas deixe-me explicar. Cresci num vilarejo enevoado num dos vales próximos ao castelo. Despois, quando fui admitido no treinamento especial, dividi um quarto no alojamento com mais três garotos. Eu não estava acostumado com luxo. Mas aquilo...

O quarto era grande, maior do que eu pensara. Tinha uma janela grande, que ocupava quase toda a parede oposta, proporcionando uma vista maravilhosa das montanhas e da neve em volta. E isso por que eu estava numa das alas mais baixas do castelo. Imagine a vista que os quartos da realeza tinham, ou as torres... Mas a parte principal, a que mais me chocou: Só havia uma cama. De casal, maior do que qualquer outro lugar que eu já dormira na vida, no centro do quarto. Era a primeira vez que eu tinha um quarto só pra mim, e nossa, tudo parecia irreal demais.

Me aproximei devagar, em silencio, encantado. Um cobertor azul marinho macio cobria a cama com perfeição, e parecia quase uma heresia bagunçar aquilo, mas... Num impulso me joguei de costas na cama, rindo como uma criança no natal. Era um começo mais que perfeito.

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- E então? O que achou? – Lou perguntou com um sorriso no rosto. Eu estava eufórico.

- Eu adorei! Eu realmente vou ficar sozinho ali?

- É, bem, achei eu você ia gostar de um pouco de privacidade. Bom, sua primeira tarefa é bem simples e pode até ser meio tediosa... Você vai ficar em uma das entradas do palácio vigiando. Eu sei que não parece nada, mas-

- Parece ótimo!

- Que bom que está empolgado assim. O jantar será servido em seu quarto, provavelmente já estará lá quando você chegar. – Era muita mordomia. Eu era da guarda real? Eu me sentia da própria realeza.

Fui para o lugar estabelecido sorrindo como um bobo. Estava frio como sempre e afundei o rosto no meu cachecol preto. Era tudo muito bom para ser verdade. Temia que fosse um sonho do qual eu iria acordar em breve. Olhei os picos das montanhas geladas próximas sentido o vento bagunçar meus cabelos pretos. Não que eles fossem muito arrumados de qualquer forma.

Toquei o cabo da minha espada de lâmina de gelo só pra me certificar que ela estava ali. Estava tudo calmo e não parecia que eu ia precisar dela, mas em todo o caso... Estava assim, distraído pensando em tudo e em nada o mesmo tempo quando alguma coisa me atingiu, explodindo contra minha nuca. Gelado.

- Ei! – Me virei me dando conta que fora uma bola de neve. Olhei atentamente ao meu redor quando enfim, descobri. A figura não estava muito distante, em pé em um dos muros próximos. Devia ser da realeza, notei a roupa de nobre, linho azul brilhante parecendo cetim, diferente da minha malha preta revestida, mas era de manga comprida e parecia quente. Me aproximei e percebi que era um garoto, provavelmente da minha idade.

- Você é o novato da guarda real? – Ele tinha uma voz bonita, quase melodiosa. Os cabelos loiros estavam bagunçados pelo vento frio. Os olhos eram de um azul gelo que combinavam perfeitamente com o resto do lugar.

- Sou. – Estava meio preocupado com ele ali de pé no muro baixo, ele poderia escorregar a qualquer momento e cair no vazio. O castelo ficava no alto de uma montanha, ele nunca sobreviveria. De alguma forma eu não queria que o estranho morresse.

- Não achei que você fosse tão jovem. – Ele comentou com um sorriso. – A maior parte dos novatos que chegam são todos adultos idiotas que ficam me mandando descer do muro. – Ele acabou por descer do muro sozinho, aterrissando na neve à minha frente. Percebi que eu era ligeiramente maior que ele.

- Hm. – Por que eu não sabia mais o que dizer.

- Então, qual seu nome? – Ele perguntou ainda sorrindo.

- Allen. E o seu? – Eu era meio tímido. Ele me olhou de maneira estranha. Franziu a testa. Passou uma das mãos pelos cabelos e então deu um sorriso como se tivesse entendido alguma coisa. Eu que não entendi nada.

- I...an. Ian – Ele disse incerto. – Você quer conhecer o palácio Allen? Posso te levar. Conheço o lugar como a palma da minha mão.

- Seria legal. Mas eu não posso deixar meu posto. – Tentei fazer uma cara séria, mas ele riu.

- Deixa disso, a guarda real está cheia de homens por aí, você é só o aprendiz. Garanto que se for comigo não vai se meter em encrenca. – Desconfiei a princípio, mas a verdade é que eu estava morrendo de curiosidade de conhecer melhor o lugar.

- Tudo bem. – Acho que não seria problema se eu saísse por dois minutinhos...