Confiança escrita por Camila J Pereira


Capítulo 25
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Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Edward

Paciência, paciência, era o mantra que povoava a minha mente. Respirei fundo e fechei os olhos por alguns segundos para me manter tranquilo. Não estava adiantando muito e me mexi na cadeira procurando evitar que o tédio transparecesse em meu rosto. Quanto mais ele falaria? Flanagan já esgotara o tema vinte minutos antes, porém não parava de falar. Essa reunião não terminaria nunca? Oh céus!

Alguns aspectos do mundo empresarial me aborreciam, este fazia parte da lista. Tínhamos muitas reuniões, a maioria sem motivo realmente importante e mais reuniões para discutir as anteriores. Precisava achar paciência para continuar naquela sala cheia de pessoas fazendo suas caras de compenetração, mas que na verdade estão pensando o mesmo que eu: Sair o mais depressa dessa sala.

Comecei a desenhar no bloco de anotações e me peguei tentando decidir qual projeto trabalharia depois que fosse liberado desse tormento. Absorto em acrescentar detalhes divertidos a figura que desenhei, não ouvi de imediato o leve bater na porta da sala de conferências, mas notei quando Jasper se ergueu para verificar. Na porta, o corpo do meu amigo encobria o seu interlocutor.

Voltei a atenção para meu desenho e somente percebi que estava sendo chamado quando Felícia, sentada ao meu lado, cutucou-me com o cotovelo. Eu empurrei a cadeira para trás em silêncio, intrigado e fui até onde Jasper se encontrava com um sorriso tolo no rosto. Pela porta entreaberta, pude ver a minha secretária também sorrindo. Deixei a sala para não perturbar a reunião. No corredor deparei-me com Bella ao lado da secretária.

- Bella?! Porque está aqui? Aconteceu alguma coisa?

- Desculpe-me pela interrupção fora de hora. - Disse a Strª Harper. - Mas sei como são as reuniões de Flanagan e imaginei que você não se importaria em falar com a sua noiva.

- Tudo bem. - Eu garanti automaticamente tomando Bella pelo braço. - Então vou para a minha mesa.

Voltei a minha atenção para Bella, dando-me conta de que ainda lhe segurava o cotovelo. O toque da pele firme e sedosa em minha mão encheu-me de uma sensação agradável. O jantar da outra noite fora um sinal de que o mal-entendido entre nós se dissipava, apesar dela não ter me convidado para subir ao seu apartamento. Eu reconquistara o seu sorriso, mas ainda não tinha o direito de tocá-la.

- Oi. - Eu a cumprimentei soltando o seu braço. - Está tudo bem?

- Está tudo ótimo. - Ela garantiu, o rosto iluminado por um sorriso. Ela vestia jeans e um top florido que deixava um centímetro da cintura à mostra.

- Por que veio aqui? - Quis saber, tentando ignorar a pele nua.

- Para falar a verdade, aconteceu uma coisa.

- O quê? - Fiquei alerta.

- Você tem trabalhado demais.

- O quê?

- Trabalhado demais. - Ela repetiu devagar. - Você tem trabalhado até tarde todas as noites. Garanto que não vê a luz do sol a quase uma semana.

- Não seja boba. - Protestei, reconhecendo que ela tinha razão. Ela então sabia que eu trabalhava até tarde?

Consciente da proximidade do corpo dela, saboreei as sensações que ela me despertava, enchendo-me de calor e desejo.

- Você esta viciado em trabalho. - Ela prosseguiu em voz baixa para não ser ouvida.

- Escute, esta dando certo. Dave me deu uma dica, e estão seriamente me considerando para o cargo.

- Isso é ótimo, maravilhoso! Não joguei golfe em vão!

- Valeu a pena o sacrifício. - Eu retruquei rindo.

- Essa é uma ótima notícia, e mais um motivo para que você me acompanhe.

- Acompanhar você?

- Vou sequestrar você.

- Como é? - Indaguei incrédulo.

- Está tudo arranjado. Vamos fazer um piquenique.

- Não seja ridícula! Tenho que trabalhar.

- É isso mesmo que quero dizer. Você sempre tem que trabalhar. Acho que você poderia trabalhar o dia todo e ainda sim encontrar coisas a fazer.

O brilho maroto no olhar dela quase me fez sorrir, mas eu me apressei a reprimir o gesto.

- Esse é mais um motivo para não me deixar levar por essa sua ideia maluca.

- Você precisa ser mais espontâneo. - Ela sussurrou ao meu ouvido, tão próximo que eu pude sentir a sua respiração.

Eu a fitei e refleti sobre todos os desejos que vinha controlando nas últimas semanas. O desejo de irromper estúdio adentro e possuí-la na cama coberta de cetim, ou de ligar para ela tarde da noite apenas para ouvir-lhe a voz.

- É por isso que estou aqui. - Bella continuou. Ela me tomou pela mão e me puxou para longe da porta. - Vamos indo.

- Agora? - Hesitei.

- Claro. Agora.

- Não posso deixar a reunião. - Argumentei tentando resistir.

- Por que não? É você quem a esta presidindo?

- Não. - Não queria ceder, mas uma parte rebelde de mim quis deixar de lado a responsabilidade e sair aproveitando o sol com ela.

- Você vai comigo. - Ela insistiu, puxando-me para a saída.

- Bella, espere.

- Não. - Ela me conduziu ao elevador e com o braço em minha cintura empurrou-me para a frente como se fosse um garotinho tímido. - É hora do almoço. O mundo não vai acabar se você tomar um lanche no parque.

Bella

- Puxa, isso é maravilhoso. - Edward murmurou.

Ele se encontrava deitado na colcha ao meu lado, aquecido pelo sol de primavera que espreitava por entre as árvores assim como eu. Essa pequena área do Jardim Botânico era dedicada às borboletas. Havia vários canteiros de flores e um pouco mais adiante, um pequeno lago cercado de pedras. O local estava vazio naquela quarta-feira. Ao redor de nós dois, encontravam-se os restos do piquenique, as caixas de papelão e os guardanapos.

- Não sei quando foi a última vez que fiquei deitado sob o sol.

- Eu sei. - Devolvi triste, tentando manter o amor longe da minha voz. - Foi por isso que insisti em trazer você. Não podemos deixar que se transforme num homem pálido e sem graça.

- É verdade, é um problema que todos os executivos têm. Marcamos reuniões em edifícios diferentes para podermos andar até nosso carros e tomar um pouco de sol.

Ri da brincadeira incomum, sabendo ser tolice amá-lo. Ele nunca mais se envolveria com alguém de minha família. Ele me apresentava como sua noiva, mas nós sabíamos que esse era um papel de pouca duração. Porém amá-lo era inevitável. Fiquei observando-o a sombra das árvores que firmavam figuras indefinidas sobre ele e vi a fadiga provocada pelas noites de trabalho árduo. Tinha certeza de que ele se recolhia muito tarde. Nesse momento, deitado ao meu lado, a cabeça apoiada nos braços cruzados sob a nuca, ele dava a impressão de ter recebido permissão para relaxar algumas horas. Edward precisava desse descanso e eu me sentia feliz por proporcionar a ele esses momentos. O emprego acabaria por matá-lo ou impedir que vivesse a vida intensamente.

- Ed, se não tivesse esse emprego, o que mais gostaria de fazer?

- Acho que arrumaria outro, ora.

- Na mesma profissão?

- Eu trabalho com telecomunicações desde que me formei. Certamente arrumaria alguma coisa na mesma área.

- Mas, e se pudesse mudar? Você seria um cantor de rock, um técnico de futebol, um maquinista...

- Eu? Conduzindo um trem? - Edward riu.

- Isso mesmo. Ou astronauta talvez. - Tornei impaciente.

- Não. - Ele afirmou enfático.

- Bem, talvez você gostasse de ser um corredor. Poderia dirigir a 300 km/h sem receber nenhuma multa. - Brinquei.

- Essas são as suas fantasias? Se forem, você alimenta os sonhos de um garoto de doze anos.

- Mas quais são as suas? - Insisti. - O que você queria ser nessa idade?

- Não me lembro. - Ele respondeu devagar, fitando o céu. - Nada em especial. Eu queria dinheiro, uma casa bonita, uma família. Você sabe, como nos filmes na televisão.

- E que roupa você usava ao chegar do trabalho?

- Acho que era sempre terno e gravata.

- E você tinha uma pasta nas mãos?

- Isso mesmo.

- E você voltava para casa no mesmo horário todas as noites?

- Acho que sim. - Ele anuiu ainda devagar.

Eu o olhei com o canto dos olhos e percebi que ele tinha o cenho franzido como se a brincadeira o desagradasse.

- Então você era um empresário dono de seu próprio negócio?

- Não é isso que todos querem? - Ele riu sem vontade.

- Muitas pessoas acham que é responsabilidade demais. Elas querem dinheiro, liberdade de horário e despreocupação quando chegam em suas casas. Mas você é louco por responsabilidade.

- Me sinto bem assim.

- Talvez bem demais.

- O que quer dizer? - Ele indagou endireitando o corpo.

- Você esta sempre trabalhando sem nunca pensar em lazer. Com exceção de hoje, nunca vi você não trabalhar durante o dia. Mesmo durante o jogo de golfe você estava trabalhando. - Ele não respondeu de imediato, mas eu pude sentir o seu olhar pousado em mim.

- Talvez todo esse trabalho o impeça de pensar demais, de lembrar coisas que... - Eu comecei a sugerir, deixando de lado a cautela.

- Eu já lhe disse o quanto você é linda? - Ele me interrompeu.

- Não... - Murmurei tensa de repente.

- Pois você é. - O brilho ardente no seu olhar contradizendo com o tom neutro de sua voz. - Mais bonita do que lembro toda vez que a vejo. É como se eu esquecesse a vez anterior. Como se fosse sempre uma surpresa.

Quando os nossos olhos se encontraram eu me senti hipnotizada, atordoada pelo que eu percebi na voz dele e li em seu rosto. Edward ergueu a mão e deslizou um dedo por minha sobrancelha. O desejo e a paixão invadiram o meu corpo. Eu reconhecia os beijos dele, lembrava exatamente da sensação da sua boca sobre os meus lábios. E isso foi há tantos dias... Edward aproximou o seu rosto do meu, os lábios quentes do sol com sabor de mágoas e promessas quebradas, implorando por um amor que eu sabia que não podia aceitar.


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