Shalom - As Memórias de John Sigerson escrita por BadWolf


Capítulo 29
Capítulo 29: Violinos no Criterion Theatre


Notas iniciais do capítulo

Olá, estou de volta!!

Coloquei mais esse episódio como brinde, espero que gostem. Pra completar, um capítulo um pouco mais longo que o habitual.

Veremos o "Efeito Esther" na mente do nosso detetive. Claro, aguardem uma boa dose de perturbação, e também alguns detalhes da nova vida de Esther.

Divirtam-se e bom feriado!!



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Watson tinha acabado de atender uma senhora, que sofria de dor nas costas. Já estava próximo da hora do almoço, e foi com certo alívio que ele fez uma pausa em seu expediente. Desde que Mary faleceu, ele tinha mergulhado no trabalho, e algumas vezes trabalhava 12 horas por dia, atendendo gente sem parar. Nem sempre por sua competência: muitos vinham ao seu consultório porque eram fãs de suas histórias, e queriam conhecer o “bom doutor”, ou saber um pouco mais de Holmes. Acabavam, então, tocando em outra ferida dolorosa. Já havia alguns anos que Holmes tinha sido declarado oficialmente morto, embora o seu corpo jamais tivesse sido encontrado, e no entanto, a dor ainda não tinha sido reduzida. Ele imaginava se sentiria a mesma coisa todos anos, desta vez por Mary ou seu filho natimorto, Albert.

Mas agora ele tinha encontrado outro motivo para se entreter: suas visitas à Miss Evans. Ele lembra-se do dia que a conheceu, há quase dois anos atrás. Ela, uma estrangeira, estava completamente perdida em Londres. Tinha feito um passeio pelas ruas, e não sabia como voltar para casa. Watson deu-lhe informações, e mais do que isso: a acompanhou até sua casa. Ela parecia um tanto desconfiada, ele notou, e também um pouco esperta em comparação à muitas mulheres de sua idade. Tinha também um senso de independência um tanto incomum, mas que não tirava seu charme. No fundo, Watson gostava de mulheres assim, que tinham opinião e personalidade, bem diferente da maioria das inglesas que ele conhecia. Talvez por isso tenha se casado com Mary, que era praticamente uma conselheira e estava sempre do seu lado, com algo de valor a lhe dizer.

Ele suspirou, contente, lembrando-se do convite que fez à moça para uma ida ao Teatro. Ela pareceu contente, embora ele sentisse que havia sempre algo muito cauteloso nela, sempre que faziam algo que pudesse estreitar seu relacionamento. Talvez ela tivesse tido alguma má experiência com outro homem, quem sabe. Um pretendente que tenha falecido, ou até mesmo a abandonou ou que a preteriu.

Bobagem, quem iria fazer isso com uma mulher tão interessante?

O fato era que ele já estava com as entradas compradas para assistir um concerto, no Criterion Theatre. Naquela noite, ele decidiu, iria dizer suas verdadeiras intenções, quando terminasse o espetáculo, e pedir sua permissão para cortejar. Dessa vez, ele não iria ser tão apressado, quanto fora com Mary. Iria deixar que o relacionamento avançasse e amadurecesse sem pressa, embora ele estivesse, a cada dia que se passava, mais desejoso de pedir sua mão em casamento.

oooooo

Quando Holmes terminou de executar Bach, com perfeição, Mr. Sutherland levantou-se para aplaudi-lo.

–Magnífico! Magnífico! Raramente eu vi uma execução de Bach com tamanho rigor e exatidão! Estou maravilhado!

Holmes, então, começou. – Então... Isso significa...

–Eu seria louco se dissesse não, meu caro senhor! A vaga de violinista é sua!

Ambos trocaram um forte aperto de mão, acertando o negócio.

Holmes tinha hesitado, ao saber por um dos violinistas do prostíbulo que havia uma vaga de emergência para uma orquestra no Criterion Theatre. Ele soubera que, nas vésperas do espetáculo, o violinista solista tinha quebrado o braço em uma queda, e a orquestra estava procurando por urgência alguém apto para a vaga. Mas como seria apenas por uma noite, Holmes resolveu aceitar, fora que a orquestra que fazia a trilha sonora dos espetáculos raramente era notada.

Ele apresentou-se, obviamente, como John Sigerson. Tinha penteado o cabelo e acertado a barba, que já estava bastante espessa e lhe dava uma aparência um tanto suja, mas agora um pouco melhor com o aparo que o próprio fizera com uma tesoura. Entretanto, ele ainda estava irreconhecível.

Pôs um terno recém adquirido, entretanto de segunda mão, e rapidamente pegou seu violino e se juntou à orquestra, que tocaria naquela noite.

Não era a primeira vez que Holmes estava de alguma maneira, ligado aos palcos. Quando tinha dezessete anos, um tempo antes do caso conhecido como Gloria Scott, ele tinha feito algumas participações como ator de teatro, usando um nome falso. Ele lembrou-se da surra que recebera de seu pai, quando este descobriu o que ele fazia nas horas vagas. Acabou sendo mandado às pressas para a Universidade de Oxford, para cursar Direito. A cidade, que não tinha um centro de teatro decente, acabou decretando o fim de sua carreira como ator, e também foi crucial para que ele conhecesse Victor Trevor e seu pai, que lhe deu o conselho de sua vida. Talvez se ele estivesse no Teatro, não teria sido tão feliz quanto na profissão de Detetive. Definitivamente, os palcos não teriam lhe proporcionado a mesma emoção que sua carreira no ramo criminalista.

Enquanto ele fazia solos com impressionante precisão, ele desviava seus olhos, em algum momento para a plateia, que parecia absorta nos atores, interpretando alguma peça shakespeariana. Era “Sonhos de Uma Noite de Verão”. Ninguém olhava para os músicos, que ficavam embaixo do palco, no chão.

De repente, seus olhos afastaram da partitura e se deslocaram para um casal, que ele reconheceu prontamente. Era Watson e Esther! Não era possível! Eles já estavam tão avançados assim, a ponto de ele leva-la para uma peça teatral? Embora não pudesse vê-los completamente, Holmes imaginava que os dois estavam de mãos dadas...

Ao ver Watson aproximando seu rosto do de Esther, como se quisesse fazer algum comentário mais íntimo, o coração de Holmes disparou. Ora, mas o que ele estava fazendo? Onde estava todo o amor que ele sentia por Mary? Faziam-se pouco menos de dois anos desde a morte dela, e ele já estava caído de amores por outra! O amor era algo assim, tão descartável?

Os olhos de Holmes já estavam um bom tempo afastados da partitura, de modo que ele estava solando uma melodia completamente própria. Ele tinha o hábito de tocar enquanto pensava, e sua melodia tinha se tornado algo passional, forte, repleto de nuanças. Os demais instrumentistas tentavam acompanha-lo, uma vez que ele estava tocando algo completamente diferente do que estava na partitura, mas ainda assim harmonioso.

–O quê está havendo? A melodia da peça não é essa! – cochichou o diretor da peça a seu assistente.

–Eu não sei o quê está havendo! Acho que é o novo violinista, que está improvisando...

–Diabos! Ele não foi pago para isso! O que ele pensa que está fazendo?! Acha que é o próprio Sarasate?!

A peça estava em um ritmo completamente diferente do que era executado pelo violino de Holmes e desesperadamente acompanhado pelo restante dos músicos. O público começou a perceber que havia algo estranho, destoante. Os atores faziam uma cena calma, bucólica, e o violino de Holmes vociferava algo furioso, e ao mesmo tempo maravilhosamente ágil, cada vez que via os sorrisos trocados entre Watson e Esther, ainda alheios ao que estava acontecendo de tão abosrtos em uma conversa, que Holmes hesitava em querer saber para provocar tal estado de proximidade entre os dois.

Os atores, por fim, pareciam confusos, uma vez que a melodia que estava sendo executada não condizia com a peça. Pouco a pouco, as atenções da plateia voltaram-se, então, para a orquestra, em especial o violinista.

Para evitar uma tragédia ainda maior com a peça, o diretor decidiu fechar as cortinas, dando um intervalo improvisado. O violino de Holmes continuou, pois Watson tinha acabado de dar um breve beijo na mão de Esther. Mesmo com as cortinas fechadas, continuou por mais alguns segundos, até perceber que as atenções dos “pombinhos” tinham sido interrompidas. Por ele mesmo.

Ele pigarreou, ao perceber todos os olhares do teatro voltados parasi, ainda abismados, à medida que os assistentes fechavam as cortinas com pressa. Poucas vezes se sentira constrangido na vida.

–Dá para parar com isso?! – ordenou o diretor. A plateia, atônita com a exibição de Holmes, começou a aplaudi-lo, abismada.

–O que está acontecendo? – perguntou-se Esther, ao voltar seus olhos rapidamente para o foco dos aplausos: a orquestra. Ao ver que ela estava olhando para si, Holmes saiu correndo dali. Ele saiu com a sensação de que, pela primeira vez, em um espetáculo teatral, alguém aplaudiu a orquestra sinceramente.

–Parece que algum músico roubou a cena mais do que devia. – disse Watson, com escárnio. – E o curioso é que aquela melodia me era familiar...

–Poderia ser alguma música famosa...

–Não foi bem esta a impressão que tive. Aliás, por um momento, eu até chegue a pensar que... Ah, bobagem. Isso é impossível.

–O quê é impossível?

–Alguém tocar como tocava meu amigo, Holmes. Ele poderia trabalhar como músico profissional, uma vez eu cheguei a dizer isso a ele. Ele tinha uma maneira muito particular de tocar, e tinha aptidão para tocar em uma orquestra de grande porte, certamente.

Esther suspirou. – Você sempre fica emocionado quando se lembra dele, não é?

–Sim, muito. Ele era meu melhor amigo. – por fim, Watson suspirou. - Mas vamos deixar as coisas tristes para trás, minha querida. Hoje é uma noite apenas para coisas boas. Então, o que acha de irmos jantar fora?

–Eu adoraria.

ooooo

–O que você fez foi ridículo!

Holmes assentiu. – Sim, eu confesso que...

–Atrapalhou o desempenho dos músicos, dos atores, tocando algo completamente fora do combinado! Ou vai me dizer que não sabe ler uma partitura?! – vociferava o diretor.

–É óbvio que eu sei ler uma partitura, senhor, é que...

–Precisei pedir um intervalo às pressas, para ver se o senhor se apercebia de sua falha!

Holmes sabia que perderia o salário daquela noite, então não pôde deixar de fazer alguma troça daquilo.

–Ao menos, senhor, a plateia aplaudiu minha exibição.

–Mas o senhor é mesmo muito atrevido, Mr. Sigerson... Eles não estavam aqui para assistir um violinista solo! Nem eu contratei um músico para ofuscar minha peça teatral! E não quero que isso ocorra de novo! Portanto, dê o fora daqui, e saiba que eu não irei pagar um guinéu sequer!

Holmes retirou-se, levando seu violino e o resto de sua dignidade. Jamais ele imaginara que isso fosse acontecer. Ficar completamente cego, apenas em ver um menor grau de aproximação entre Esther e Watson. Só de lembrar o que vira, todo o seu sangue fervia. Ele sentia seu cérebro ser acossado pelos sentimentos. Aquela mulher estava o transformando em tudo que ele jamais quis ser. Mycroft tinha razão. Se ele recuperasse sua vida de volta, certamente ele se esqueceria de Esther. Se ele estava agindo assim, era porque não havia mais nada ocupando sua mente.

Esther. Ao menos, aquela noite lhe trouxe algo de bom. Há quanto tempo ele não a via... Nos últimos tempos, ele estava se esquecendo de alguns detalhes de seu rosto. Agora, depois de dois anos, ele percebeu como as coisas mudaram. Ela estava mais pálida que o costumeiro, certamente por sua nova vida como londrina. O cabelo loiro e levemente ondulado estava agora em um penteado elegante. Embora não a tivesse visto de corpo inteiro, Holmes sabia reconhecer uma veste de boa qualidade, ainda que apenas parte dela. Ela sorria algumas vezes, enquanto conversava com Watson. Por leitura labial, ele percebeu que Watson lhe contava sobre algumas vezes que ia ao Teatro, além de percebê-lo dizer "Você está deslumbrante". Ele deveria dizer isso a todas, inclusive à finada Mary Morstan. Watson, o galanteador. Watson, o charmoso. Watson, o grande mulherengo de Baker Street.

Ele precisava concentrar-se em Moran. E voltar a ser o velho Sherlock Holmes.


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Notas finais do capítulo

Certo, não me matem, está bem? rsrs!!!

Algo me diz que será cada vez mais difícil para nosso detetive se manter afastado dos dois. Londres é imensa, mas pode ser um ovo de acordo com os meus propósitos maléficos, rs.

Ah, e estou surpresa com o que acharam da opção de Esther por namorar Watson. Coincidências acontecem, né, embora essa tenha sido demais, rsrs. Ah, mas vejam: Esther tinha tomado um toco daquelas do Holmes, estava sozinha em um país estranho, e eis que aparece um belo loiro bigodudo - urgh - e gentil, com uma profissão belíssima (ah, a Medicina... *----*) e todo desiludido, desencantado com a vida, que tinha acabado de enterrar a esposa e o filho recém-nascido e perdido seu melhor amigo... Pô, até eu! RSRS Holmes não pode culpá-la, Watson deve ser um homem irresistível, com uma boa conversa e super cavalheiro... Enfim, espécie em falta em nossos tempos.

Espero que tenham gostado desse cap. E aguardem porque tem muita coisa legal para acontecer.



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