Tinha acabado de chegar do treino de quinta-feira. Estava sozinho em casa. Almocei e arrumei uma mochila pra mim com coisas pra três dias. Se isso é loucura? Talvez... Mas nem ligo.

Deixei um bilhete, avisando que tinha ido viajar, colado na geladeira. Fui até a parte de trás da casa da Alice. A janela ainda estava fechada, mas não trancada. Abri uma fresta e vi que ela ainda dormia. Olhei no relógio do meu celular. 15h30. Pulei a janela dela e liguei a luz. Ela resmungou alguma coisa que não consegui entender. Alice dormia com o urso que dei pra ela no dia do parque. Sorri.

- Alice, acorda. - Falei sacudindo o braço dela.

- Que?

- Acorda. A gente vai sair.

- Me deixa dormir!

- Já viu que horas são?

- Tá fazendo o que aqui?

- Vou te levar pra sair.

- Não pode ser mais tarde?

- Não. Arruma uma mochila com algumas coisas. - Ela sentou na cama.

- Enlouqueceu de vez?

- O que tem?

- Você quer que eu vá viajar do nada?

- Mais ou menos isso.

- Falou com a minha mãe?

- Não. Eu pulei a janela. - Ela ficou olhando pra mim. - Não tenho culpa se você não tranca. - Ela levantou e foi pro banheiro. Mordi o lábio. Impossível resistir a curiosidade de olhar pra ela de pijama.

- Pra onde a gente vai? - Ela perguntou quando saiu do banheiro já arrumada, de banho tomado.

- Sei lá. - Ela ficou olhando pra mim.

- O que você quer com isso?

- Isso o que?

- Fazendo o que tá na lista. - Mordi o lábio novamente. Isso não é só porque eu to afim dela. É porque... Não sei explicar.

- Não tem que ter um motivo.

- Tá brincando comigo?

- Olha, eu não sei. Mas... É bom, não é?

- Mas o que você ganha com isso? E, principalmente, esse terceiro desejo... É loucura, Andrew.

- E daí?

- Essa é sua resposta pra tudo?

- Pra coisas desse tipo, sim. - Ela parou de olhar pra mim e foi até o guarda-roupa, pegou uma mochila e começou a colocar umas roupas dentro. Quando terminou, ela parecer pensar em algo.

- O que eu coloco no bilhete pra minha mãe?

- "To viajando com o perfeito e gostoso do nosso vizinho. Volto domingo". - Ela riu.

- Não posso mentir pra ela. - Ela escreveu o bilhete e deixou em cima da cama. Peguei.

"Mãe, o idiota do Andrew me convenceu a viajar com ele. Fica calma. Eu to bem e ainda tenho a consciência no lugar. E relaxa porque não vai acontecer nada de mais. Qualquer coisa, me liga. Te amo.

Alice."

- "Idiota do Andrew"... Idiota é você, garota. - Empurrei ela sem muita força. Ela me empurrou de volta. - Pegou dinheiro? Porque minha mesada tá acabando.

- Peguei. - Pulamos a janela e entramos no meu carro.

- Sem rumo? - Ela perguntou assim que eu liguei o carro.

- Sem rumo. - Respondi sorrindo.

(...)

- Não vai querer nada? - Perguntei pra Alice. Tínhamos parado pra abastecer. Já fazia quase três horas que tínhamos saído de casa. Ou até um pouco mais.

- Eu to começando a ficar com fome.

- Quer comprar salgadinho?

- Vou lá comprar. - Estendi o dinheiro pra ela. - Eu trouxe o meu, esqueceu?

- E o que tem? - Ela sorriu.

- Já volto. - Alice disse, pegou a bolsa dela e entrou na lojinha que tinha ali. O carro terminou de abastecer e eu estacionei na frente da lojinha. Tranquei o carro e entrei na loja indo atrás dela. Logo depois, meu celular começou a tocar.

- Alo?

- Onde é que você tá?! - Meu pai berrou no meu ouvido. - Quero você em casa em meia hora!

- Isso não é possível. E eu to bem.

- Você enlouqueceu?!

- Pai, eu to bem.

- E eu ainda tive que escutar da sua mãe! - Ah, tá explicado o "surto de preocupação".

- Por que ela não me ligou? - Disse chegando do lado da Alice. Ela me olhou confusa. Falei sem voz "meu pai" e ela fez um gesto de tinha entendido.

- Porque a culpa é minha, como sempre! Não interessa se você tá perdido ou sei lá o que, juro que te deserdo se você não chegar hoje! - Ele desligou. Ri, fazendo Alice me olhar de novo.

- O que ele falou?

- Que se eu não voltar pra casa hoje, ele me deserda. Sua mãe ligou?

- Ela tá quase tendo um troço. E ela quer falar com você.

- Tudo bem. Qual o número? - Alice arqueou uma sobrancelha.

- Se eu fosse você, teria medo dela.

- Um pouco só. - Ela me passou o número e chamou poucas vezes. - Senhora Mendler? - Perguntei quando ela atendeu.

- Vocês dois enlouqueceram?! - Por incrível que pareça, ela não estava tão nervosa quanto meu pai. Parecia quase calma. Ou tentando ficar.

- Estamos bem. - Ela respirou fundo.

- Alice tá do seu lado?

- Tá.

- Quando vocês vão voltar?

- Acho que no domingo de tarde já estamos aí. - O telefone ficou mudo por mais de um minuto. - Senhora Mendler?

- Andrew, eu to confiando em você. Pelo amor de Deus!

- Não vai acontecer nada de ruim. Ela vai te ligar todos os dias. - Alice olhou pra mim com os olhos arregalados e me empurrou com força. Mostrei a língua pra ela.

- Promete pra mim que vocês não vão fazer nenhuma besteira?

- Prometo, senhora Mendler. Vamos ficar bem.

- Sério, Andrew, cuida dela pra mim!

- Fica tranquila. Ela vai voltar inteira.

- To confiando em você!

- Tudo bem... - Desliguei. Alice ainda olhava pra mim.

- "Ela vai te ligar todos os dias". - Ela disse imitando minha voz. - Vá a merda, Andrew! - Ri.

- Relaxa. - Finalmente passamos no caixa e saímos do posto. - Falta pouco pra chegarmos até Toronto. - Disse já dirigindo. Ela se mexeu desconfortável no banco. - Tá tudo bem?

- Claro. Por que não estaria? - Dei de ombros.

- Tava pensando... Podíamos passar essa noite lá.

- Não.

- O que tem?

- Em Toronto não.

- Tudo bem. Em Toronto não. Então, onde?

- Qualquer outro lugar. - Ela aumentou o volume do rádio, me impedindo de fazer qualquer outra pergunta.

(...)

Pegamos um quarto só em um hotel barato de Toronto porque fica mais barato ainda. E sim, resolvemos passar a noite aqui após uma pequena discussão:

Abaixei o volume do rádio. Ela não olhou pra mim.

- Por que não Toronto? - Perguntei.

- Qual o seu problema com aquela cidade?

- Não. Qual o seu problema? - Ela bufou. - E eu gosto de cidades grandes. - Alice revirou os olhos.

- Morava lá antes. Só isso.

- Ainda não vejo problema. É só uma noite, Alice. Uma noite!

- Mas que caralho, Andrew! - Ela gritou. - Já que você não quer parar de encher o saco, uma só noite! Quando a gente acordar, vamos embora daquela merda!

É... Ela ainda tá puta comigo.