POV. Sasuke

— Você é um idiota, Sasuke!

 Levantei os olhos dos papéis que lia e encarei a loira que havia acabado de arrombar a porta do meu quarto.

— Pode entrar, Temari. — Ironizei.

A observei estreitar os olhos, uma indicação simples de que aquela seria uma conversa extremamente incômoda e desnecessária para mim.

— Não comece, Sasuke. Você sabe muito bem por quê estou aqui.

 Abaixei os papéis. Com certeza eu não iria terminar aquilo naquele momento.

— Tem razão, eu sei bem por quê você está aqui, o que significa que você já pode ir embora.

 Ela me ignorou completamente e começou a andar de um lado para o outro.

— Você é realmente um idiota. Como pôde beijar a Sakura? No que diabos você estava pensando?

Soltei a respiração lentamente.

Eu sabia que era sobre isso que ela tinha vindo falar, já que a ignorei completamente em Paris, mas agora, de volta a Tóquio, isso era praticamente impossível. Só não esperava que ela viesse tão rápido. Chegamos a apenas algumas horas.

— Eu perdi a cabeça, tá legal?— Respondi irritado. Eu não precisava que ela viesse me lembrar do que aconteceu, eu já estava fazendo um ótimo trabalho sozinho. — Quando dei por mim ela já estava me batendo.

— E com razão! Sasuke, você a agarrou! Eu, sinceramente, estou surpresa por ela ter te dado apenas um tapa.— Ela então parou de andar e me fitou. Suspirou antes de continuar. — Olha, eu te conheço a vida inteira, literalmente, e acho que nunca te vi agir conforme o momento. Você é sempre tão controlado, tão cabeça fria... Você sempre pensa antes de agir. Como foi que ela conseguiu te fazer perder a cabeça?

— Eu não sei.— Temari inclinou a cabeça. Rolei os olhos. — Ela começou a falar do Sasori.

— O quê?— Ela perguntou com os olhos levemente arregalados.

— Sasori. Ele contou a sua versão da história.

 Ela balançou a cabeça.

— Eu não acredito que ele envolveu a Sakura nisso.— Então voltou a andar de um lado para o outro.

Eu bufei.

Isso não era uma surpresa.

— Ele se fez de vítima, Temari.

 Foi a vez dela de bufar.

— Isso não é uma novidade.

Temari era uma velha amiga e ela estava lá.

Ela acompanhou o desenrolar de toda aquela confusão. Ela viu como as coisas aconteceram antes e depois. Crescemos juntos e quando conheci Sasori ela também o conheceu, mas é claro que ele evita falar desse pequeno detalhe já que Temari poderia contar tudo o que ele quer esconder e se ela fizesse isso as pessoas iriam acreditar nela. Ele sabe disso, sempre soube e ela teria contado tudo se eu não tivesse pedido que ela não o fizesse. Keiko merecia um pouco de paz e quanto antes aquela história morresse, melhor seria para todos.

— Eu te falei que ele tinha visto a semelhança. Assim que a vi na entrevista eu já notei, era claro que ele também tinha notado. Até você notou que eu sei.

 Isso não era mentira.

A semelhança estava lá, não totalmente na aparência, mas na maneira de agir e talvez até em algo mais.

— Claro que existe uma semelhança, já discutimos isso e eu nunca neguei, Temari.— Ela se sentou em uma das poltronas que havia no quarto e sorriu, nostálgica

— Lembro quando a conhecemos, ela era tão tímida... Quase não falava e quando falava era sempre tão baixo que praticamente não dava para ouvir. Nunca entendi o que uma garota como ela tinha visto em um cara como Sasori.— Ela fez uma pausa. — Claro que agora eu entendo os motivos que ela tinha.

— Ele vai usá-la.— Falei depois de um tempo emque o silêncio caiu.

Eu não gostava de me lembrar do que aconteceu com Keiko e nem ela.

— Quem? Sakura?

— Sim.

— Você tinha que ter me deixado alertá-la, Sasuke. Faz ideia de como vem sendo difícil fingir que não sei de nada?

Suspirei.

Eu também não gosto dessa aproximação.

Ele está planejando algo e Sakura está bem no meio dos planos dele, seja lá quais forem. Era como se a história estivesse se repetindo e o final da primeira não tinha sido bom.

— Já falamos sobre isso.

— Sasuke! Sakura não é como a Keiko. Keiko se permitiu tudo o que aconteceu e jamais falou com ninguém. A Sakura não é assim. Ela não precisa que continuemos mentindo pra ela para que ela seja protegida, ela não precisa ser protegida.

A considerei enquanto pensava.

Eu sabia que Sakura não era como a Keiko.

Quando a vi pela primeira vez, a semelhança foi a primeira coisa que me chamou a atenção e eu sabia que tinha que contratá-la. Seria a maneira perfeita de a manter por perto e assim me lembrar de como era ter Keiko por perto. Mas, à medida que o tempo foi passando, as semelhanças foram desaparecendo e eu tinha uma mulher teimosa e orgulhosa como secretária, não uma garotinha tímida e dependente.

Eu passei a observá-la, desde o primeiro dia, e a maneira como as pessoas gostavam dela ao conhecê-la era totalmente igual à Keiko. Aquele sorriso tímido... Mas então eu passei a vê-la morder a língua para não falar o que se passava em sua cabeça quando eu fazia algo que a desagradava e, aparentemente, isso acontecia e ainda acontece com bastante frequência. Eu também podia imaginar tudo o que ela pensava ao meu respeito quando me encarava e não desviava os olhos. Ela nunca se sentiu intimidada. Passei a admirar isso nela, cada dia mais. Só que o sentimento de proteção existe. Talvez por eu não ter conseguido proteger Keiko.

— Ela não sabe do que ele é capaz.— Disse.

— Então vamos contar. Ela vai ficar furiosa, mas se explicarmos talvez ela entenda.

Considerei o que ela disse, novamente.

Quando Sakura soubesse a verdade, ela talvez se despedisse e eu não tenho certeza se poderia aceitar isso. Mesmo ela sendo o completo oposto de Keiko, as coisas deixaram de ser comuns com a chegada dela. Deixaram de ser um simples preto e branco e passaram a ter mais cor.

Eu me acostumei com a presença dela.

— Não.

— Sasuke!

— Isso não está em discussão, Temari.— Ela me olhou durante alguns segundos em silêncio.

Eu conhecia aquela expressão.

— Você está apaixonado.— Ela disse por fim e eu soltei uma risada.

— Não seja ridícula.— Ela se levantou e parou na minha frente.

— Você está. Você se apaixonou por ela, Sasuke.

— Eu só vou repetir mais uma vez. Eu não estou apaixonado pela Haruno, entendeu?

— E está na fase da negação. Eu sabia que isso ia acontecer... Eu tenho tentado fazer vocês dois se aproximarem como você me pediu porque assim talvez ela não acreditasse em tudo o que o Sasori dissesse, mas... Caramba, Sasuke. Se apaixonar pela Sakura? Justo pela Sakura?— Estreitei os olhos.

O que ela queria dizer com aquilo?

— Por que justo pela Sakura?

— Fala sério, Sasuke. Vocês dois são completamente opostos. Você detesta barulho e a Saky detesta silêncio, você brinca com as mulheres e a Saky... Ela não merece que brinquem com ela. Sasuke, a Sakura não merece que você a use para esquecer a Keiko.— Apertei os punhos.

— Eu já esqueci a Keiko, Temari.— Disse por entre dentes. — Já faz um bom tempo.— Ela balançou a cabeça negativamente.

— Não, você não esqueceu. Você trás uma mulher diferente pra cá toda noite e você nunca se lembra dos nomes delas depois, você nunca fica com uma mesma mulher duas vezes. Você as usa, Sasuke, e eu sei o por quê. Você a amava e ela morreu, mas eu já disse isso antes e vou dizer de novo: brincar com os sentimentos de mulheres que não tem nada a ver com isso não vai trazê-la de volta. Não vai preencher nenhum vazio do seu coração, só vai piorar tudo.

Já passamos por um discurso parecido, alguns meses depois do enterro de Keiko. É, eu admito que tentei encontrar algo de Keiko em qualquer uma e que não obtive nenhum sucesso nisso, mas voltar nessa mesma tecla?

Eu não estava passando por isso.

Eu não estava apaixonado pela Haruno e não tinha a menor chance de eu por acaso vir a ficar porque ela é, no fim, o completo oposto de Keiko, o completo oposto do que me atrai em uma mulher. A única coisa que eu quero é impedir que Sasori a use da mesma maneira que usou Keiko. Ele já causou mal o bastante para uma família e eu não vou deixar que ele destrua outra.

— Não tem vazio nenhum no meu coração.— Respondi simplesmente. Ela não entendia e eu não ia perder meu tempo tentando fazê-la entender. — Eu te pedi para que me ajudasse a me aproximar da Haruno, já que, como parece que ela me odeia...— Temari me interrompeu.

— Não parece, ela realmente te odeia.

 A ignorei.

— Apenas com o propósito de que pudéssemos evitar que Sasori fizesse algo mais perigoso e só com esse propósito. Só que, como já imaginávamos, ele primeiro quer conquistar a confiança dela e só então vai agir. Nós vamos continuar com isso.— Temari suspirou.

— Por que eu simplesmente não posso contar o que sei?

— Porque precisamos de provas, Temari. Ele não será preso apenas com base no que você disser, a polícia precisa de provas concretas e se você continuar perto o bastante da Haruno para que ela te conte qualquer coisa relacionada a ele, então talvez consigamos algo. Além de podermos impedir caso ele tente algo contra ela.

— Eu continuo não gostando dessa sua ideia. Eu sinto como se estivesse usando a Sakura da mesma maneira que ele a está usando e não é nada legal me comparar a ele.— Ela fechou os olhos e balançou a cabeça novamente.— Ela é uma boa pessoa, Sasuke. Boa demais pra estar no meio disso tudo e não ter sequer noção. Eu posso ter me aproximado dela porque você me pediu, mas eu comecei a gostar dela de verdade. Eu gosto de tê-la como amiga e se ela descobrir... Ela nunca vai nos perdoar.

— Eu não me importo se estamos ou não a usando, não me importo com o fato de que se ela descobrir isso irá afetar a amizade de vocês e muito menos de que ela não irá nos perdoar.— Eu sabia que estava mentindo a respeito da maioria das coisas que falei, mas eu tinha prioridades. — A única coisa que me importa é provar que foi Sasori quem matou Keiko.

~*~

Bebi mais um gole do café preto e amargo que estava em cima da minha mesa naquela manhã. Eu precisava me manter acordado uma vez que não dormi nada noite passada. Depois que Temari foi embora ainda fiquei mais um tempo acordado e quando finalmente fui dormir já passava da meia noite, mas então os pesadelos vieram. Eles tinham diminuído, é verdade, mas não havia uma única noite em que eu não tivesse pesadelos com Keiko.

Só que esse pesadelo foi diferente, Sakura estava envolvida.

Pela primeira vez eu sonhava com Sasori a matando e eu não pude fazer nada, provavelmente resultado da conversa com Temari. Era a mesma coisa que acontecia nos pesadelos anteriores envolvendo Keiko, ele a matava e eu não conseguia salvá-la. Eu acordei suando frio e mesmo depois de lavar o rosto ainda podia sentir o sangue da Haruno nas minhas mãos. Não voltei a dormir porque toda vez que tentava via olhos verdes sem vida me encarando.

Toc, toc, toc.

— Entre, Temari.— Respondi no automático.

Eu havia pedido que ela trouxesse alguns relatórios e ela estava atrasada. Ela sabe como odeio atrasos e mesmo assim parecia insistir em continuar com eles.

— Senhor.— Levantei os olhos da tela do computador ao ouvir aquela voz.

Não era Temari.

Era Sakura.

Ela estava parada ainda segurando a porta, provavelmente em dúvida se devia ou não entrar. Por um momento me peguei observando a forma como aquela saia lápis preta e aquela camisa social branca com o primeiro botão aberto abraçavam perfeitamente suas curvas.

Franzi o cenho ao perceber a linha que meus pensamentos tomavam e ela deve ter interpretado de outra maneira, pois logo se pôs a explicar.

— Temari está ocupada, senhor.— Disse se desculpando. — Mas ela pediu para que eu lhe entregasse isto.— Estendeu as mãos e lá estava os relatórios que eu havia pedido a Temari.

Eu sabia que ela estava fazendo de propósito.

Temari nunca, de forma alguma, iria ficar ocupada o bastante com algo para ter que pedir a outra pessoa que fizesse seu trabalho. Segundo ela, isso era humilhante. E como eu tinha deixado bem claro que iríamos continuar com a ideia inicial, essa era a maneira dela de mostrar que concordava mesmo sem concordar.

Eu não iria estragar isso.

— Certo.— Respondi e indiquei com a cabeça para que ela entrasse.

Relutante, ela fechou a porta atrás de si e caminhou em direção a cadeira em minha frente. Essa seria a primeira vez que ficaríamos cara a cara depois do elevador, sem contar com o avião, em um ambiente de trabalho. Podia imaginar o quanto ela estava desconfortável, mas também sabia o quanto ela era orgulhosa para deixar transparecer.

Eu precisava que ela confiasse em mim.

Beijá-la tinha sido um erro, um erro do qual eu não me arrependia, afinal... Mas ainda sim um erro que podia ter colocado tudo a perder. Eu não podia me esquecer de Keiko, então tinha que fazer funcionar com a Haruno.

Decidido a deixá-la o mais confortável possível comecei a lhe fazer algumas perguntas e pedir sua opinião sobre pequenos detalhes. Obviamente uma atitude completamente diferente da usual, mas eu tinha uma meta e iria alcança-la. Sem perceber, ao final de quase uma hora, ela já estava dando pequenas risadas, sem o aparente desconforto inicial, de alguns comentários que ela mesma fazia.

Parecia quase a vontade.

Já tinha um bom tempo desde a última vez em que eu não via o tempo passar tão rápido no trabalho, mas hoje o tempo pareceu passar rápido demais. Só fui perceber que já era hora de ir embora quando Sakura olhou assustada para o relógio na parede. Dei um pequeno sorriso de canto ao observar seu rosto vermelho, o desconforto de volta ao perceber que também não tinha visto o tempo passar.

Eu confesso que não queria que aquele dia terminasse, quer dizer, aquela foi a primeira vez que passamos tanto tempo dentro de uma sala naquele prédio sem que eu sentisse que ela queria me matar e parecia que tínhamos tido algum progresso e para mim qualquer progresso que pudesse vir a ser útil era importante. Além de que eu tinha visto um outro lado dela naquele dia, um lado que eu confesso que não sabia que ela tinha.

Ela era inteligente em relação a toda aquela burocracia e entendia, talvez até mais do que Temari, sobre tudo aquilo, e isso não deixou de me surpreender. Ao que parece eu me surpreendia cada vez mais com ela. Temari tinha razão ao dizer que Sakura não se parecia nem um pouco com Keiko.

Ao entrar no elevador e esperá-la entrar, Sakura deu uma desculpa de que tinha esquecido algo em sua mesa e disse que eu podia ir. Concordei e ao ter as portas fechadas não pude deixar de sorrir e balançar a cabeça. Ela estava claramente nervosa em entrar em um elevador comigo outra vez. E foi ela quem disso que o que aconteceu não importava.

Quando cheguei ao térreo enrolei por tempo o bastante para que ela também chegasse. Não sabia dizer o por quê. Ela pareceu surpresa ao me ver ali, parado, mas não disse nada. Ao invés disso caminhou para perto de onde eu estava e, ao se aproximar, dei espaço para que ela passasse. Não havia quase mais ninguém ali na recepção, Ten Ten já tinha ido embora.

Ela correu em direção ao meio fio e estendeu o braço chamando um táxi. Engraçado. Eu não sabia que passavam táxis aquela hora, mas então percebi que ela deve tê-lo chamado mais cedo ou pedido para alguém chamar já que ela não saiu da minha sala naquele dia e agora estava apenas sinalizando. Eu estava parado em frente a porta do meu carro apenas observando e ela percebeu. Antes de entrar ela se virou totalmente em minha direção e acenou com a mão.

— Boa noite, senhor.— Disse alto o suficiente para que eu ouvisse enquanto sorria.

Não pude deixar de dar um meio sorriso e acenar com a cabeça.

Sabia que ela tinha visto.

Então, ela entrou no táxi e foi embora. Continuei parado olhando para a esquina onde o táxi tinha virado até que finalmente recobrei a razão e entrei em meu próprio carro. Ao chegar em casa tirei aquele terno, não suportava usá-los, mas era necessário, e fui tomar um banho. Divaguei por tempo suficiente para que não me lembrasse do que tinha feito após desligar o chuveiro e quando dei por mim já estava deitado em minha cama, pronto para tentar dormir. Fechei os olhos com uma imagem do rosto da Haruno em minha mente e com as lembranças daquele dia.

Não tive pesadelo algum naquela noite.