People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 27
Palavras


Notas iniciais do capítulo

desculpem pela demora ta aqui desculpem se tá ruim ok e eu vou responder os reviews agora é que eu to completamente sem tempo pra tudo e ughhhhhh espero que gostem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/406053/chapter/27

Decido escrever uma carta para Danny. Sei que, muito provavelmente, ele não vai ler, nem mesmo ver a carta, mas eu tenho que tentar me comunicar com ele de alguma forma. Perry diz que é meio idiota, mas não sou obrigada a ouvir o que ele diz, então peço um envelope para Chris do mesmo jeito. Começo a escrever que eu sinto muito, e que eu espero que ele esteja bem, mas eu paro. Não consigo. É difícil achar certas palavras que expressem exatamente o que você quer que a pessoa leia e saiba que você sabe, e se por tanto tempo eu não consegui me expressar e comunicar o que eu estou sentindo de verdade –que não seja raiva  -é praticamente uma tortura sentar e tentar encontrar palavras certas pra dizer pra ele. Falar é tão mais fácil. Escrever é tão preciso, por você tem tempo de pensar nas palavras e quando pensa demais TUDO parece errado. Estou quase desistindo quando eu vejo Perry passando pela porta do meu quarto. Ele olha rapidamente para onde eu estou, como um reflexo, depois desvia e continua o caminho até o seu quarto.

Sigo ele. Já vi Perry lendo vários livros, mas nunca prestei atenção ao título deles. Mas tenho quase certeza que ele tem algum do E. E. Cummings, ou de qualquer poeta. Sei que se vem de Perry, é bom. Saber disso é estranho, mas é verdade. Ele tem bom gosto. Então entro no quarto dele, onde ele está deitado olhando para cima e digo:

-Você tem algum livro de poesia pra me emprestar? –Ele tira os olhos do teto e me olha. Confuso, surpreso.

-Cansou de Shopenhauer?

-Quero mandar um poema pra Danny. Se eu mandar alguma ideia de Shopenhauer, a coisa não vai ser bonita.  -Respondo, quietamente. Danny ainda é um assunto delicado de se dizer em voz alta, embora seja mais fácil pensar nele e em Dover, na minha mente. Observo Perry ficar tenso, mas ele se senta, desamassando a camiseta azul e se estica até a cabeceira. Depois, faz um sinal para eu sentar do seu lado e eu vou, contando cada passo, até chegar na cama e sentar.  Fico olhando para a porta. A senhora Kowki tem uma regra –quase tão sagrada quanto não atropelar nenhuma vaca (e essa eu já quebrei), que é que nenhum garoto pode entrar no quarto de uma garota e vice versa. Não quero estar em maus lençóis com a senhora Kowki, mas tenho certeza que nada vai acontecer entre mim e Perry e é meio dia. Se fosse a noite, ela até teria motivos para desconfiar de dois adolescentes, mas em plena luz do dia – e sendo os adolescentes eu e Perry –não conta muita coisa. Só estou de vigia, para garantir.

-Tem esse. –Poesia completa de E. E. Cummings. Já devia adivinhar. –É bom. Muito bom. Tem esse. –Ele me estende um livro fininho, com capa divertida: Você Fica Tão Sozinho Que Até Faz Sentido. –Charles Bukowski. E um com poesias avulsas, de autores diferentes. Minha avó que fez para mim. 

-Tudo bem, vou ler, obrigada. -Ele me encara.

-Mais alguma coisa?

-Não. -Levanto. -Só isso mesmo, obrigada. 

-Pare de dizer obrigada toda hora. -Ele resmunga e eu contenho um riso, triste. Sentindo falta de Danny ou Dover, para estarem aqui, fazendo companhia. Percebo que isso deve ser mil vezes pior para Perry em todos os sentidos, uma vez que seu quarto agora está vazio. Nenhum outro residente dorme nesse quarto além dele e isso com certeza deve ser meio sozinho. Se não fosse por Kristin, estaria mais triste do que eu estou agora. 

-Tá, te devolvo depois.

-Sem pressa. Mas se você devolver com um estrago, eu vou ficar bravo. E você não quer me ver bravo. -Dou de ombros, e saio do quarto, indo até o meu. Sendo na cama, e encaro por um tempão todos os livros. Kristin, deitada na sua cama, levanta a cabeça e olha inquisitiva.

-O que é tudo isso?

-Material. Poesia. Pra Danny. 

-Certo, pediu pra Perry? -Digo que sim, e ela se deita novamente. Fico encarando seu cabelo ruivo espalhado pela cama, antes de dizer:

-Você está melhor? 

-Como assim? 

-Desde aquele primeiro dia. Que você tentou me matar. -Nunca falamos disso, nunca falamos dos nossos problemas psicológicos, por assim dizer. Só dos nossos problemas do dia-a-dia. Família dela, a minha, etc. Nunca sobre o surto de remédios ou o problema de raiva.Converso sobre isso com Chris, nas conversações, só. Ela se vira. 

-Sim. Agora que parei de tomar esse remédio horrível, sim. Você ainda tem medo que...?

-Não. Claro que não. Só me passou pela cabeça. -Então, me forço a dizer as próximas palavras: -Obrigada por me fazer companhia. Agora que Danny também foi embora. -Kristin olha surpresa. Por Deus, eu também estou surpresa. 

-Você é uma boa amiga, Emerson. Não tem problema. -Ela responde, delicadamente. Balanço a cabeça, um pouco tímida, mas feliz por ter tido a oportunidade de dizer essas coisas para Kristin, já que não tive a oportunidade de dizer a Danny como ele era um bom amigo. Toda essa situação me deixa mais emotiva, e me lanço na leitura pra me deixar ocupada. Temos a tarde livre para fazermos o que quisermos, e Chris não me obriga a ir para fora, que nem fez nas primeiras semanas. Eu só fico lá, absorvendo o sol da janela, depois o som da chuva, enquanto eu passo pelas páginas dos livros de Perry. Não há dúvidas de que ele leu todos eles. As páginas estão dobradas e riscadas, há palavras sublinhadas, frases, trechos, um poema inteiro. E isso me joga em um exercício quase inconsciente de tentar imaginar o que ele pensou de tão importante quando leu aquilo a ponto de riscar de lápis o trecho. A maioria é sobre a vida, destino, etc. Quase nunca amor, mas os que são, são muito bons. Perry nasceu pra entender poesia. É como se ele vivesse chapado sem estar chapado, de tão além que ele vai na reflexão. 

A dor de cabeça vem quando começa a escurecer, e Perry bate na porta. Dou um pulo na cama e olho pra ele, alarmada e com o coração acelerado por causa do susto.

-Que foi? 

-Isso chegou pra você. -Ele joga um envelope na minha cama. Um envelope grosso, e se lê o nome do meu pai no endereço. Um frio percorre por mim, conforme boto o envelope na mesinha e engulo seco, evitando o olhar de Perry. Sei que ele acha idiota eu estar tão hesitante quanto ao meu pai, e sei que disse que tentaria fazer um esforço quanto a isso, mas não quero ver o que quer que tenha lá dentro com ele olhando. 

-Só isso?

-Como está indo a leitura? 

-Achei uns bons. Estou decidindo. -Ele só balança a cabeça de leve, se apoiando na porta, mas logo se desgruda, indo embora. Volto a ler, ignorando o envelope, e só percebo que estou lendo há três horas diretas, desde a última vez que parei, quando Kristin entra no quarto (nem percebi que tinha saído) e traz um prato com biscoitos pra mim. Perdi o jantar. 

-Droga. 

-Pois é. Mas eles estão bons. Estão aproveite. O que é isso? -Ela pega o envelope. Hesito, mas falo.

-É do meu pai. Não sei o que é. 

-Posso abrir? -Ela espera que eu fique brava. Sei disso, mas simplesmente não estou. Sinto até um alívio, por alguém fazer isso por mim. Concordo, e ela abre. Lá tem um... gravador. Nos olhamos confusa, e ela finalmente aperta o play. 

A voz do meu pai ecoa no quarto enquanto ele começa dizendo que sente muito, e que me ama. Diz que não espera que eu perdoe ele tão cedo, mas que ele vai tentar. Jura que vai tentar, e que está orgulhoso de mim e das minhas escolhas e do progresso que sabe que estou fazendo. Depois, ele fala sobre a mulher com quem vi ele naquela tarde. Seu nome é Kate, e ela é advogada, e eles ainda estão juntos, se eu quisesse saber. Ela gosta das mesmas músicas que eu gosto e os filmes também. Fico com um pouco de raiva quando ele diz isso, porque parece que está tentando me vender a mulher, me forçando a gostar dela. Mas sei que isso vai demorar. Então ignoro até ele mudar de assunto. Ele fala que não deveria ter dito aquilo sobre minha mãe, mas estava com raiva, e é um fato que as pessoas falam coisas que não devem quando estão com raiva. Ele finalmente termina dizendo que me ama mais do que tudo no mundo, e ama minha irmã igualmente, e quer que eu saiba que vai estar esperando por mim, seja o tempo que tiver que esperar, até eu estar pronta para falar com ele. 

E termina. Não choro. Não sinto raiva. Apenas me sinto mais... leve. Como se tivesse finalmente acabado. A raiz do problema. Acabou. Kristin e eu ouvimos de novo, e então ela me dá o gravador, e me deixa sozinha, pra eu processar isso. Mas não há nada pra processar. Simples assim. 

Ao invés disso, volto a todos os poemas que separei para Danny e escolho um. É para um pai, também, mas espero que Danny entenda que é pra ele também. Escrevo o poema em uma folha, sublinhando as linhas "... Evocê, meu pai, aí da sua triste altura /Clame, abençoe feroz em lágrimas minha prece arredia. /Não entre nesta boa noite com brandura. /Ruja, ruja contra a luz que morre e não fulgura.", que são as últimas, e boto o ponto final, agora sim chorando. Espero que Danny goste. Espero que ele entenda e espero que esteja bem. Saio do quarto com lágrimas, mas ninguém comenta nada, todos os que estão na sala. Vou até Chris e entrego a carta. Ele olha o "Para Danny" e concorda com a cabeça. Depois, pego os livros de Perry, e vou até o seu quarto.

-Entra. -Ele diz, e eu abro a porta, deixando os livros na cama, onde ele está sentado, lendo. -Já?

-Já achei o que eu queria. -Minha voz sai rouca, e é óbvio que eu estava chorando, mas Perry faz pouco caso, ou ignora completamente os sinais. 

-Qual?

-Não Entre Nessa Boa Noite Com Brandura. Sei que não faz muito sentido, mas...

-Se pra você faz, então que seja. -Ele pega os livros, e bota eles outra vez na cabeceira da cama. 

-Sei que irrita, mas... Obrigada Perry. -Digo, indo até a porta. Ele me olha, por um segundo irritado, depois suspira derrotado e diz, com a cabeça afundada em um travesseiro, cedendo a minha educação:

-De nada, Emerson. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!