Segredos De Família. escrita por Tauana Indalecio Braga


Capítulo 2
Capítulo 2- A chegada




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Marcus havia enviado um e-mail para seu editor, informando que logo apareceria com a reportagem do ano. Era um plano arriscado, usaria todo o resto de suas economias para fazer essa viagem. Mas em compensação, receberia mais que o dobro pela sua história. Foi dormindo na viagem de 5 horas, sonhando com as inúmeras propostas de compra daquele caso intrigante.

 Logo que chegou à cidade viu como era pequena comparada a São Paulo e com sua cidade natal, Ribeirão Preto. Algumas ruas eram ainda de terra, e o mato competia pau a pau com as casas e pouquíssimos prédios. A cidade era repleta de praças e foi bastante difícil achar um hotel.

Depois de muito andar, encontrou um no centro da cidade, e se espantou com o baixo preço da estadia. Não era lá grande coisa, mas era bem melhor do que os motéis sujos por onde já esteve no centro da capital paulista. Ele teria onde dormir e escrever, e isso era mais que suficiente. Começou imediatamente sua investigação, perguntou ás camareiras e prestadores de serviço do hotel sobre a família, e logo notou que eles tinham muito receio de comentar sobre as Siqueira.

Logo percebeu que teria de achar outra forma de abordar as pessoas sobre elas, ou teria de encontrar as “fofocas” por ele mesmo. Foi até a biblioteca da cidade, onde mantinham ainda, uma grande quantidade de jornais antigos datando de décadas atrás, tudo copilado em um aparelho antigo e amarelado pelo tempo.

 A máquina foi indicada por uma senhorinha mais empoeirada do que as prateleiras carcomidas da antiga biblioteca. O cheiro de livro velho e poeira tomavam todo o local, e junto com a luz amarelada, dava todo um ar de filme de investigação que ele tanto gostava. Procurou nas páginas de óbito sobre os maridos falecidos daquelas mulheres, o que era bem difícil já que não sabia seus nomes. Mas se espantou quando viu tantos resultados quando digitou o sobrenome delas no aparelho.

O mais recente foi à internação de Beatrice Siqueira, no Instituto Sigmond Freud na cidade de Belo Monte a 200 quilômetros dali. Datava do ano de 1993. Ela foi internada pouco depois de ter sua filha. Teve uma crise de histeria e foi amordaçada e amarrada, pois mordia e cuspia nos atendentes do hospital em que havia acabado de dar a luz. Sua filha, Alice, foi levada no mesmo dia para casa pela avó.

Marcus percebeu que parte daquela manchete faltava, uma grande coluna em branco, como aquelas encontradas em censuras da época da ditadura para omitir informações contidas nas manchetes dos jornais, tomava boa parte da matéria sobre Beatrice e sua internação, assim como em várias outras que falavam sobre a família. Parece que elas realmente tinham muita influência. Tudo o que dizia respeito a elas era posto sob os panos.

Até que, depois de duas horas na frente daquele monitor empoeirado, achou uma reportagem que não tinha nenhum corte. Datava de 1969, quando Isabel Siqueira, havia sido detida sob a suspeita de assassinar o próprio marido com 12 facadas. A foto em preto e branco mostrava uma jovem bonita, de cabelos negros, feições angelicais e de corpo franzino. Era impossível acreditar que havia sido ela a autora de um ato tão macabro, dada a sua aparência inofensiva. Logo as acusações contra ela foram retiradas e ela foi liberada pelo delegado no mesmo dia. O caso nem chegou aos tribunais, e o caso foi arquivado.

Ele encontrou a reportagem sobre o estranho acidente de carro que matou Eric Pacheco em 1987, marido de Leah Siqueira, mãe de Estela.  A morte de Leah, pouco tempo depois, foi declarada como morte por causas naturais. Mas quem morre de causas naturais aos 26 anos de idade?

 Realmente aquela família era recheada de mistérios, mas ele já não sabia se isso o empolgava tanto quanto antes. Agora ele começava a levar a sério os avisos do homem naquele bar de São Paulo. Será que ele corria risco de vida?

Foi então que se deu conta. Nenhuma daquelas mulheres adotava o sobrenome dos maridos. Seus nomes eram sempre citados como Siqueira, nunca com o sobrenome do marido mesmo estando casadas.

Aquele detalhe atiçou ainda mais sua curiosidade. Pediu a lista telefônica pera a velha bibliotecária. Ela o olhou de volta com seus óculos grossos que faziam seus olhos parecerem estranhamente grandes e deu um muxoxo de desagrado, jogando uma lista amarelada em cima do balcão.

- Ahn...não teria a lista atualizada?

- Essa É a lista atualizada.- responde a mulher antes de se sentar novamente e voltar ao seu crochê cor de abacate.

Marcus não insiste e leva o livro até uma mesa, não demorou muito e ali estava, o telefone e o endereço delas. Não pensou duas vezes, anotou tudo em seu inseparável caderninho, e saiu apressado da biblioteca. Seu estômago roncava, mas ele não sabia se resistiria mais tempo em passar na frente do casarão. Sua curiosidade doía mais que sua fome.

Andou alguns quarteirões perguntando a transeuntes pela avenida principal. Antes que se desse conta, já estava nela, e seu coração acelerava a cada passo que dava, na expectativa de ver a qualquer momento a famigerada casa.

Não demorou muito , e logo, avistou de longe a grandiosa casa em madeira escura e tijolos. Ela tinha 2 andares e um enorme sótão indicado por uma janela redonda de vitral. Uma  escadaria de mármore  recebe os visitantes até a majestosa porta de madeira decorada, para chegar até ela, um caminho de pedras, ladeado por um colorido jardim. A casa era cercada por uma grade de ferro fundido preto, com formato de flores entre o ferro distorcido terminando em pontas afiadas.

E ali, no alto da escada, Marcus  avista uma moça. Seus cabelos vermelhos pareciam incendiar com a luz do sol, destacando sua pele branca e leves sardas. Os grandes olhos verdes dela encontraram com os de Marcus, que imediatamente cora. Com certeza ela era uma delas, nada o poderia preparar para tanta beleza.

Queria se aproximar, falar com ela, nem que fosse para comentar sobre o tempo. Mas suas pernas cismavam em não se mexer. Logo a oportunidade foi perdida, quando uma mulher mais velha, com certeza a avó, a guiou para dentro de casa, lançando para ele um olhar de reprovação.

- Não é uma boa ideia!- Marcus ouve uma voz feminina logo atrás dele.

- Como? – pergunta Marcus se virando

- As Siqueira...não é uma boa ideia...- diz a moça apontando para a casa.

- Você sabe alguma coisa sobre elas?

- Claro que sei...todos na cidade sabem...mas eu sei mais...eu sou da família sabe? Bem...quase isso...

-Como assim da família?

- Sou filha bastarda de um dos maridos delas...

-ah é? qual deles?- pergunta Marcus desconfiado. A menina parecia avoada, mal olhava para ele quando conversavam, como se ela tivesse algum tipo de déficit de atenção.

- Minha mãe nunca me disse...- responde a menina se apoiando no poste de ferro, olhando sonhadora para a mansão das Siqueira.

- E você estaria interessada em me contar sua historia? – Marcus não sabia se poderia confiar no que aquela menina dizia, ela parecia o tipo de pessoa que falaria o que você quisesse só para ter um pouco de atenção.

- Você é jornalista não é?- pergunta ela, agora olhando diretamente para os olhos dele.

- Ahn...não, eu...só estou curioso...- mente Marcus.

- Ah é...isso é bom, elas não gostam muito de jornalistas. Eu trabalhei naquela casa por um tempo sabe...gente estranha...muito estranha...me mandaram embora logo na primeira semana.

- E porquê?

- A velha me reconheceu sendo muito parecida com minha mãe...elas sabem da traição...me mandou embora aos gritos...tive que ficar um tempo longe da cidade... – a expressão da menina ficou séria, aquela parecia uma memória não somente triste, mas de alguma forma assustadora.

- E...quantos anos você tem? – fala Marcus chamando a atenção da menina de volta para ele

- 22... está fazendo as contas ne? Eu já fiz isso...mas mesmo assim não descobri quem é meu pai...minha mãe não fala disso! Nunca! Quando insisti ela teve um surto...tive que deixar pra lá...

- Um surto? Que tipo de surto?

- Minha mãe é meio descompensada tadinha...o que quer que seja que tenha acontecido com ela naquela casa, a traumatizou para sempre, ela é meio abobada até hoje...fui criada pela minha avó, mas ela já morreu, agora sou eu quem cuida da minha mãe. – tagarela a menina enquanto caminhava devagar sendo seguida pelo jornalista.

- Sinto muito por isso...

- Tudo bem, eu já estou acostumada...

-Você aceita um café? A gente poderia continuar o papo!

- Eu não tomo café!- responde ela distraída, mas logo ela se vira para Marcus de sopetão com um sorriso infantil no rosto- Mas aceitaria uma panqueca de brócolis com gorgonzola!

- Brócolis com gorgonzola?

- É! Coisa fina! Sempre quis experimentar!- responde ela como criança pegando Marcus pela mão o guiando avenida acima.

- E onde raios eu vou encontrar uma panqueca de brócolis com gorgonzola por aqui?

- No restaurante da dona Ana tem! Eu nunca consegui comer lá, mas eu sempre passo na frente e fico imaginando que prato eu pediria! Uma vez eu vi uma mulher toda chique comendo essa panqueca! É um prato lindo!

-Parece que suas informações são bem caras!- murmura Marcus, contrariado em passar do grande casarão.

- Não são informações!- responde a menina parando e se virando para ele brava- São histórias, você não é só um curioso? Seremos somente duas pessoas se conhecendo melhor! Tenho a impressão de que seremos grandes amigos!

-Ah, você acha é...?- diz Marcus assustado com o jeito expansivo da garota.- Eu ainda não sei seu nome...

- Meu nome é Mariane, pode me chamar de Mari! E o seu? – diz a menina oferecendo a mão pro jornalista.

- Marcus...Bandeira!- responde ele aceitando a mão da menina, que segue na mesma direção de antes o puxando pela mão.- onde estamos indo?

- Pro restaurante da dona Ana oras! Você vai me comprar uma panqueca não vai? Minha avó dizia que é durante uma refeição que se conhece bem as pessoas! Aí você pode me contar o que um cara da cidade grande faz por aqui! Adoro saber as novidades de la! Tenho muitos amigos sabe...mas são todos turistas...as pessoas da cidade não gostam muito de mim.

- E porque?

- Isso eu te conto durante o almoço!

- Almoço? Mas já são 4 da tarde!

- Ainda não comi! Pra mim ainda é almoço!- insiste Mari parando na frente de um restaurante italiano com uma enorme vitrine por onde dava para ver todas os clientes comendo no salão.

  O restaurante ainda estava surpreendentemente cheio para o horário. Uma senhora de cabeça branca e porte de matrona os viu entrando no restaurante e já se aproximou quando viu que era Mari a acompanhante de Marcus.

- O que esta fazendo aqui menina? Não disse que não era para você importunar meus clientes!?- murmura a velha segurando firme o braço de Mari que congela.

- Eu..eu...

- Ela esta comigo, a senhora deve ser a dona Ana!- diz Marcus se colocando entre a velha e Mari, oferecendo a mão á dona do restaurante, que a aceita sem entender- Mari me falou muito bem do seu restaurante! Eu acabei de chegar de viagem de São Paulo, e estou faminto! Ela falou muito bem da panqueca de brócolis com gorgonzola!

- Ah sim? Não diga!- responde a mulher atordoada enquanto Marcus ainda chacoalhava sua mão- Ora entrem, entrem! A panqueca é um dos nossos pratos mais pedidos! Assim como a macarronada da mama! Receita de família sabe?- diz Dona Ana toda prosa os levando até uma mesa próximo á vitrine de vidro.

- É mesmo? Não diga!- responde Marcus dando uma piscada para Mari que observava tudo maravilhada.

- Sim sim! Eu acabei de preparar o canelone! Prato do dia!

- Parece ótimo! Entao vamos querer uma panqueca para minha amiga aqui e uma macarronada tradicional da mama para mim!

- Oh ótima escolha! Ótima escolha! E para beber?

- Ahn...mari?

- Vinho! Tinto! Seco...- diz ela animada. Ela tocava a toalha xadrez da mesa como se estivesse se certificando de que era real.

- E água...por favor Dona Ana.- responde Marcus tentando não pensar em quanto gastaria com aquele agradinho á sua nova amiga. Ele não sabia explicar, mas seus instintos diziam que aquela menina seria uma fonte valiosa para sua pesquisa.

- Certo, trago tudo logo logo, bem vindo á cidade sr...

- Bandeira...Marcus Bandeira!

- Certo senhor bandeira, eu já volto.

- E então...o que você tem para me contar Mari? – pergunta Marcus, e a menina se debruça na mesa sob os cotovelos e lhe sorri misteriosa, enquanto os transeuntes passavam pela vidraça totalmente alheios do que estava prestes a acontecer no restaurante da Dona Ana.


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