A Priori escrita por Moony Lioncourt


Capítulo 1
Capítulo Único




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Dedicado à Nany, melhor amiga e beta-reader do que eu poderia imaginar encontrar algum dia.

E aos vampiros, reais ou não.

A priori, do latim: De frente para trás; anteriormente à experiência; princípios. Do precedente. De antemão.

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A priori

E ela viera tirar meu sono mais um dia. Odeio quando vem assombrar-me de madrugada, quando me sinto miserável demais para fazer qualquer coisa a respeito. Mas é o justo; algumas horas de sono nem se comparavam com o que eu tinha tirado dela. Sua vida.

Lembro-me de quando cravei os dentes na carne tenra e o sangue jorrou, gulosamente fui sugando e suguei até secar completamente as veias dela. Sim, senti um pouco de remorso quando olhei para os olhos sem vida dela, mas me forcei a esquecer.

Essa menina... acredito que ela era pouco mais que isso. Infelizmente hoje as meninas se tornam mulheres cedo. Tinha dezesseis ou dezessete anos, loira e com os olhos da cor do céu.

Solto uma gargalhada. Caí num clichê, mas se estes existem deve ser por muitos de nós cairmos nele.

Voltemos então à história principal. Perdoem-me, pois quanto mais velho fico mais tenho vontade de divagar.

Como já tinha citado, ela era uma bela garota. Eu a vi pela primeira vez num teatro, ela estava com os pais, cujos narizes lembravam o bico de um falcão. Maldade minha, mas estou certo que não fui o único a observar isso. Ela passava a impressão de vulnerabilidade e inocência, e eu já podia sentir o gosto do sangue dela na minha boca. Foi quando ela se sentiu observada e olhou para mim, analisou-me por um breve momento e sorriu para mim. Devo ter deixado transparecer o meu espanto e ela riu. Achei fascinante, já que naquela época não era comum uma conduta daquela em uma menina-moça. Naquela noite não pude me alimentar dela. Nem nas semanas seguintes. Eu a segui durante todo esse tempo. Sinto vergonha de admitir isso, mas eu o fiz.

Toda vez que ela me reconhecia sorria para mim novamente. Ordenei a mim mesmo acabar com aquilo e logo a oportunidade surgiu. Numa festa oferecida pela sociedade deixei-me vislumbrar por ela e saí para o jardim deserto. Logo ouvi passos me seguindo. Então sorri sozinho.

Afinal acabei com aquele comportamento ridículo e prevaleceu meu instinto de sobrevivência. Sou demasiado egoísta para me sacrificar por qualquer coisa que seja.

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Pode um monstro como eu sentir culpa? Talvez.

Aquela dose mínima de humanidade que sobrou depois de tantas décadas ainda me tortura com o remorso por tirar vidas inocentes. E lá vem aquela vozinha chata na minha mente: Por que não matar os malfeitores?

Porque o sangue deles ainda carrega todos aqueles sentimentos ruins, inúteis e contaminam ainda mais a minha atormentada alma.

Esta seria minha resposta hipócrita, a verdade: O sangue dos pequenos e inocentes é mais saboroso.

Correção: Minha alma se perdeu há muito tempo atrás, quando, usando um eufemismo, me associei ao clube. Não gosto de lembrar daquela época que passei a me reunir com outros vampiros e juntos cometíamos atrocidades, orgias de sangue. Me desassociei assim que tive chance e essa provou ser a decisão mais acertada. Pouco depois que saí, o clube foi incendiado por um bando de humanos revoltados. Não fosse o pesar pelos vampiros que conheci teria rido da ironia. A presa põe fim à vida do caçador.

Assim gosto de pensar sobre mim e os de minha raça. Caçador. Dramático, não?

Agora surgiu-me a lembrança de como me tornei o que sou. Quero compartilha-la com vocês.

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Fui convidado por alguns amigos naquela época a ir festejar o carnaval em Veneza. Até hoje posso sentir: a música, a dança, os cheiros e as mulheres. Ah, as mulheres! Modéstia a parte, desde aquela época minha estatura de quase um metro e oitenta, meus olhos azuis e meu cabelo cor de piche causavam uma ótima impressão. Ah, se causavam! Eu avistara uma bela e provocante jovem que tanto me encantou que me fez segui-la pelas vielas escuras de Veneza. Achei que a havia perdido, quando senti seus bracinhos gelados envolvendo meu pescoço atrás de mim e seus lábios tocando a parte mais sensível, me causando arrepios. Mas antes que eu pudesse raciocinar melhor, ela me mordeu e depois não me lembro de muita coisa a mais.

Acordei ali mesmo pouco antes do amanhecer e pensei estar de ressaca pelo tamanho do mal estar que sentia.

Aquela hora eu ainda não tinha idéia do que me esperava. É risível como os jovens são tolos. Só quando se é muito mais velho pode-se olhar para trás e rir de nossas confusões.

Ah, bem. Retomando, me assustei tremendamente quando o sol começou a queimar gravemente a minha pele. E quando não conseguia manter no estômago nada mais que sangue. Comecei a beber o sangue de vacas, sempre tomava o cuidado de matar nenhuma para não chamar atenção sobre mim. Como digo, um vampiro descuidado é um vampiro morto. Fiz assim até que uma peste atacasse todos os animais, inclusive as vacas. Fiquei cinco noites em jejum pois não encontrava nada o que comer. Escondi-me no estábulo desesperado de fome e então entrou ali um rapaz, um cavalariço, nem pensei e já estava sobre ele bebendo seu sangue. A partir daí não parei mais.

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E como dizem: o resto é história. Já é quase o crepúsculo e irei me alimentar.

Por favor leitor, não fique imaginando que eu fico remoendo todo dia a culpa por beber sangue humano, pois não é verdade.

Não quero e não vou parar, digam o que disser.

Apesar do meu corpo não envelhecer, a minha mente se sobrecarrega com o peso dos anos. Já me alonguei demais nestes reflexões e por isso me despeço agora.

Um beijo sangrento.

Seu, Valerius


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Notas finais do capítulo

Eu adoro vampiros, e apesaqr de preferi-los mais ao estilo do Lestat, não pude resistir à escrever sobre um vampiro mais melancólico.