Buzinas e sirenes ecoavam por toda parte indicando um trânsito terrível e a possibilidade de algum acidente. Os vizinhos do apartamento de cima estavam brigando novamente, mas dessa vez o motivo era a tampa do vaso ao invés de comida estragada debaixo da cama. Somente um dia qualquer na cidade que nunca dorme. Percy andava impacientemente de um lado para o outro no apartamento enquanto escolhia entre ouvir a briga dos vizinhos ou assistir à novela mexicana “Fuego De Una Pasión”.

–Grover! Ande logo com isso, não temos o dia todo... –Disse Percy quando viu as horas no canto da televisão enquanto zapeava por um programa de vendas. Estavam atrasados. Teriam que encontrar seu irmão, Tyson, em cerca de vinte minutos e Grover ainda estava no telefone. Grover Underwood era um rapaz de 23 anos, moreno, estatura mediana com cabelos e olhos castanhos que era dono do apartamento que dividia com o melhor amigo, Percy Jackson. –Tyson já deve estar na estação...

Grover fez uma careta e disse “Junniper”, apenas movendo os lábios e sem de fato emitir algum som.

–Amor, não é porque te mandei flores que estou te traind... –ele foi interrompido e fez uma careta- Eu sei Junniperzinha, mas eu não sabia que as flores eram laranjadas e-eu... –Sua voz morreu e sua expressão agora era de súplica. –Não, eu não pude escolher as flores pessoalmente, mas a garota da floricult... - Percy deduziu que o amigo havia sido novamente interrompido quando ele parou a explicação. –Querida, eu não usei as flores como pretexto para dar em cima da garota da...

Grover encarou Percy com grande expectativa, como se esperasse uma atitude do amigo, este que revirou seus olhos absurdamente verdes ao entender o que o amigo queria dizer. Junniper era a pior namorada que um homem poderia encontrar, constatou o mais novo. Ele caminhou até a mesa de centro e rasgou uma folha do bloco de notas que ficava ali enquanto o amigo ainda tentava se explicar.

Grover tapou o microfone do telefone de modo que a namorada não pudesse ouvir.

–Cara, por que demorou tanto tempo para reagir?- Percy o encarou rindo e começou a amassar a folha de papel que estava em sua mão.

–N- ‘sigo chrrc te ‘uvir – Mais barulho- Te vejo mais tarde, te amo, beijos! –Terminou Grover falando tão rápido como poderia.

–Cara, quando você vai acabar com isso? –Perguntou Percy . –Essa garota é totalmente pirada...

–Você acha que e assim tão fácil? –Grover o encarou ceticamente- Não posso terminar com Junniper...

–Você gosta dela? –Perguntou Percy franzindo o cenho.

Grover o encarou seriamente. Às vezes se perguntava como o destino pôde permitir que alguém lerdo como Percy Jackson se tornasse seu melhor amigo.

–Você só pode estar de brincadeira... –Percy o encarou ainda sem entender. –Cara, você já viu o histórico de ex-namorados dela? Quatro acabaram em reabilitação depois de “traumas não justificados” e o resto ou teve uma parte vital, se é que você me entende, cortada enquanto dormiam, ou morreram em um incêndio. Aaah, sem contar com aquele que foi esmagado por uma árvore suicida que, misteriosamente, se arrancou de suas raízes para cair justamente na cabeça dele enquanto ele caminhava pelo parque. Coincidência? EU ACHO QUE NÃO!

Percy engoliu a seco.

–Vamos para a estação. –falou por fim. -Precisamos pegar o atalho pelo... –Foi interrompido.

–Sem parques!- Grover disse por fim.

–...parq- Percy revirou os olhos. –Se fôssemos pelo metrô...

–Sem lugares fechados no subterrâneo!

­Mais uma vez, Percy revirou os olhos. Seria outra daquelas longas discussões sobre as esquisitices de Grover.

***

Depois de mais um tempo de discussão e duas horas de atraso devido terem tido que esperar um taxi desocupado –tecnicamente desocupado, considerando que Grover precisou praticamente chutar os passageiros que chegavam enquanto Percy entrava no carro- passar pela rua e dar a volta em todo parque passando o mais longe possível de qualquer arbusto que fosse, chegaram à estação onde encontraram Tyson no lugar combinado.

Tyson Jackson era um jogador de hóquei que acabara de ser contratado pelo New York Rangers e, por esse motivo, estava se mudando para a cidade. Temporariamente moraria com o irmão no apartamento que ele dividia com o melhor amigo. Assim como Percy, Tyson era um jovem bonito e galinha, porém era três vezes maior do que o mais novo.

–Hey peixinho!-Disse abraçando o irmão. Desviou o olhar para Grover que o encarava absolutamente horrorizado com o tamanho do Jackson primogênito... –Hey...?

Grover semicerrou os olhos tentando parecer intimidador.

–Grover-Fique-Longe-Do-Meu-Cereal-Underwood. Mas os meus amigos me chamam de Grover-Quebrarei-Seus-Ossos-Se-Não-Obedecer.

Tyson franziu o cenho como se tentasse processar e hesitou antes de dizer:

–Certo... Mas será que eu não podia te chamar só de Grover e-

Grover percebeu que o gene da lerdeza estava no sangue dos Jackson.

–O que Grover está querendo dizer, Tyson... –Olhou o amigo repreensivamente- é que você é bem vindo pelo tempo que precisar.

***

–Incrível, né?! –Disse Percy ao adentrar o apartamento com irmão ao seu encalço. –Temos cozinha, escada de incêndio, quartos, banheiros... –Apontou para a janela- Vista para outros quartos e banheiros...

Tyson assentiu.

–Obrigado por me deixar ficar na sua casa, cara...

–Você tá brincando? –Riu Percy- Você está nos fazendo um favor! Finalmente tivemos uma desculpa para dispensar Ethan-Sem-Descarga... Foi incrível saber que você viria para o Rangers! Você é meu irmão cara, minha casa é a sua casa...

–Tecnicamente– Disse Grover com a voz abafada e ofegante enquanto passava pela porta com as malas de Tyson. –É a minha casa. E da próxima vez que eu disser “Hey, deixe-me ajudar com as malas!”, –Jogou o peso no chão e colocou as mãos nas costas- vamos tentar “Não, obrigada, eu pego!”.

Tyson olhou para Percy que deu de ombros.

–Você parece um comedor. –Continuou Grover encarando Tyson da cabeça aos pés. –Então só pra deixar claro: O lado esquerdo da geladeira é meu. –Terminou dando um tapinha no peitoral de Tyson e se perguntando se aquilo era mesmo pele, a julgar que mais parecia com uma pedra de mármore.

Toc Toc –Alguém bateu na porta.

–Eu atendo –Disse Percy caminhando na direção da porta -Ahh, vamos lá Grover! - Meu irmão e meu melhor amigo... Não tem como ficar melhor do que isso! Nós três juntos, não há nada que possa nos parar! –Ele sorriu largamente e então girou a maçaneta abrindo a porta. Nada a sua frente. Desceu um pouco mais o olhar e a viu. Dentro de um cesto.

Os outros dois assistiam a cena com os olhos arregalados.

–...Exceto por, talvez, isso. –Disse Grover em resposta. Os três a encaravam sem esboçar reação. Percy engoliu seco e quebrou o silêncio.

–Tem um bebê no meu tapete!

Os outros dois se aproximaram da porta.

–De onde ela veio?-Perguntou Percy estendendo as mãos em direção a menina – isso foi constatado devido a grande quantidade de rosa e purpurina em suas roupas e no cesto.

–Eu não sei... –Disse Grover- Mas quem deixou não deve estar muito longe.

Percy encarou Grover, que encarou Tyson que encarou Percy. O processador de Percy não era dos melhores, o que fez com que ele demorasse cerca de trinta segundos até entender o que o irmão queria dizer com aquele olhar sugestivo.

Então ele passou pela porta e começou a correr. Tipo, muito. Mas não sem antes dizer:

–Fique aí bebê!-E depois para os dois homens que estavam parados na soleira da porta- Garantam que ela não saia daí!

Como se isso fosse possível.

Minutos depois um Percy ofegante entrou no local dando de cara com o cesto onde estava o bebê –que agora estava no sofá- e os outros dois que pareciam brincar com a mesma.

Grover o encarava esperando uma reação.

–Cara... Só pra constar... Pra uma garota que acabou de ter uma filha, ela se move incrivelmente rápido. –Percy que anteriormente encarava a janela, voltou o olhar pra criança- Como ela pôde simplesmente deixá-la aqui? Quero dizer... Mães deviam querer explorar seus filhos quando ficassem mais velhos para se vingarem de todas as estrias e noites mal dormidas e...

–Percy, você precisa se acalmar! –Disse Grover. –Tenho certeza de que ela sequer é sua filha...

Percy sorriu em alívio.

–Exatamente, ela poderia ser sua filha, certo?- Grover olhou para Percy incredulamente e voltou a olhar a criança com olhos muito verdes e pele branca. Totalmente o seu oposto.

–Não mesmo. –Respondeu por fim.

Percy então encarou acusadoramente o irmão.

–Eu?-disse em sobressalto- Eu só estou na cidade há algumas horas! Tipo, eu sou rápido... Mas não tão rápido. –Terminou sorrindo de lado.

–Mas ela não pode ser minha fil-

–Espera, espera! Temos um bilhete, pessoal! - Disse Tyson abrindo o envelope recém encontrado dentro da manta da criança. Percy e Grover se juntaram ao redor do grandão que começou a ler- O nome dela é Emma!

Percy pensou e suspirou aliviado.

–Eu não conheço nenhuma Emma! –Deu de ombros, sorrindo.

–O nome do bebê é Emma!- Tyson se abaixou de modo que ficasse cara-a-cara com a possível sobrinha- Oi Emma!

Grover ainda chacoalhava o brinquedo que achara na bolsa de Emma.

–Hey Percy, eu já te contei sobre a garçonete gostosa que saí chamada Emma? –Percy olhou indignado para o irmão.

–TYSON! –repreendeu- Foco! A mãe! Quem é a mãe?

–Desculpe... –respondeu o mais velho abaixando a cabeça voltando novamente a atenção para o bilhete. –Rachel...

–RACHEL!- Disseram Percy e Grover ao mesmo tempo.

–Claro! –Respondeu Percy colocando as mãos sobre a cabeça.

–Quem é Rachel? –Perguntou Tyson.

–Ela era legal... Artista... –Começou Percy agora andando de um lado para o outro.

–Aquela garota era louca!- Protestou Grover.

Percy deu de ombros.

–Diz mais alguma coisa? –Disse o mais novo para o irmão.

–Hn... Ela sente muito... Não sabia o que fazer... E que só precisa de um tempo...

–Tempo?-Suplicou Percy- Quanto tempo?

Toc Toc

–Cara, essa seria a quantidade ideal de tempo! –Disse Percy correndo novamente para abrir a porta.

–É a Annabeth! –Disse Tyson- Eu liguei pra ela antes enquanto estava lá fora...

–Annabeth? –Percy virou e encarou Tyson- Calças Gordas Chase? –Tyson assentiu sorrindo.

Grover encarou Percy raivosamente.

–Vocês tem uma amiga chamada “Calças Gordas”? –Percy assentiu e Grover suspirou- Aff, definitivamente eu vou marcar a minha comida...

–Annabeth está na faculdade de arquitetura agora... Demorou um tempo, o vestibular é difícil, mas acredite em mim, ela vai saber o que fazer...

Finalmente Percy abriu a porta. Mas se surpreendeu a constatar que a “Calças Gordas” não era mais assim tão gorda. Quer dizer, os olhos cinza e o cabelo loiro continuavam os mesmos, mas a garota estava completamente mudada fisicamente.

–Annie Dick? –Percy disse o apelido de escola da loira que assentiu e respondeu igualmente:

–Chassi de Grilo!?-Sorriu ao final, se voltariam a se tratar como no colegial, não via problemas de chamá-lo pelo velho apelido.

Eles riram.

–Olha pra você! Está linda... –Annabeth sorriu sem graça- Como isso aconteceu?

Ela sorriu desajeitada.

–Talvez eu tenha perdido um ou dois quilos...

–Ou setenta... –ele riu mais ainda abraçando a amiga- Você sentou na minha cabeça e eu tive uma concussão, lembra?

Percy fez sinal para que ela entrasse.

–Grover, Annabeth. Annabeth, Grover... –Grover murmurou um ‘oi’ e voltou ao sofá. Foi a vez de Tyson abraçar a amiga.

–Annabeth cresceu em frente a nossa casa- Disse para Grover- E enchia Percy de porrada todos os dias... –Terminou alargando ainda mais o sorriso.

–Parabéns por aquele negócio de faculdade... –Disse Percy- Não se preocupe, conheço muita gente que demorou a entrar...

Enquanto sorria, Annabeth beliscou Tyson o mais forte que pôde, fazendo-o quase gritar de dor.

–Não acredito que contou isso à ele! –Disse para que só o grandão a pudesse ouvir.

Buááá... –Emma deu sinal de vida.

–Eunãofiznada! –Disse Percy desesperadamente com medo de ser culpado por fazê-la chorar afinal, a culpa era sempre dos mais novos.

–Heey- Disse Annabeth se aproximando e fazendo aquela vozinha que adultos usam com bebês e animais- Não chore princesa, está tudo bem...

–Não vai pegá-la no colo? –Perguntou Percy.

Annabeth franziu o cenho.

–Eu? Vocês veem peitos e pensam “mamãe”? –Os três assentiram veementemente. –Ela revirou os olhos e bufou.

–Okay! –voltou a usual vozinha idiota- Oi bebê! –Retirou-a do cesto e segurou-a maternalmente. –Acredite, eu sei como é assustador acordar em um lugar que não conhece...

Os três homens a olharam de forma maliciosa.

–Só estou puxando assunto! –Disse dando de ombros. Sorriu para a menina e disse –Você está com fome?! Ah sim, aposto que está... Vamos ver o que temos aqui... –Abriu a mochila e não encontrou comida- Isso é tudo o que você tem? Ah, mas não tem problema... Mandaremos esses garotões buscarem comida pra você e- Parou e fez uma careta. –Huh, acho que alguém precisa trocar a fralda...

Percy e Grover se entreolharam.

–Eu vou até a loja! –Disse Percy rapidamente correndo para a porta.

–Claro, estou indo também! –Respondeu igualmente rápido Grover que agora também corria.

Quando Tyson finalmente entendeu que precisava correr para se livrar daquela tarefa tão nojenta, era tarde demais.

Annabeth mais uma vez revirou os olhos. Percy continuava o mesmo, sempre fugindo de suas responsabilidades. E Tyson, ainda era o mesmo lento de sempre... Ela não entendia como ele conseguia ser jogador profissional de hóquei.

–Garotos são tão estúpidos... –Disse à Emma- Sim, eles são... –Ela mesma concordou e Tyson pensou que ela tivesse sérios problemas mentais. Ou talvez estivesse envolvida com drogas...

Definitivamente, eles estavam todos muito encrencados...