Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 24
Clean




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Limpo

[18:59] 21/12 — Agora, Floresta de Nakanocho

  O cheiro de sangue fresco me fez trincar a mandíbula e forcei a lâmina a abrir caminho pelas costelas do infectado, mas aquilo parecia incitá-lo a continuar se mexendo, a lutar para me atacar. Puxei o cabo do facão com força, até rasgar mais carne e ver o sangue escapando do ferimento; esperei até que aquele par de olhos loucos me vissem para avançar de novo.

  Nos últimos dois dias, eu havia focado todo o abismo emocional dos últimos meses em matar o máximo de infectados que surgisse no perímetro do acampamento, como se retalhá-los feito porcos pudesse trazer Karin e Hanabi de volta. Aqueles movimentos mecânicos – cortar, puxar, berrar, cortar, puxar e arrastar cadáveres – não eram exaustivos a ponto de me fazer desligar completamente, talvez fosse por isso que eu me esforçava tanto em caçar infectados.

  Seis de dezoito, se lembra disso? O número mágico da sobrevivência, se lembra? Estamos perto, garotão, estamos bem perto...

  Arrastei o infectado morto pelas pernas por alguns metros floresta adentro e praticamente paralisei quando percebi que Jun estava agachada na minha frente, um braço abraçava os joelhos, enquanto um dos três revólveres com munição pendia na mão livre; depois de um bom tempo, ela ergueu o rosto sujo. Meu estômago embrulhou quando ela simplesmente cuspiu, sussurrando:

— Ela me disse que não era fraca. Ela disse.

  Meus pés me afastaram dela automaticamente e, só quando tropecei num galho e caí, Jun parecia ter me notado e me visto. Eu ainda mantinha os dedos colados no cabo do facão e minhas mãos tremiam quando Jun se levantou e avançou na minha direção, com os braços pendendo ao redor do corpo e o cano da arma apontando ora para cima, ora para baixo.

— E-Eu... sabia que ela estava mentindo, eu sabia.

— Jun. Fique aí — a minha língua parecia lixa quando consegui articular as palavras e nós dois sabíamos que era eu quem fedia a medo. — Fique bem aí. — Ela não me escutava, já que continuava arrastando os pés e só três passos bastariam para que ela me alcançasse. — Jun — tentei outra vez, mas a minha voz era tão miseravelmente amargurada que mal passava de um sussurro.

  Eu tentava repassar as últimas horas na minha cabeça, tentando encontrar qualquer coisa que explicasse porque Jun estava armada e porque ela despejava aquelas coisas sem lógica alguma, mas não havia absolutamente nada além de um grande bloqueio mental.

— Mas eu ajudei, não ajudei? Eu consegui. E-Eu consegui, oji...

— Fica longe de mim! — Dessa vez ela parou de andar e piscou, como se não soubesse o que fazer exatamente com essa informação. Eu não conseguia parar de tremer e meus dentes batiam com força quando berrei: — Não chega perto, porra!

— Oji-chan?

  Jun arrastou os pés mais sorrateiramente dessa vez e havia um leve brilho de reconhecimento em seus olhos, mas tudo o que a minha cabeça conseguia se concentrar era que Jun mantinha o dedo no gatilho do revólver e ele não balançava tanto enquanto ela se mexia. Dessa vez, ela estava empunhando a arma.

— Mas eu ajudei a mamãe... Eu ajudei.

  O embrulho que eu sentia ao encará-la não chegava perto da ânsia que me fez vomitar quando finalmente assimilei tudo o que Jun havia me dito. Balancei negativamente a cabeça e eu quis me esmurrar enquanto ela cuspia os detalhes, os malditos pormenores do que ela havia feito.

  Eu estava testemunhando a confissão de uma menina de nove anos enquanto vomitava no meio da floresta.

— Ah, merda! Não, não! — Era tudo o que eu conseguia choramingar enquanto escutava os passos de Jun, cada vez mais próximos, e sentia que estava sendo puxado para aquele abismo emocional de novo.

— Oji-chan... Eu estava certa, não é? Ela também era fraca.

    Como uma criança de nove anos sobrevive sozinha na floresta, carregando um bebê nos braços? Encarei os meus dedos enterrados na terra enquanto me forçava a sentar sobre as pernas, a maldita lógica alinhando eventos e explicações na minha cabeça junto com a voz da minha sobrinha; o cabo do facão me pareceu a coisa mais pesada do mundo quando eu o puxei.

  Como é que uma criança de nove anos sobrevive sozinha num mundo como esse? Eu não queria focalizar o rosto de Jun, não queria reconhecer seus traços ou o vazio cruel nos seus olhos quando me forcei a pôr uma mão em seu ombro. Eu queria me curvar e vomitar, fechar os olhos e implorar que ela puxasse a porra do gatilho.

  Uma criança não conseguiria sobreviver sem ajuda. Ela não duraria dois dias se pessoas não morressem. Lá estava a decisão difícil, piscando na minha cabeça como uma luz irritante, ditando exatamente o que eu tinha de fazer nesse momento com Jun.

— Ju-Jun. — O nome dela queimava feito ácido e apertei meus dedos no ombro dela. — Você machucou a sua mãe? — Era desesperador encará-la nos olhos e reconhecer que ainda restava alguma coisa da Jun Uzumaki que eu havia levado para a escola. — Me diz a verdade.

   Apertei o ombro dela e havia menos do que dois passos de distância entre nós, enquanto a respiração dela ficava mais agitada e o corpo dela tremia com força. Você também achava que o mundo era fraco, não é? Achava que todos já tiveram uma chance. Qual é o problema se a sua sobrinha seguiu à risca essa regra? Eu estava desesperado, essa era a verdade.

— Era o único jeito de saber se ela era fraca, oji-chan! Ela... Ela mentiu, ela mentiu, como todo mundo! Porque... — o peito dela inflava conforme a voz ficava mais estridente e cerrava o punho livre, e me odiei por ser capaz de reconhecer que ela estava sendo franca e honesta em cada palavra. — Porque só os fortes ficam bem e os fracos ficam doentes.

— Por que você fez isso, Jun? — Eu queria que ela mentisse descaradamente e me dissesse que eu estava louco, qualquer droga que justificasse aquela versão insana em que Jun era responsável pela morte de duas pessoas. Eu queria mesmo que Jun me olhasse nos olhos e mentisse.

— Porque eu tinha que fazer o certo.

  Ela não havia hesitado, nem mentido.

  Eu queria me convencer de que o barulho de tiro que eu havia escutado era parte de uma fantasia estranha, onde pessoas ficavam contaminadas e passavam a se alimentar de outros seres humanos, mas a dor lacerante no meu ombro me fez largar o facão e os olhos esbugalhados de Jun me fizeram berrar.

  O corpo dela tombou para o lado e eu a abracei com força quando o escutei o segundo e o terceiro disparos; o cheiro de sangue encheu o ar conforme eu corria pelas árvores até alcançar a trilha que levava ao acampamento. Tropecei e rastejei até uma árvore caída, enquanto mais dois disparos ecoavam, um pouco mais a leste de onde eu estava e olhei para os lados, desesperado.

  Os olhos de Jun continuavam esbugalhados e tateei desesperadamente seu rosto, o sangue morno escorria do buraco que a bala havia aberto na lateral da cabeça dela. O rosto dela não expressava nada, enquanto eu a chacoalhava, sem poder abrir a boca e pedir por ajuda.

— Onde você está, Naruto?

  Escutei o barulho dos insetos, alguns pássaros abandonando as copas das árvores por perto e a voz irritada e rouca de Kakashi. Apertei Jun com mais força e me obriguei a ficar de boca fechada quando escutei mais um tiro e a mesma pergunta pela segunda vez; eu me obrigava a acreditar que Kakashi desistiria assim que escurecesse e que os tiros não atrairiam nenhum infectado.

— Eu tenho o dia todo.... E a menina? — Não houve mais tiros dessa vez e escutei a voz insana dele: — Vamos, filho da mãe, apareça! — Tudo o que eu fiz foi ficar parado e esperar. — Eu vou te encontrar, Naruto!

  O barulho do trovão foi seguido pelos primeiros pingos d’água, que logo se transformaram numa chuva densa e forte o suficiente para que eu saísse logo da floresta. Corri o máximo que pude em ziguezague e tentei me orientar até o acampamento; forcei meu corpo até um novo limite quando reconheci a clareira e Shikamaru parado perto da fogueira.

  Desabei assim que avancei mais alguns passos na direção dele e o grito – de raiva, dor, agonia, desespero e toda a merda do tipo -, que estava entalado na minha garganta, finalmente escapava e parecia que tudo doía mais ainda.

  Gritar não era o suficiente para diminuir a dor. Essa era outra coisa que ninguém conta sobre finais de mundo.

[23:01] 21/12 — Agora, Floresta de Nakanocho

  Continue andando, garotão. Você não vai morrer a essa altura do campeonato. É egoísta demais até pra isso.

  A chuva havia diminuído consideravelmente e aquilo contribuiria para avançar, de acordo com Sasuke. Talvez ele tenha dito isso para manter alguma moral no grupo, ou talvez ele seja um desgraçado paranoico que tem razão no final das contas. Essa parte era uma verdade mais amarga ainda, se colocada sob a perspectiva atual.

  Ele tinha razão sobre a Muralha. Ele estava coberto de razão e você nunca deu ouvidos. A marcha foi interrompida com um assobio curto e nossos pés afundaram um pouco mais na lama, enquanto Sasuke e Kankuro tomavam a dianteira. Ele estava certo sobre a Muralha, mas era você quem dava a palavra final.

  Um assobio curto significava movimento estranho à frente, ou apenas infectado, na linguagem comum. Dois assobios curtos queriam dizer que era seguro continuar adiante. Agora dê uma boa olhada ao redor. Abra bem os olhos, garotão, e veja o que as suas decisões trouxeram. Os olhos de Jun continuavam esbugalhados, encarando as copas das árvores, ela parecia uma boneca de pano acomodada nos meus braços, cada vez mais gelada e rígida.

  Foi Ino quem liderou assim que escutamos os dois assobios curtos e avançamos pela água corrente que havia sido formada durante a chuva; havia brinquedos infantis desgastados um pouco mais adiante e reconheci um escorregador e um balanço, no meio de uma construção parcialmente destruída e tomada pela vegetação.

  Uma cerca de meio metro estava enferrujada e dava a noção de que ali deveria ser a parte que delimitava a área de recreação de uma escola ou de uma creche. Passei as pernas pela cerca e meus tornozelos afundaram na terra macia e coberta de folhas e gravetos.

— Nós vamos passar a noite aqui? — Kabuto perguntou pela primeira vez desde que havíamos deixado a clareira e o olhar irritado de Kankuro deixou o rapaz desconsertado. — Quero dizer, não estou criticando, nem nada assim. Eu só...

— Faça algo útil e cale a boca, pivete — Gaara mancou sem tirar o sorriso irônico do rosto e não desviou o olhar de Kabuto, enquanto praticamente cantava: — Doutora Yamanaka, preciso dos seus cuidados. A minha perna continua ruim.

— Cala a boca e anda logo — Ino parecia esgotada quando deu meia volta e parou ao lado de Gaara, o sorriso do ruivo aumentou assim que ele se apoiou nos ombros da enfermeira e mancou até um banco de madeira. — Não force o peso de uma vez, Gaara. Isso não vai ajudar em nada.

  Só me mexi quando Hinata tocou meu ombro com delicadeza e nos guiou mais à esquerda do escorregador, onde a vegetação parecia ainda mais densa à noite. Havia pedaços de concreto largados, como se uma explosão tivesse destruído o que quer que funcionasse ali antes e o telhado desabado era o máximo que eu conseguia distinguir com a pouca claridade daquela hora.

(Lay me down)

   Hinata parou na metade do caminho e pôs as mãos sobre meus dedos rígidos, a forma como ela me olhou era tão pura que eu sabia que, não importava o quanto eu quisesse, jamais estaria à altura dela.

— Eu sei que você não quer soltá-la, Naruto, mas ela vai ficar bem. — A voz dela mal passava de um sussurro, mas eu escutava cada palavra perfeitamente. — Pode soltá-la agora. — Olhei para o rosto sujo e tentei alinhar os cabelos de Jun enquanto a apertava enquanto me ajoelhava e apoiava os pés dela sobre a grama.

  Aquela parte do meu coração que havia inchado quando eu vi Jun sendo apertada por Karin num abraço, no meio desse mundo infernal, agora me sufocava enquanto eu apoiava o tronco e a cabeça dela sobre o chão.

  Caí de costas, como se todo o peso do mundo me puxasse nessa direção, eu sentia que estava sufocando com toda a merda de situação e não conseguiria mais respirar.

— Por favor, não me solte — implorei assim que Hinata passou os braços pelo meu peito e me puxou. Eu tinha medo de não conseguir parar de quebrar se ela me soltasse. — Por favor.

— Eu não vou a lugar nenhum.

  Foi o que ela me prometeu e cumpriu.

[05:42] 23/12 — Agora, Floresta de Nakanocho

   O buraco que havíamos aberto mal passava de quatro ou cinco centímetros, mas era o máximo que conseguimos usando as unhas e alguns pedaços de galhos. Posicionei Jun e tentei cobrir o seu rosto o máximo que pude, enquanto Hinata se ocupava em puxar a terra para cobrir seu dorso.

  Minhas mãos tremiam quando me afastei e encarei o corpo parcialmente enterrado de Jun, eu ainda queria me curvar e vomitar todas as vezes em que me lembrava de tudo o que ela havia confessado e feito.

  Tropecei alguns passos e entrelacei meus dedos nos de Hinata, me forcei a tirar os olhos daquela cova e a girar os calcanhares na direção do acampamento. Cada passo trôpego embrulhava ainda mais o meu estômago e incitava aquela voz na minha cabeça que me torturava, dizendo o quanto de sangue eu tinha nas mãos.

  Olhe bem ao seu redor. Eu não conseguia erguer os olhos dos meus próprios pés e continuei em linha reta.

— Nós precisamos esclarecer algumas coisas sobre ontem, Naruto. — Na minha cabeça, eu havia fantasiado sobre o interrogatório que Sasuke faria e, nessa versão, as coisas ruins seriam causadas por um bando de infectados, e não por uma garotinha. — Você apareceu com a sua sobrinha no colo e disse que foram atacados na floresta.

  Na minha cabeça, o interrogatório acabava nessa parte e cada um se envolvia em sua própria bolha de inércia.

— Você se lembra do ataque? Era um grupo de humanos ou infectados? — A pausa longa e incômoda me serviu para lembrar da primeira regra de sobrevivência, daquele velho mantra: qualquer um que é deixado para trás, não pode ser salvo. Há quanto tempo você deixou Jun para trás? Karin? Todos os que se importavam? — Vocês estavam sendo seguidos? Naruto?

  Precisei de uns longos minutos para controlar parte do tremor, quando Sasuke insistiu:

— Será que você pode nos dizer que diabos aconteceu lá atrás? Tudo o que nós sabemos é que a sua sobrinha estava viva antes de ir te procurar.

— Ninguém está dizendo que você fez alguma coisa — Kabuto tentou emendar, como se pedisse desculpas e eu imaginava que o garoto estava ajeitando os óculos, loucamente, enquanto era encarado pelos outros.

— Não por enquanto — a voz fria de Sasuke me fez erguer os olhos. — Só nos diga a verdade.

— A verdade? — Repeti incrédulo com o pedido e olhei ao redor, gravando feições e observando o acampamento, como se aquilo fosse uma prova da realidade. — Não é isso o que você quer, porque você acha que eu a matei. Está escrito bem na sua testa. — O gosto ácido da bile encheu o céu da boca e trinquei a mandíbula.

— Não foi o...

— Bem, mas do que importa? Eu estava na floresta, lidando com um infectado e Jun apareceu — tentei forçar um tom de casualidade, mas aquilo me desestabilizou ainda mais. — Ela... Ela apareceu e me disse que havia feito. Acredita... Acredita nisso, Sasuke? Ela... só apareceu e me disse.

— O que foi que ela disse? — A voz sombria de Gaara me fez sentir a necessidade de soar mais casual, mas tudo o que consegui foi sentir vertigem e vontade de vomitar.

— Ela disse que... Karin... — tentei enxergar através das lágrimas e acreditar que o amargor desapareceria da minha boca assim que eu despejasse toda a verdade de uma vez. É claro que não funcionou. — Hanabi... Foi Jun quem as deixou morrer. Ela... Ela acreditava que elas foram infectadas porque eram....

— Fracas — A voz de Gaara mais parecia um grito de horror abafado e eu o encarei, esperando qualquer sinal de reconhecimento, mas ele desviou os olhos.

— Espera um pouco, você está dizendo que uma menina de nove anos foi responsável pela morte de duas pessoas? Da própria mãe? — Sasuke se aproximou um pouco e seu tom descrente e enojado era a única coisa que denunciava o que ele sentia. — Você não acha que é....

— Eu também acho essa merda toda repugnante, mas é a verdade! Está aí, mas você não acredita! — Eu oscilava entre a raiva e o asco conforme as palavras saíam. — Jun acreditava que todas as pessoas eram fracas e mereciam morrer por isso! — Tudo saiu numa voz estrangulada demais, que custei a acreditar que era a minha. — Acredita nisso, Sasuke? Alguém acredita nessa droga toda?

  Olhei ao redor, como se alguém fosse erguer a mão ou se aproximar, jurando que acreditava que uma menina de nove anos era responsável a esse ponto. Não seja estúpido. Ninguém quer a verdade.

— E então o que aconteceu depois disso? Você a matou? — Olhei para Kankuro e senti que meu estômago estava revirando mais uma vez, porque eu não sabia até que ponto eu devia contar o que havia acontecido. — Porque é exatamente isso o que todo mundo está pensando nesse exato momento, Naruto.

— Ela levou um tiro na cabeça. Bem na minha frente. — Era difícil soar claro e racional, mas era exatamente o que eu precisava fazer, antes que tudo aquilo me corroesse. — E então eu escutei Kakashi dizendo que ele tinha todo o tempo do mundo.

— Ele está vivo? — Kabuto parecia mais assustado ainda e pensei ter escutado que ele iria vomitar ou fugir depois disso, mas o máximo que o meu cérebro conseguia registrar era que não era a verdade que nenhum deles queria, mas a mesma versão de infectados que levam a culpa que eu queria mais ainda.

— A Muralha foi invadida. — Sakura argumentou num murmúrio. — Não tem como alguém ter sobrevivido.

— El-Ele pode estar vivo. E-Ele não morreria por uma invasão — a voz de Kabuto soava mecânica, mas o horror transparecia mesmo assim. — Ele comanda aquele lugar há tanto tempo, que ele já conhece tudo, el-ele... Foi Kakashi quem atirou? Foi, não foi?

— Você quer que a gente acredite que, depois de ter confessado para você, Jun foi morta por Kakashi?

— Que tal isso: eu peguei a arma que ela estava carregando e estourei os miolos dela — meu queixo tremia e olhei para cada um deles, antes de despejar aos berros: — Que tal essa merda, hã? Ela era a minha responsabilidade! Minha! — Virei o pescoço na direção de Gaara, Kankuro e Kabuto. — O que vocês queriam? Que eu fizesse uma reunião, uma maldita convocação para largar Jun no meio da floresta, encontrar outras pessoas e fazer tudo de novo, hã?

  Ino, Shikamaru e Sakura não faziam mais do que me encarar de volta, enquanto Sasuke e Hinata permaneciam em absoluto silêncio.

— Nós só queremos ser justos com você, Naruto, e entender o que aconteceu.

— Justos? — Me aproximei de Sasuke e senti a velha camada de asco retornando. — Eu admito que não fui justo com você, porque você sempre mentiu, desde aquele maldito hospital. Então vamos ser justos e diga em voz alta que você me considerou culpado assim que eu saí daquela porcaria de floresta com a Jun.

— Eu...

— Não minta, Uchiha! — Gritei e senti o esgotamento físico ameaçando acabar com o que me restava de autocontrole. — Eles perderam tudo! Eu perdi! — Sasuke continuava a me encarar e eu sabia que estava perto de desabar outra vez. — Você quer ser justo, Sasuke? Não minta mais.

— Já chega. Os dois — Sakura interveio e puxou Sasuke pelo ombro, até conseguir uma distância considerável entre nós dois. Shikamaru se aproximou e me afastou em seguida, murmurando que precisávamos conversar. — Nós precisamos de comida e água limpa, não de interrogatórios.

— Se não foi Kakashi, então outro grupo pode estar por aí, matando pessoas — Kabuto falou num tom urgente e desesperado, olhou para cada um de nós à espera de alguma confirmação do que havia dito. — N-Nós estamos vulneráveis demais e expostos demais aqui fora. Nós precisamos de um lugar seguro. — Então ele me encarou por um longo tempo e acrescentou: — E-Eu sinto muito, você não deve estar com cabeça, mas foi o Kakashi quem você escutou, certo? Foi e-ele mesmo, não é?

Aquela urgência estampada nos olhos assustados de Kabuto, a desconfiança clara no rosto de Ino, Kankuro e a acusação velada na postura do Uchiha simplesmente me esgotaram mais do que imaginei que seria possível.

Esfreguei os olhos com força e tentei assumir a postura arrogante, usar as mesmas expressões debochadas e as habilidades teatrais de que eu fazia uso nos momentos ruins, mas eu sabia que seria inútil tentar agir como se nada pudesse me atingir.

— Venha, nós precisamos conversar — Shikamaru me puxou pelo cotovelo e mexi os pés na direção do prédio de alvenaria com tinta desgastada. Encostei o corpo contra a parede e fechei os olhos enquanto escutava os murmúrios, os passos arrastados e sentia o cansaço moer meus músculos. — Me conta o que aconteceu naquela floresta, Naruto.

— Eu acabei de fazer isso — respondi depois de um tempo e tentei acreditar de que aquilo encerraria a conversa. Não seja tão bobo, garotão. É melhor ser mais realista, o que acha?

— Eu sigo as suas ordens porque eu acredito em você, Naruto. Mas agora... Sinceramente, eu não sei em quem acreditar. — O cheiro de tabaco encheu os meus pulmões e, quando tomei coragem para abrir os olhos, enxerguei o cansaço e o medo que estavam estampados nos olhos castanhos de Shikamaru. — Eu estou pedindo que você me diga a verdade, porque eu preciso acreditar em alguma coisa melhor do que suposições e boatos.

Talvez fosse o esgotamento físico e emocional, talvez fosse aquela urgência estranha de que alguém acreditasse em mim. Talvez fosse parte de algum ritual fúnebre ou parte padrão de um interrogatório o que eu estava vivendo: recontar, parte por parte, pedaço por pedaço, o que havia acontecido naquela floresta.

E, talvez, eu fosse a exceção da regra, já que eu não me sentia melhor depois de ter explicado o que acontecera nas últimas horas. Tudo o que eu sentia era pesar, dor, raiva e agonia. Não havia alívio em reviver aquele momento monstruoso, só existia a sensação de fracasso.

— Eu não estou mentindo — ainda havia um bom punhado de desespero na minha voz quando Shikamaru me observou.

— A situação não é a melhor para você, Naruto. As coisas podem sair do controle muito rápido, todo mundo está cansado, com medo e ninguém quer ser racional quando as pessoas começam a morrer — o cigarro continuava preso entre seus dedos há alguns minutos e o rosto cansado dele refletia muito bem as suas palavras. — O que você quer fazer a respeito?

— Eu estou cansado de tomar as decisões — minha cabeça ardia tanto quanto os meus olhos e soltei o ar com dificuldade.

A amostra de autocontrole que eu acreditava que se esperaria de alguém numa posição parecida com a minha simplesmente evaporou quando Shikamaru se afastou. Girei o corpo e apoiei mão direita na parede enquanto cobria meus lábios com a mão esquerda e tentava abafar os soluços e aquela voz quebrada que teimava em romper a minha garganta.

Já deu uma boa olhada no que você fez?

O sentimento de culpa, pura e mesquinha, a impotência e a incapacidade de mudar as coisas, os dedos imaginários e reais que me acusavam – aquela massa espinhosa que me machucava parecia aumentar junto com os soluços baixos e as lágrimas que ardiam nos meus olhos.

Seis de dezoito. Não era o que você queria?


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Notas finais do capítulo

Yo. Alguém?
Sei que tinha prometido a atualização há mil anos atrás, MAS, em minha defesa, eu tinha perdido alguns arquivos da fanfic e levei um tempo até conseguir o fio da meada de novo pra continuar Darker.
Já estou trabalhando, de novo, nos últimos capítulos da fanfic. Dessa vez eu termino, juro.
Ano passado eu meio que me dediquei a terminar NLTM, porque era outra fic que eu estava há anos enrolando (sim, é meu mal, estou trabalhando nessa questão de começar e não terminar). Daí, por milagre, consegui terminar NLTM e voltei pra Darker, que está na reta final.
Se ainda tem algum leitor, obrigada pela paciência.
Sobre o capítulo em si:
— eu tinha imaginado dois finais para a Jun: o primeiro envolvia uma ação mais ativa do Naruto e o segundo foi o apresentado. Meio que não consegui dar cabo da ideia número um, achei pesado demais;
— Kakashi sobreviveu à invasão na Muralha, porque ele é um veterano de guerra e estrategista.
Se alguma parte ficou confusa, corrida, me avisem. Espero que os ares da fanfic estejam mais ou menos iguais desde a última atualização.
É isso por enquanto.
Até mais.
o/



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