Ele estava de costas para a porta, olhando para a enorme janela que havia atrás de sua mesa. Eu não podia vê-lo, mas podia imagina-lo com as mãos cruzadas em frente a boca. Sinal claro de que estava irritado. Agora a pergunta chave, por quê? O que eu fiz para irrita-lo tanto? Eu não o vejo no final de semana, só no trabalho, e eu cheguei não faz nem meia hora. É possível que ele esteja irritado comigo?

— Srta. Haruno. — Ele não se virou ao falar e isso me irritou.

Eu não fiz nada, caramba! Por que ele estava falando comigo naquele tom?

— Sim, sr. Uchiha?— Mordi meu lábio inferior.

Eu estava querendo falar mais do que deveria.

Ele virou a cadeira e eu pude ver que realmente estava com as mãos cruzadas, porém ele as abaixou e ficou me fitando pelo o que me pareceram horas, mas foram apenas segundos. Eu já comentei o modo como aqueles olhos parecem ver sua alma?

— O que tem a me dizer sobre isso? — Perguntou empurrando alguns papéis para frente.

Eu me aproximei mais de sua mesa para conseguir ver o que era. Sim, eu estava de pé. Educação para me pedir para sentar, nenhuma, não é?

— São os documentos que o sr. me pediu. — Respondi assim que reconheci os papéis que tinha passado a última sexta-feira inteira organizando.

— E pode me dizer, srta. Haruno, quais são as datas desses documentos?— Ele perguntou no mesmo tom de voz que usa quando sabe que está certo, apenas esperando o funcionário que teve o azar de errar perceber seu erro.

Mas eu não estava errada.

— São do começo deste ano, sr.— Eu respondi prontamente.

— Exatamente. E a srta. consegue se lembrar a quais datas eu estava me referindo?

— O sr. pediu as datas mais recentes. — Ele deu um sorriso quase imperceptível assim que respondi.

Aquele sorriso cínico que ele costuma dar quando ganha algo.

— Então me responda, srta. Haruno, se eu pedi as datas mais recentes, por que nesses papéis estão as datas do começo deste ano? Já estamos próximos ao mês de julho, não acha que já teriam datas mais recentes? 

Ele só pode estar brincando. Quando me passou esse trabalho, ele não me disse que para certos documentos eu precisava ter acesso às senhas!

Eu queria gritar isso na cara dele, mas precisava contornar a situação.

— Eu não tinha as senhas para acessar as datas do mês passado, senhor. E eu pensei que... 

— Eu não lhe pago para pensar. Por que não me perguntou quais eram as senhas? A srta. sabe como usar o interfone que tem em sua mesa, não sabe? Ou, caso isso seja muito difícil, por que não se levantou e veio até minha sala pessoalmente? Acredito que falar seja algo fácil para a srta., certo? Ou então por que não falou diretamente com Temari? 

Ok. Eu estava sem palavras.

Isso estava mesmo acontecendo?

— Não preciso que diga nada. Faz alguma ideia de como o conteúdo destes documentos é importante para o negócio que estou fechando? Se retire da minha sala agora e concerte isso imediatamente. Fale com Temari. Ela sabe as senhas.— Terminou e se encostou novamente em sua cadeira, voltando a olhar para a janela.

Eu me levantei calmamente. Não queria mostrar que fui afetada pela "bronca" que recebi.

Saí de sua sala e fui direto para minha mesa e assim que me sentei Temari parou em minha frente com alguns papéis em mão. Claro que ela já sabia. Eu sorri para ela em agradecimento e ela sorriu de volta.

Peguei os papéis com as senhas e informações que o sr. Uchiha deve ter pensado que eu era incapaz de pensar sozinha e me virei para o computador para começar a trabalhar. Eu havia passado a sexta-feira passada inteira digitando esses documentos, pelo visto ia passar a segunda feira inteira também fazendo isso.

~*~

— Estou indo almoçar, Sakura. Você não vem? — Temari me perguntou.

Foi então que eu olhei para o relógio. 12:30min. Como as horas passaram tão rápido? Eu não estava nem perto de terminar. Parece que ele duplicou o trabalho de propósito. Filho da mãe.

— Acho que não. Estou sem fome, Tema. E tenho que terminar isso aqui. — Respondi sem tirar meus olhos do computador.

— Não devia ficar sem comer. Vai acabar desmaiando. 

Ela não faz ideia de que essa é a menor das minhas preocupações. Eu tenho que terminar isso e esfregar na cara daquele idiota que eu sou sim capaz de fazer qualquer trabalho.

— Não se preocupe, eu dou meu jeito.

Eu adoro a Temari, mas agora ela está me atrapalhando. Vai logo almoçar e me deixa voltar ao trabalho, pensei.

— Se você diz. Eu vou ao restaurante de sempre. Quer alguma coisa? — Ela perguntou chamando o elevador.

— Não, eu estou bem. Obrigada. — Respondi. Ela concordou.— Na verdade, poderia me trazer um pedaço daquela torta de limão?—  Perguntei quando consegui pensar em outra coisa além daqueles malditos documentos.

A torta de limão da sra. Parker era a melhor de toda Tóquio.

— Claro.

Peguei o dinheiro na bolsa e estendi para que ela pegasse.

Então ela entrou no elevador e tudo ficou silencioso novamente. Não que eu não goste de silêncio, mas o motivo deste não me agradava. Eu poderia estar almoçando com o resto do pessoal, os amigos que fiz trabalhando naqueles cinco meses para o sr. Uchiha, mas não. Eu estava enfiada aqui, presa em frente ao computador para terminar algo que o Sr. Metido a Sabe-Tudo se "esqueceu" de me avisar.

Respirei fundo tentando ignorar os protestos da minha barriga e voltei a atenção ao computador, mas, quando ia voltar a digitar, o elevador se fez presente, avisando que alguém estava chegando.

— Por que ainda está sentada? Temos uma hora e meia de almoço, já devíamos estar saindo do prédio

Eu reconheci essa voz e não pude evitar sorrir.

— Sasori.— Sussurrei antes de levantar os olhos para olhar na direção do elevador.

Sasori estava ótimo, para não dizer lindo. Ele havia afrouxado a gravata e segurava o terno na mão.

— Claro. Quem mais teria coragem de vir até o último andar para te apressar?— Ele perguntou sorrindo.

Sasori e eu tínhamos ficado muito amigos. Ele é um dos assessores. Era simpático, atencioso, educado. Todos gostavam dele, inclusive eu, é claro. Ino costuma dizer que ele está afim de mim, mas é uma ideia ridícula. Somos apenas amigos.

— Você é o único que eu conheço que teria tamanha coragem. E eu agradeço, mas não vou almoçar hoje. — Falei para ele.

— Vai passar a tarde toda sem comer nada? Sakura...

— Pedi para Temari me trazer um pedaço da torta de limão da sra. Parker. Além de estar sem fome eu tenho que terminar de editar esses documentos... Não posso sair daqui.— O interrompi porque sabia que ele ia falar o quanto eu estava sendo imprudente e, por favor, eu não precisava de nenhuma babá.

— Você é teimosa. Sei que vai ser perda de tempo tentar te convencer a sair e eu não quero perder tanto tempo assim do meu já escasso tempo de almoço. — Ele comentou e sorriu. Estava brincando. — Mas não aceito que recuse meu convite para que eu te acompanhe até sua casa depois que sair.

Ele vivia me oferecendo carona, mas eu sempre recusava. Não gostava de depender de ninguém e com certeza não queria abusar do fato dele ter um carro, um belo carro.

— Sasori, eu...

— Ah, nem pense em terminar. É a minha condição para te deixar voltar a trabalhar. Ou eu fico aqui e você sabe que nada me impede de ficar.— Ele me interrompeu e eu suspirei. Não teria jeito.

— Ok, você venceu. Pode me dar uma carona.— Eu disse e ele sorriu, me fazendo sorrir também.

— Venho aqui te buscar. — Eu ia retrucar, mas ele me impediu. — Eu faço questão.

— Tudo bem. Sabe que horas eu saio, não sabe?

Tinha que voltar ao computador e para isso precisava me livrar dele. E qual a melhor maneira do que concordar com o que ele está propondo? Eu não sairia perdendo de qualquer jeito.

— Sei. Olha só, foi mais fácil do que eu pensei.

— Só não vai se acostumando. 

— Claro que não. Estou indo então e Sakura?— Eu tinha olhado para o computador e quando ele falou meu nome olhei para ele novamente.— Boa sorte.— Disse e apontou com a cabeça para a porta do sr. Uchiha.

Eu concordei com a cabeça e dei um tchauzinho com a mão para ele, então ele finalmente se foi e eu percebi que a companhia dele era mais agradável do que ficar sentada aqui, sozinha, digitando. Mas eu não poderia pedir para que ele ficasse. Respirei fundo novamente perdendo as contas de quantas vezes tinha feito isso da parte da manhã até agora e voltei minha atenção ao computador.

Estranhei o sr. Uchiha não ter saído para almoçar e ninguém ter vindo entregar seu almoço, mas eu não me importo. Aquele desgraçado podia morrer de fome dentro daquele escritório que eu não ia me importar nenhum um pouco.

14hrs em ponto Temari voltou com a sacola que continha minha torta e finalmente dei ouvidos à minha barriga. Me arrependi de não ter saído, mas agora não poderia comer. Ele poderia aparecer a qualquer minuto e não tolerava que os funcionários comessem fora do horário de almoço.

— Falta muito? — Ela perguntou voltando ao seu lugar depois de ter me entregado a sacola.

— Sim. Acho que vou passar a noite aqui pra conseguir terminar ainda hoje. — Respondi guardando a sacola dentro da minha bolsa.

— Eu acho que essa não é uma boa ideia, sabe? Deixar o coitado do Sasori te esperando.— Ela comentou como quem não quer nada e eu sabia que lá vinha.

— E é claro que você já sabe.

— Ele apareceu no restaurante todo feliz porque você finalmente aceitou a carona dele. — Eu ri imaginando a cena.

— É uma carona, não um encontro.

Mas é claro que todo mundo pensaria que é um encontro.

— Pode até ser, mas o Sasori é um cara reservado. Ele não oferece carona pra qualquer uma. 

— Diferente do sr. Uchiha, não é? - Comentei como quem não quer nada apenas para mudar de assunto porque se tinha algo que todos naquela empresa gostavam de falar era sobre a muito movimentada vida amorosa de nosso chefe.

Que o sr. Uchiha era cafajeste todos na empresa já sabiam, mas ninguém ousava desrespeita-lo então as fofocas corriam soltas e na maior descrição possível. As revistas não pegavam leve, ele estava na capa sempre com alguma modelo diferente. Ou seja, cafajestice pura. Outro motivo de eu odiá-lo tanto. Ele brincava com as mulheres, como se elas não tivessem sentimentos. Se achava realmente o dono do universo. Dá pra acreditar? 23 anos e já estava com essa bola toda.

Entretanto, diferente do que eu esperava, Temari não riu. Ao invés disso, ela ficou séria. Séria demais.

— Ouça, Sakura. Sasori nã...

— Eu não sei se as duas sabem, mas o horário de almoço terminou já faz 10 minutos, então será que poderiam voltar ao trabalho? - O sr. Uchiha a interrompeu, saindo de sua sala de rompante e parecia furioso. — Temari, eu preciso que ligue para o aeroporto e cancele meu voô de hoje. Assim que fizer isso cancele todas as minhas reuniões de hoje também. Enquanto a você, srta. Haruno, já terminou de editar os documentos?

— Não, sr. 

— Então por que não está trabalhando? 

Abaixei a cabeça e voltei a digitar.

Pude ouvir quando ele fechou a porta de sua sala com força.

Nossa, o que aconteceu dentro daquela sala pra ele ter saído tão furioso e descontado sua raiva tanto em mim quanto em Temari? Será que ele ouviu quando falamos dele? Olhei para ela e ela apenas balançou a cabeça negativamente como se dissesse para eu apenas obedecê-lo enquanto falava ao telefone.

Ok.

Pensei em perguntar o que ela ia dizer antes de ser interrompida, mas era melhor não abusar da sorte. Então eu fiz o que ele mandou. Voltei a digitar. Ele não voltou a aparecer e tão pouco tocou o interfone. E é claro que nem eu ou Temari fomos cutucar a fera. Quando deu 18:30min eu já havia terminado e estava arrumando minhas coisas. Temari tinha acabado de sair. Eu só estava esperando Sasori chegar para ir até a sala dele entregar esses benditos documentos. Agora ele não poderia falar que eu fiz algo errado.

— Pronta?— Sasori perguntou assim que saiu do elevador. Eu já estava de pé.

— Sim, só tenho que entregar isso ao... — Não terminei de falar porque ele saiu de sua sala bem nesse momento.

— Imagino que já tenha acabado, não é, srta. Haruno?— Ele perguntou com a voz fria.

— Sim, sr. Uchiha. Aqui estão os documentos.— Lhe entreguei os papéis.

Ele deu uma rápida olhada e então voltou a olhar para mim.

— Acredito que dessa vez esteja tudo certo. Pode ir embora, srta. Haruno. 

— Certo. Boa noite, sr. Uchiha.— Eu tinha que ser educada, não é? — Vamos, Sasori?— Me virei de costas para ele.

— Eu disse que a srta. poderia ir, não o sr. Akasuna.— Eu me virei para ele novamente. O que ele queria dizer? — O sr. Akasuna deve ficar até me entregar os relatórios que eu lhe pedi.

— Mas os relatórios são para semana que vem. — Sasori falou.

— Não são mais. Quero eles na minha mesa até as 22hrs. 

Eu não estava acreditando e Sasori também não. Ele ia falar algo, mas se conteve.

— Certo.— Concordou a muito contra gosto e voltou seu olhar para mim.— Sinto muito, Sakura. Fica para a próxima?— Ele estava se referindo a carona, mas parecia algo mais do modo com que falou.

— Tudo bem, fica pra próxima. — Pronunciei um pouco nervosa.

Não queria que o sr. Uchiha ficasse ouvindo sobre minha vida pessoal, não que Sasori se encaixe no quesito assuntos pessoais.

— Até amanhã. — Ele falou se aproximando e me deu um beijo na bochecha.

— Até.

Eu me virei para me despedir novamente do sr. Uchiha, afinal ele era meu chefe, mas ele estava olhando para Sasori. Não reconheci que olhar era aquele. Fiquei mais nervosa ainda porque obviamente havia algo acontecendo ali entre eles dois e eu não queria ficar no meio.

Passei por Sasori rápido e meio sem jeito e caminhei em direção ao elevador, mas parei quando ouvi aquela voz.

— Boa noite, srta. Haruno.

Eu me virei e ele estava olhando diretamente para mim. Sorri meio sem jeito. Pensei que Sasori viria atrás de mim para ir até sua sala, mas ele apenas ficou parado, olhando para o sr. Uchiha, enquanto este voltava a sustentar seu olhar.

A porta do elevador se fechou antes que eu pensasse em apertar qualquer botão. Nossa, o que foi aquilo?