People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira
Kristin veio diretamente até onde eu estava, mas não me mexi. Estava estática. Ela parecia... melhor. Mas duas semanas não são nada. E eu ainda estava com medo, embora não gostasse de admitir. Seu cabelo ruiva estava mais escuro, mas estava mais liso e penteado, e ela não tinha maquiagem, o que dava um ar jovem. Nossa conversa foi assim:
-Posso falar com você? Em particular? -Achei que ela ia me matar. Olhei para a senhora Kowki e ela me tranquilizou. Kristin não viria pra cá se não estivesse melhor... do que quer que ela tenha. Ela parecia meio tímida também, então segui ela até o meu -nosso?- quarto. Ela sentou na cama dela e eu fiquei em pé, de braços cruzados, considerando fugir.
-Eu sinto muito pelo que aconteceu.
-Você tentou me sufocar. -Eu sei que estava pegando pesado, mas uma parte de mim acreditava que ela merecia.
-Eu sei, eu estava... fora de mim. Isso acontece às vezes. Eu queria pedir desculpas.
-Tudo bem. -Disse, sem emoção e ela respirou fundo.
-Olha, eu sei que aquilo foi assustador, mas eu estou melhor agora, é só esse remédio que eu tenho que tomar, ele me faz ficar meio doidona. Mas eu prometo que eu vou melhorar e aquilo não vai acontecer de novo.
-Como você sabe? -Sentei na minha cama e olho apreensiva. A menina de quinze anos na minha frente parecia bem mais velha e bem mais cansada.
Quase senti pena.
-Vou parar de tomar. Vou fazer o teste hoje. Disse pra eles que eu tomei, mas joguei fora. -Ela deu de ombros.
-Então você vai dormir aqui?
-Se você concordar. -Ela disse, com remorso, provavelmente achando que eu não concordaria. Mas como aceitei minha loucura, achei que podia aceitar a dela também.
-Tudo bem. -Disse, e ela suspirou de alívio. -Mas se qualquer coisa acontecer...
-Não vai, mas seria bom se você prestasse atenção. -Ela concordou. -E... se alguma coisa acontecer... por favor não conte a eles. Eu imploro. -Sabia como ela devia estar se sentindo. Impotente.
-Tá, claro. -Respondi, e ela sorriu, então voltamos para a sala.
Agora são duas da manhã e ela não para de se mexer na cama. Sei disso porque tenho uma lanterna comigo e ligo na direção dela a cada cinco minutos, mas isso não a acorda. Mas ela estar dormindo não me faz ficar tranquila. Ela pode acordar a qualquer segundo e alguma coisa pode acontecer. E eu não sou idiota pra pensar que eu ia ficar bem: eu não ia. Prometi que ia prestar atenção e tomar cuidado e de certo modo cuidar pra ela não fazer besteira, mas é difícil sabendo que não posso fazer muita coisa. Kristin parecia bem. Desesperada, mas bem. Melhor do que nosso primeiro encontro, nesse quarto, duas semanas atrás. Começo a batucar na parede.Estou acordada e elétrica. Quando ela começa a murmurar incoerente, resolvo sair do quarto. Pego meu cobertor e vou em direção a cozinha (as gavetas são trancadas a noite pra ninguém abrir e, por exemplo, pegar uma faca), mas algo me para. É a luz do banheiro (o que todo mundo pode usar). A porta está aberta e eu me pego a menos de um metro de Perry. Ele está... fazendo a barba. Que esquisito. Ele vira e parece surpreso em me ver.
-O que diabos você está fazendo? -Ele diz, ríspido, mas não dá pra levar ele a sério com creme de barbear na bochecha, então acabo soltando uma risadinha, baixa, pra ninguém ouvir. Sento na cadeira da cozinha, que é de frente pro banheiro.
-Eu que pergunto.
-Você é cega, por acaso?
-Bem, não é todo dia que eu encontro um cara fazendo a barba as duas da manhã, mas com certeza em um mundo distante do meu, isso deve ser normal.
-A senhora Kowki não deixa que eu leve uma gilete pro quarto. Nem que eu deixe os gêmeos ver, então tenho que fazer isso quando ninguém está vendo. -Fico em silêncio, olhando pra mesa. Às vezes esqueço desses detalhes sobre Danny e Dover. É difícil acreditar que eles possam querer se matar. -Você não me respondeu. -Ele diz, terminando de passar a gilete na parte inferior da bochecha. Olho pras roupas dele. Perry de pijama fica... menor.
-Oi?
-O que você veio fazer.
-Não consigo dormir.
-Você nunca consegue dormir, mas nunca saiu de lá. -Olho perplexa pra ele. É verdade, só durmo se tomo o remédio pra dormir, mas na maioria das vezes caio exausta as quatro da manhã.
-Como você sabe disso?
-Você se mexe demais, suspira demais, bufa demais. Essa é uma casa pequena. E você não me deixa dormir. -Quero me matar.
-Eu não sabia.
-Me responda.
-Tenho medo de dormir e ser acordada por um travesseiro tentando me impedir de respirar. -Rio, sem humor nenhum. Ele fica um tempo em silêncio, terminando de barbear o outro lado.
-Bem... aquilo foi mesmo esquisito.
-Uma ótima lembrança pra levar pra vida.
-Pelo menos ela não te matou.
-Me pergunto se fico triste sabendo disso. -A frase escapa e eu não sei se quis mesmo dizê-la, mas agora ela já está solta. Ele me olha, de sobrancelha erguida.
-Você é suicida?
-Não.
-É muito nova pra ser suicida.
-Kristin tem quinze. -Replico. Agora que Perry e eu estamos... conversando normalmente, acho que é seguro perguntar algumas coisas. -Quantos anos você tem? -Ele solta uma risada baixa.
-Você acha que EU sou suicida?
-Me responda. -Imito seu tom de antes.
-Dezoito.
-Ah. -Esperava que ele fosse mais velho. Ele parece mais velho. Mas, se estivéssemos na escola, ele poderia estar praticamente no meu ano. Esquisito. É mais esquisito ainda pensar nisso. Ele finalmente termina de passar a gilete por todos os lugares onde o creme estava, e lava o rosto. Me levanto, desconfortável e puxo meu cobertor.
-Vou dormir.
-Obrigada pelo aviso. -Ele diz, irônico. Por uma fração de segundos, a raiva aparece. Mas ela vai embora, logo depois. Assim como Perry, que passa por mim sem nem me olhar e vai pro quarto, me deixando sozinha em uma casa cheia de gente.
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