O dia havia sido cansativo....principalmente para quem é um deus e se disfarça em vestes de mortal...o plano era que não fôssemos notados até o renascer de Hades completo. Achava interessante andar pelo vilarejo próximo dali, principalmente para analisar a conduta daqueles seres tão repudiados pelos deuses: os humanos. Vários modos de agir....expressões diferenciadas....algumas frias e arredias e outras tão calorosas e simpáticas....o mundo humano era um misto de contradições, perfeições e imperfeições, mas trazia uma harmoniosa sincronia, que me deixava cada vez mais interessado por aquele lugar.

Uma garotinha passara por mim, entregando-me uma flor. Achei aquilo cômico, eu diria, já que não passava de um estranho para ela, e talvez a futura causa da ruína de seu futuro. Um pouco cansado, sento-me em um dos bancos na praça central, próxima da catedral onde eu sabia que encontraria Hades um dia. Estava apreciando aquele lugar calmo, onde as flores começavam a brotar, como prenúncio da primavera. Perséfone-sama adoraria ver aquilo, se não estivesse em sono eterno por ordens de Hades. É quando uma voz conhecida me tira de meus devaneios:

_ Não sei como consegue ficar no meio de todo esse lixo.... – Thanatos sentava-se ao meu lado, com a expressão de asco. – Se não fosse parte do plano manter as aparências, eu estaria nos campos Elíseos assistindo tudo isto aqui.....

_ Não diga isso, Thanatos....lembre-se das ordens dadas ao nosso senhor Hades antes de reencarnarmos por aqui....ele quer que nos misturemos, encontremos a família em que Pandora e ele nascerão....Somos os responsáveis por todo o andamento desta guerra.... – suspiro, recostando-me no banco para olhar o meu gêmeo – Não é que eu queira ficar no meio deste.....lixo....- um nó em minha garganta se forma quando pronuncio essa palavra. – mas é preciso..... – por um deslize, a flor que estava no bolso de minha roupa aparece. Não tenho tempo de escondê-la, já que Thanatos fora mais rápido que eu ao pegá-la.

_ Não me diga que....Hypnos..... – Thanatos lançava-me um olhar de desprezo, semelhante àqueles que lhe eram de praxe quando falava com humanos. Ele esmagava a flor em suas mãos, arqueando a sobrancelha – Por acaso estás guardando os “presentinhos” dos impuros?? Tenho nojo de você....

_ Tenho de manter a postura que um padre teria, ou não conseguirei informações sobre o paradeiro da família Heinstein.... – olho para meu irmão friamente, voltando meus olhos para algumas crianças que se divertiam ali.

_ Você está se apegando muito a eles....pensa que não senti teu cosmo auxiliar o filho daquela mulher nojenta que veio lhe pedir auxilio? Eu não sou idiota, Hypnos!!!! – Thanatos rosnava, puxando meu rosto com certa força para que eu olhasse para ele. – No que está pensando? Não minta para mim, Hypnos!!Não é de hoje que eu estou te achando estranho!!

_ Thanatos...desse jeito iremos atrair a atenção...-retiro as mãos de meu irmão de meu rosto, virando-o – Não julgue minhas ações....estou calculando tudo para o nosso bem nesta guerra.... – no fundo, eu dizia a verdade....tudo era para o nosso bem, mas não naquela circunstâcia que Thanatos pensava.

Thanatos ainda me olhou mais um pouco, antes de se levantar do banco, observando todos aqueles humanos. Em sua face, eu via claramente um tom de desafio, como aquele que fazia quando queria jogar comigo no xadrez. Comecei a temer aquela expressão, principalmente quando ele a direcionou para algumas pessoas que estavam naquela praça.

_ Espere, Thanatos! Não chame a atenção, principalmente por aqui....podemos colocar os planos de Hades em risco! – olho para ele, repreendendo-o, enquanto depositava minha mão sobre a dele. – Deveria acreditar mais no que digo....não preciso provar nada a ninguém, muito menos a você....apenas observe por minhas atitudes e tirará uma conclusão futura, certo? – o olhava com a expressão mais fria que podia fazer. – Agora, deixe de infantilidades e vamos nos focar em que realmente nos interessa....

Thanatos dava um sorrisinho divertido, negando com a cabeça.

_ Você não muda nada...sempre preso às regras e planos que te sufocam no fim....precisamos de um pouco de diversão também, caro irmão...- eu detestava aquele olhar. Ainda mais quando vi que ele se concretizara com a morte súbita justamente da garotinha que me dera a flor. Foi difícil, para mim, manter a postura fria ali. Thanatos era um idiota completo.

_ Vamos logo.....pelo que ouvi, o herdeiro nasceria nesta noite..... – viro-me de costas, saindo dali e deixando Thanatos sozinho. Era meu dever estar próximo de Hades quando sua alma voltasse à terra. Eu podia sentir que o momento estava próximo de ocorrer, na mansão dos Heinstein, uma família alemã que se mudara recentemente à Itália.

Após andar um bom tempo por ali, sem levantar suspeitas, pude ver aquela aura negra que rondava a mansão, o que me deixava ainda mais preocupado....minha mente deveria trabalhar mais rápido que a de Hades, ou novos problemas surgiriam, ainda mais com Thanatos desconfiando de mim daquela maneira. Pela primeira vez, eu poderia dizer que estava com medo....não seria nada bom cair em desonra frente aos dois deuses que mais considero, apesar de nossas desavenças....Entretanto, fora neste momento que eu sentira um cosmo diferente surgir naquele local.....