The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 25
Capítulo 24 — Despedindo




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Despedindo

ACORDEI E RECONHECI O TETO DO CONSULTÓRIO DE DOC.

Também reconheci rostos pairando sobre o meu. Todos pareciam tristes. Jeb, Doc, Mel, Peg, Ian e Jamie.

Por sorte, eu reagia bem à dopagem e logo minha cabeça estava clara e firme, e consumida por um sentimento de traição.

—Ashley... —Sussurrou Jamie.

Ashley... Sussurrou Bruma.

—Por que você está fazendo isso comigo? —Sussurrei. Jamie percebeu que não era para ele e se afastou, junto com os outros, me deixando falar com Bruma sozinha.

—Eu preciso. Sinto muito.

—Não é justo!

—Se tem algo que eu aprendi nesse planeta, Ash, é que ele não é justo.

—Você está certa.

—Estou. —A voz dela não estava convencida. Estava tão triste quanto a minha. —Mas eu não posso viver aqui para sempre, Ashley, por mais que eu quisesse. Eu atrapalho sua vida.

—De modo algum, Bruma. Você é o que mantém viva.

—Não. Você pensa assim, mas não é. Existem vários motivos para eu ter que lhe deixar... O primeiro é que eu amo muito você, Ashley, e quero que você seja feliz sobre total controle do seu corpo. Eu influencio suas ações, não lhe dou livre arbítrio.

—Mas isso é bom. Eu não posso viver por conta própria, eu faria besteiras.

—Você é humana, Ash. Precisa estar por si mesma, precisa viver.

—Mas você não me atrapalha, em momento algum.

—Estou lhe atrapalhando agora. Não vê?

—Não. Não. Isso é mentira.

—Então por que você foge de Jamie?

—Eu não consigo ver de outra forma do que meu amigo. E ele é um traidor.

—Resposta errada. Você foge por que sente algo por Ian. E fui eu quem lhe dei isso. Por minha causa, você não fica com Jamie e não pode ficar com Ian. Não quero isso para você.

—Mas...

—E seus pais nunca teriam sido tirados de você se não fosse minha espécie.

—Você não pode se culpar pelo que sua espécie fez... É o que fazem.

—Você odiava Almas. O que lhe fez mudar tanto sua maneira de pensar?

—Você fez. Eu não posso odiar Almas quando amo uma delas, Bruma. E é por isso que eu não vou deixar você partir. Por que eu amo você, e não posso perder mais alguém que amo. Não posso.

—Se me ama, me deixe ir. Eu também amo você, mas preciso seguir em frente.

—Isso é só por causa de mim?

—Principalmente.

—Tem haver com Ian também, não é? Eu sinto isso vindo de você. Você quer fugir dele.

—Eu não aguento ficar tão perto dele sabendo que ele nunca será meu.

—Você mudou tanto desde que foi colocada no meu corpo...

—Você também mudou, Ashley. Virou uma pessoa melhor.

—E você ficou forte.

—O amor faz isso, Ashley. Ele muda as pessoas para o que elas precisam ser. Você precisa ser melhor, para viver em paz com sua família na Terra. E eu preciso ser forte o suficiente para partir, ir para outro planeta e começar uma vida nova. Mas eu nunca vou esquecer vocês. Nunca. Vocês são minha família na Terra. Mas eu preciso de algo mais...

—Mais sólido. Você não encontrou sua casa ainda, Bruma.

—Na verdade, eu já havia encontrado...

—Ah. Chama.

—Quando eu o perdi, desejei poder parar de viver. Queria ficar dentro daquele corpo hospedeiro e morrer junto com ele. Não quis ter filhos, para que eles não partilhassem das minhas dores. Mas os Curandeiros me enviaram para cá, crentes que as fortes emoções desse planeta substituíssem aquelas outras.

—Funcionou?

—Sim. Elas foram substituídas, mas...

—Entendi. Ian e Peg.

—Por isso, eu quero ir junto com Chuvisco para o Mundo Cantor. Quero ter uma vida bonita, apenas voando e ouvindo lindas melodias que paz. E eu não verei, Ashley. Terei sempre em minha mente o azul cobalto e o céu estrelado. Sempre poderei imaginar minha antiga vida, e me contentarei com as lembranças. Para uma Alma, as lembranças são tudo que temos. Deixe-me ir com minhas lembranças.

—Eu vou sentir muito a sua falta.

—Eu também. Mas você é tão forte.

—E você é tão boa.

—Por sorte, nós ensinamos uma à outra.

—Eu quero lhe dar algo.

—Ash... Eu não posso levar nada, sabe disso.

—Você quer lembranças, Bruma, por que elas são as coisas mais importantes para você. Eu vou lhe dar uma lembrança.

—Do quê está falando?

 Sentei-me no catre, encontrando todos amontoados no canto do consultório.

 —Posso falar com Ian por um momento? Sozinha?

 Todos se entreolharam, e Ian assentiu com a cabeça. Todos saíram, e Ian caminhou até mim e ficou na minha frente, apoiando uma mão de cada lado do meu corpo do catre.

 —Precisa de algo? —Ele perguntou, com a voz gentil.

 —Preciso de um favor. —Sussurrei. —E, por favor, faça isso. Por Bruma. É um presente para ela. Uma lembrança.

 Ele sorriu.

 —Qualquer coisa.

 —Beije-a.

 Ele ficou paralisado por um momento, e meu coração disparou – por causa de Bruma e de mim.

Ashley, o que você...

 Então Ian segurou meu rosto e me beijou. Seus lábios cobriram os meus delicadamente, e ele segurou meu rosto com as suas mãos quando apoiei meus braços sobre seus ombros e correspondi seu beijo.

 Então me diminuí, deixando Bruma no controle, e ela o beijou, deixando todo o sentimento por ele naquele beijo, jogando-o para fora junto com o movimento dos seus lábios, gravando o momento em sua mente de Alma, sabendo que se lembraria daquele momento para sempre, e não sentiria falta. Ela sabia como fazer isso na medida certa. Ela prestou atenção em tudo de Ian, na delicadeza de seus lábios e na força em seus braços, no seu cheiro, no beijo, no sentimento. Ela passou devagar os dedos ao redor do pescoço dele, gravando a maciez de sua pele. Bruma desejou que aquele momento nunca acabasse, que ela pudesse se perder no beijo de Ian para sempre, e nunca precisasse partir. Mas ela sabia que precisava, e pensou em mim, nos humanos, na Terra. E voltou para o fundo da minha mente. O corpo ficou paralisado por um minuto. Nós duas conversamos rapidamente na minha cabeça.

 —Obrigada, Ash.

 —Eu que devia agradecer, Bruma.

 —Agora chegou minha vez de lhe dar um presente. Pegue o corpo e beije Ian. Ele vai pensar que fui eu, e nunca terá que se preocupar. O sentimento que tem por ele se vai junto comigo, e você também terá só uma lembrança.

 —Obrigada.

 Voltei para o meu corpo e, fingindo ser Bruma, agarrei o pescoço de Ian, me afundando em seus braços, enrolando as pernas em sua cintura, deixando que ele me prendesse naquele beijo como se fosse o último. E seria. O primeiro e o último beijo de Bruma. O meu primeiro e último beijo de Ian. Ele me segurava com força pela cintura, apertando tanto minhas costelas que respirar estava difícil. Mas eu não me importava. Não queria respirar. Deixei meus dedos escorregarem entre seus cabelos negros e se enrolarem neles, enquanto minha outra mão agarrava sua nuca. Por mais forte que o beijo se desenrolava, ele começou a murchar. Ian soltou as mãos da minha cintura e as apoiou ao lado das minhas pernas novamente. Soltei minhas mãos de seus cabelos e as escorreguei por seu peito até desabarem no meu colo. O nariz dele ainda roçava no meu rosto, e ele ofegava junto comigo.

 —Eu vou sentir sua falta, Bruma.

 —Eu também vou sentir sua falta, Ian. Muito. —Eram as palavras dela.

Ele ergueu os olhos para dentro dos meus, e quase desabei dentro do cálido azul.

Arrepiei-me com seu olhar. Ele interpretou errado.

—Ashley?

—Estou aqui. Sou eu.

—E... Bruma?

—Ela agradece. Eu também.

Ian beijou minha testa.

—Qualquer coisa por vocês.

—Pode dizer a Doc que estamos prontas.

Ele sorriu levemente para mim e colocou a mão no meu rosto.

—Desculpe por nunca contarmos a você.

Coloquei minha mão sobre a dele, e de repente havia umidade demais nos meus olhos.

—Está tudo bem.

Doc surgiu na porta, junto com Peg, e fiquei feliz em saber que ela cuidaria de Bruma. Sem medo, me deitei no catre e fitei o teto. Ian segurou minha mão.

—Adeus, Bruma. Minha Almazinha, minha irmã. Seja feliz. Aproveite o novo planeta.

—Adeus, Ashley. Seja feliz, minha humana. Eu nunca vou me esquecer de você. Aproveite sua vida, ela é muito curta.

—Farei isso.

—Eu amo você.

—E eu amo você.

Ela ficou em silêncio. Eu também.

 E ambas fechamos os olhos...

A consciência estava retornando, mas parecia vazia. Abri meus olhos e encontrei o teto. Mas tudo parecia terrivelmente vazio. Minha mente estava vazia. Eu estava sozinha agora. Funguei e percebi que eu estava chorando. Ou havia chorado, pois senti rastros de lágrimas partindo do canto dos meus olhos. Meus olhos estavam desfocados, e tentei ajusta-los da melhor maneira. Pisquei algumas vezes e me levantei usando os cotovelos. Uma mão me ajudou.

—Ei, oi, Ashley. Não se mova depressa demais.

—Jamie? Onde está Bruma?

 Encontrei os olhos dele e, por trás do seu sorriso, eles estavam tristes. Olhei ao redor e encontrei Peg abraçando um criotanque.

 —É ela? —Perguntei.

 —Sim.

 Eu queria pegar o criotanque nos braços e nina-lo, mas não tive coragem. Então eu encontrei Ian. Pensei que, ao olhar para ele, eu me sentiria diferente. Pensei que não teria o sentimento que eu sentia agora. Mas eu tinha. Estava bem ali, formigando na ponta dos dedos, acelerando o coração.

 Ian sorriu para mim.

 —Oi, Ashley.

 Eu não consegui responder, estava extremamente frustrada. Abalada. Queria que Bruma ainda estivesse comigo, e queria não sentir nada por Ian. Lágrimas inundaram meus olhos e escorreram sem permissão. As sobrancelhas de Ian se juntaram e ele deu um grande passo até mim, me acolhendo em seus braços.

 —Shh. Tudo bem. Tudo ficará bem.

 —Ela se foi... —Sussurrei.

 —Mas nós estamos aqui, e você vai ficar conosco agora.

 Eu iria ficar, sim, por que Bruma me fez prometer que eu seria feliz. Mas como ser feliz agora, se a pessoa que eu amo amava à outra? Meu coração bateu dolorosamente quando me abracei a Ian e pensei infelizmente que ele nunca seria meu. Ele amava Peg, e não havia nada do mundo que mudaria isso. Apenas eu poderia – e deveria – mudar. Soltei-me dele e Ian se afastou, dando alguns passos para traz e puxando Peg pela cintura para perto dele. Ela também parecia abalada. Ela também perderia uma amiga. Porém não era a mesma coisa. Baixei meus olhos para meu colo e firmei as mãos no catre. Tomei impulso para levantar, mas meus braços não tinham força suficiente.

 —Vem aqui. —Sussurrou Jamie, me levantando e me pondo de pé, apoiada contra seu peito. —Tudo bem agora.

 Tentei me afastar e ficar de pé com minhas próprias pernas, mas quase tombei. Jamie passou os braços ao redor da minha cintura e sustentou meu corpo, me mantendo de pé. Aproveitei enquanto Jamie me segurava para limpar os rastros de lágrimas com as costas da mão. Jamie me apertou contra si, e descansei meu rosto contra ele, terrivelmente desgastada. Peg colocou a mão no meu ombro.

 —Você deveria descansar agora, Ashley. Acabou de passar por... Muita coisa.

 —Eu a levo para o quarto. —Disse Jamie. Ele me ajeitou melhor, sustentando boa parte do meu peso, e com passos vacilantes, saímos de dentro do consultório de Doc e andamos devagar até o nosso quarto coberto por uma cortina vermelha.

Jaime se ajoelhou comigo no colchão e só me soltou quando teve certeza de que eu estava completamente deitada. Arrumei meu travesseiro debaixo da cabeça e me virei de lado, fitando a parede. Jamie sentou-se do lado oposto ao meu corpo.

—Como você está?

—O que você quer eu responda? Que eu estou bem?

—Eu quero a verdade, Ashley.

 Apertei o travesseiro contra meu rosto.

 —A verdade? Estou terrivelmente vazia. E me sinto sozinha. E com tanta raiva! Eu só queria poder ficar perto de quem eu gosto. Por que essas pessoas sempre se afastam de mim? Ou, simplesmente, por que eu não posso tê-las perto de mim?

 —Talvez por que essa pessoa pertença à outra.

 Levantei minha cabeça para encará-lo. Ele sabia. Vi em seus olhos. Ele sabia sobre Ian. Um pequeno pedaço do meu coração, ainda intacto, começou a rachar.

 —Eu não estava falando de Ian. —Sussurrei.

 Jamie se aproximou de mim, deitando ao meu lado e apoiando a cabeça sobre um punho, deixando a outra no espaço entre nós dois.

 —De quem estava falando, então?

 —Meu pai. Minha mãe. Minha família. Minha casa. Bruma.

 —Ian... —Ele complementou.

 Apoiei-me sobre um cotovelo também.

 —Por que tanta insistência? Já disse que não estou falando dele.

 Jamie aproximou o rosto do meu.

 —Então, me diga que não sente nada por ele.

 Respirei fundo, tomando coragem, e rezei para minha voz não soasse falsa demais.

 —Eu não sinto nada por Ian.

 Jamie balançou a cabeça, infeliz.

 —Você é uma péssima mentirosa.

 Certo, mentir nunca foi meu forte, mas eu não era tão péssima.

 —Tanto faz. Eu só... Não quero pensar nele agora. Em nada disso.

 —Apenas fique bem. —Sussurrou Jamie. Seu hálito soprava meu rosto.

 —Eu vou tentar. —Respondi, também sussurrando.

 Jamie sorriu o máximo que era permitido naquele momento, apenas curvando os cantos da boca, e passou um braço em volta dos meus ombros, me escondendo em um abraço. Deixei minha mão livre pousar levemente sobre o pescoço dele e apertei os olhos, tentando apreciar o momento assim como Bruma fazia com qualquer segundo. Jamie foi tombando devagarinho, me levando com ele, até estar completamente deitado, e eu debruçada sobre ele. Aconcheguei-me melhor com a cabeça debaixo da dele e suspirei. Jamie beijou o topo da minha cabeça. Fechei meus olhos.

 —Se importa se eu dormir? —Sussurrei. —Estou psicologicamente exausta.

 —Durma o tempo que precisar.

 Eu bocejei. O sono havia me possuído em segundos.

 —Eu não vou sair daqui, você não vai ficar sozinha. —Ele sussurrou.

 —Ótimo. —Murmurei. —Estou cansada de ser deixada.

 —Não vou te deixar sozinha, Ashley. —Sua voz estava próxima ao meu ouvido.

Sorri.

—Pode me chamar de Ash, se quiser.

Seu braço se apertou a minha volta. Eu estava com sono demais para reparar.

Talvez tenha sido ilusão, ou até mesmo um pequeno sonho, mas ouvi Jamie sussurrar.

 —Eu nunca deixaria você, Ash.


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