People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 11
Lixo Tóxico




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Meu pai costumava ser bem franco, e sempre falava a verdade. Mesmo quando ela doía. Eu lembro que a última vez que a verdade que ele disse doeu foi um dia depois de eu ter descoberto a amante dele. Eu estava em casa e a Mack me chamou porque ele tinha ido me visitar. Eu não queria vê-lo. Só tinha se passado um dia desde aquilo que aconteceu. Mas ele subiu até meu quarto de qualquer jeito, mesmo depois de eu ter dito que não queria falar com ele. Comecei a gritar pra ele que ele era um pai horrível e um marido horrível e que podia me deixar em paz. Ele ficou furioso. Comecei a gritar. Sem dizer nada, só gritar. Ele estava ficando vermelho. Se levantou e gritou pra mim:

-EU PREFERIA VER SUA MÃE MORTA. -Então dei um soco nele. E ele foi embora. 

Chorei por seis dias. No último dia, ganhei passagens pra uma clínica de orientação no meio do nada. 

***

A verdade dói. E eu quero que Perry saiba disso. Eu estou tão possessa que eu não estou pensando nas consequências do que eu vou fazer agora. Perry está errado. Eu não sou a porra de uma garotinha que não sabe lidar com seus sentimentos e que só sabe chorar. Dou meia volta e começo a correr tão rápido como nunca corri na minha vida. Passo pela ponte, onde não tem mais ninguém e passo pelo grupo que está voltando pra casa. Danny tenta me impedir, mas eu desvio e continuo correndo, cada vez mais vermelha. 

Raiva é tóxica. Disso eu sei. É tipo uma droga. Depois que você fica com raiva não quer mais não ter. Quer ficar cada vez mais furiosa porque isso te deixa entorpecida. Você não sente mais nada. Só raiva. E quando se está triste, tem raiva parece uma boa opção. Não posso dizer que é verdade -que isso é uma coisa boa -mas pra mim, no momento, serve. Corro até meus pés não sentirem mais o chão, e entro por um lado da floresta, passando pela clareira, até ouvir o barulho de galhos e entrar por um caminho e finalmente encontrar Perry. Ele está jogando galhos contra a árvore, mas quando me olha, joga um galho na minha direção, não tão forte, mas eu me desvio. Vou até ele.

-Mas que porra você está fazendo aqui?

-Você estava errado. 

-Foda-se. 

-Não, você vai me escutar -Aponto para ele. As chamas da fúria me consomem. -Você acha que sabe como as coisas funcionam, mas você não sabe. E você é só um hipócrita. Todo aquele papo de "sexo pra aproveitar a vida" é um monte de merda. Você não quer aproveitar a vida. Você quer fugir dela. Sei como o sexo funciona. Você sente coisas demais até não sentir mais nada. Então NÃO VENHA ME FALAR que EU sou a que não tenta aproveitar a vida porque eu não estou fugindo dela, que nem você. Não preciso usar outras pessoas pra tentar aproveitar a vida. A vida é uma merda. A minha vida é uma merda. O que é que você tem comigo? Por que você liga? E dai se eu me matar, o que isso muda na sua vida? Qual é a porra do seu problema, Perry? -Grito pra ele. 

-Não. Grite. Comigo.

-A PORRA DA VIDA É MINHA. 

-Quer xingar? Tudo bem, vá em frente. Eu também sei xingar. Porra. Cacete. Merda. Isso te faz se sentir melhor? -Ele replica, se estendendo e me encarando como se me chamasse pra briga. -A vida é sua. Você pode fazer o que quiser com ela, e eu vou estar aqui rindo de cada merda que você cometer. Por que eu ligo? Eu NÃO ligo. É exatamente isso. Você se acha tão importante a ponto de ter que esclarecer alguma coisa pra mim como se eu fosse me deixar levar por alguma coisa que você disse. Bem, desculpa estourar sua bolha, docinho, mas não precisa deixar claro nada pra mim. Porque no minuto que você for embora, tenho coisas mais importantes pra pensar. -Só fico encarando ele. Encarando tanto que se fosse olhar a laser eu estaria o queimando agora. 

-Primeiro: eu não gosto de deixar assuntos não resolvidos. Segundo: vim aqui para provar que você estava errado. Não dou a mínima se você pensa em mim ou não, quero mostrar que está errado. Terceiro: vá pro inferno.

-Acho que já estou lá. -Subitamente, eu paro. Então o que ele disse entra na minha cabeça e no próximo segundo eu estou rindo. Porque foi engraçado e eu não consigo me conter. Ele me olha como se eu não tivesse cérebro, e eu tento prender a risada, mas não dá. A verdade das palavras dele está quase na cara. Isso é mesmo o inferno. 

-Essa... foi... boa. -Me obrigo a dizer. 

-Você achou que era uma piada? 

-Não, por isso mesmo. Isso aqui é o inferno, então foi engraçado. -Termino de rir, dando pequenos soluços até conseguir respirar normalmente. Acho que não estou mais vermelha. 

Tem alguma coisa seriamente errada comigo. 

Minha raiva foi embora. Perry me olha, com a sobrancelha erguida. 

-Tem alguma coisa muito errada com você. -Ele espelha meus pensamentos. Olho para frente, desviando do seu rosto. 

-Eu sei. -Prendo meu cabelo, deixando o sol que passa pelas árvores penetrar na minha pele. 

-Você já pode ir. 

-Verdade. -Dou meia volta e começo a andar, voltando pra casa da senhora Kowki. 

-Emerson. -Perry diz, alto. Viro.

-Quê? 

-Não quis dizer aquilo sobre você se matar. -Ele diz, mas seus olhos não parecem mais suaves. Ele ainda está com raiva. Só está fazendo isso pela sua consciência. Mas vou aceitar de qualquer jeito. 

-Tudo bem. Pena que eu quis dizer cada palavra que eu disse. -Ele passa a mão pelo cabelo, olhando pra frente.

-É. Eu sei. 

Então volto a andar. 

Quando chego na casa da senhora Kowki, Chris está me esperando. 

-Seu pai ligou. 

-Não ligo. -Entro, e ele assente. A comida está sendo posta na mesa e o cheiro é maravilhoso. Danny me olha de sobrancelha erguida, silenciosamente perguntando o que aconteceu, e Kristin também. Devolvo um olhar que diz "mais tarde" e sento pra comer. Cinco minutos depois, Perry aparece e senta na única cadeira vaga: a do meu lado. Hoje tem risoto. E risoto da senhora Kowki é o melhor que existe. Vence até o da minha mãe.

-Meu Deus, -A senhora Kowki se abana -está um calor do inferno aqui. -Largo meu talher no prato. Depois, a coisa mais surpreendente acontece. Mais surpreendente do que o que aconteceu na floresta, há dez minutos.

Perry e eu começamos a rir. Juntos. 


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